15/04/2019

FRANCISCO MENDES DA SILVA

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 O espantalho do 
"Marxismo cultural"

Não percebo bem em que é que o "Marxismo cultural" é uma ameaça assim tão assustadora, ao ponto de em 2019 alguma direita achar que vive numa luta mortal contra o dito.

Adolfo Mesquita Nunes escreveu na Visão um texto sobre uma certa direita, "armada em musculada", que se define pelo combate ao "Marxismo cultural" mas que, com o seu radicalismo ideológico, serve na verdade de "idiota útil" da esquerda. Vale a pena lê-lo.

O tema do "Marxismo cultural" intriga-me. Uma vez que também me defino politicamente contra o Marxismo, estou por instinto contra tudo o que possa ter a mais ténue origem nas proclamações do barbudo da Prússia. Não importa se o "Marxismo" é económico, cultural, meteorológico ou rodoviário. É Marxismo? Sou contra. O problema é que nunca sei ao certo do que falam, em 2019, aqueles que não param de falar do "Marxismo cultural".

Quando tento perceber do que se trata, esbarro sempre nos "costumes". Ora, nessa matéria eu sou muito conservador. Muito mesmo. Desde logo porque tento seguir à risca aquele costume quase pré-moderno, que é o mais conservador de todos: não me meto na vida dos outros e não gosto de que os outros se metam na minha.

É por isso - não só mas também - que sou de direita: porque sou pelo governo limitado; e porque o Estado é uma forma organizada de todos se intrometerem na vida de todos. É um mal necessário, mas ainda assim é por natureza um mal - que deve ser contido nos limites do estritamente indispensável. Este princípio tem-me valido tanto para defender impostos moderados como para discordar de que a política tenha grande coisa a dizer sobre os modos de vida e felicidade que as pessoas queiram livremente prosseguir sem incomodar terceiros.

Daqui deriva o meu primeiro problema com a conversa sobre o "Marxismo cultural": como nem todas as questões de "costumes" têm a ver, exclusivamente e no mesmo grau, com o reduto de liberdade de cada um (ou seja, nem todas são propriamente questões de "costumes"), não consigo ter sobre elas opiniões de catálogo, todas alinhadas num só sentido de acordo com uma cartilha absolutista, seja a dos "marxistas culturais" seja a dos seus opositores.

Para além disso, não percebo bem em que é que o "Marxismo cultural" é uma ameaça assim tão assustadora, ao ponto de em 2019 alguma direita achar que vive numa luta mortal contra o dito.

Nada disto é novo. Já no início do século XX Gramci tentou engendrar nos seus escritos "a longa marcha" do Marxismo "através das instituições". Mais tarde essa estratégia foi desenvolvida na Escola de Frankfurt de Marcuse e outros. Marcuse defendia "uma coligação de negros, estudantes, mulheres feministas e homossexuais", supostamente para destruir a civilização ocidental. Seguiram-se décadas, até hoje, em que as universidades do Ocidente foram ocupadas por departamentos de "culture studies" inspirados em Frankfurt.

Mas talvez fosse bom lembrar à direita mais stressada que as ideias sobre o avanço do Marxismo por via cultural partiram sempre da confissão de que o Marxismo, enquanto sistema económico, não era naturalmente aceite pelas pessoas. O argumento era o de que os proletários não aderiam à revolução porque as suas cabecinhas estavam formatadas pela ordem tradicional do capitalismo e da repressão sexual. Se os Marxistas acham que têm de mudar a cultura, é porque reconhecem a sua fragilidade original.

E, de facto, o que é que os "Marxistas culturais" conseguiram? Ao que se sabe o capitalismo ainda anda por aí. Com avanços e recuos, com méritos e erros, mas ainda assim a espalhar-se pelo mundo, galgando terreno ao Marxismo, que é mais forte na caserna académica do que no coração dos povos e no cérebro dos governantes.

Quanto às "marchas" e "coligações" de Gramci e Marcuse, o que mais há são estudantes, trabalhadores e minorias a querer casar, ter filhos e ganhar dinheiro honestamente. A ordem tradicional, baseada socialmente na família e economicamente no capitalismo, tem uma grande capacidade de conquistar e absorver as vanguardas dos "marxistas-culturais". E isso só prova a sua inultrapassável validade civilizacional.

Pelo que, se calhar, alguma razão teremos de reconhecer a Marx: mais facilmente o capitalismo ruirá por força das suas contradições internas do que for causa das patuscadas intelectuais dos herdeiros do velho Karl.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
09/04/19

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