.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
09/04/19
.
O espantalho do
"Marxismo cultural"
Não percebo bem em que é que o "Marxismo cultural" é uma ameaça assim tão assustadora, ao ponto de em 2019 alguma direita achar que vive numa luta mortal contra o dito.
Adolfo Mesquita Nunes escreveu na Visão um texto sobre uma certa
direita, "armada em musculada", que se define pelo combate ao "Marxismo
cultural" mas que, com o seu radicalismo ideológico, serve na verdade de
"idiota útil" da esquerda. Vale a pena lê-lo.
O tema do "Marxismo cultural" intriga-me. Uma vez que também me
defino politicamente contra o Marxismo, estou por instinto contra tudo o
que possa ter a mais ténue origem nas proclamações do barbudo da
Prússia. Não importa se o "Marxismo" é económico, cultural,
meteorológico ou rodoviário. É Marxismo? Sou contra. O problema é que
nunca sei ao certo do que falam, em 2019, aqueles que não param de falar
do "Marxismo cultural".
Quando tento perceber do que se
trata, esbarro sempre nos "costumes". Ora, nessa matéria eu sou muito
conservador. Muito mesmo. Desde logo porque tento seguir à risca aquele
costume quase pré-moderno, que é o mais conservador de todos: não me
meto na vida dos outros e não gosto de que os outros se metam na minha.
É
por isso - não só mas também - que sou de direita: porque sou pelo
governo limitado; e porque o Estado é uma forma organizada de todos se
intrometerem na vida de todos. É um mal necessário, mas ainda assim é
por natureza um mal - que deve ser contido nos limites do estritamente
indispensável. Este princípio tem-me valido tanto para defender impostos
moderados como para discordar de que a política tenha grande coisa a
dizer sobre os modos de vida e felicidade que as pessoas queiram
livremente prosseguir sem incomodar terceiros.
Daqui
deriva o meu primeiro problema com a conversa sobre o "Marxismo
cultural": como nem todas as questões de "costumes" têm a ver,
exclusivamente e no mesmo grau, com o reduto de liberdade de cada um (ou
seja, nem todas são propriamente questões de "costumes"), não consigo
ter sobre elas opiniões de catálogo, todas alinhadas num só sentido de
acordo com uma cartilha absolutista, seja a dos "marxistas culturais"
seja a dos seus opositores.
Para além disso, não percebo
bem em que é que o "Marxismo cultural" é uma ameaça assim tão
assustadora, ao ponto de em 2019 alguma direita achar que vive numa luta
mortal contra o dito.
Nada disto é novo. Já no início do
século XX Gramci tentou engendrar nos seus escritos "a longa marcha" do
Marxismo "através das instituições". Mais tarde essa estratégia foi
desenvolvida na Escola de Frankfurt de Marcuse e outros. Marcuse
defendia "uma coligação de negros, estudantes, mulheres feministas e
homossexuais", supostamente para destruir a civilização ocidental.
Seguiram-se décadas, até hoje, em que as universidades do Ocidente foram
ocupadas por departamentos de "culture studies" inspirados em
Frankfurt.
Mas talvez fosse bom lembrar à direita mais
stressada que as ideias sobre o avanço do Marxismo por via cultural
partiram sempre da confissão de que o Marxismo, enquanto sistema
económico, não era naturalmente aceite pelas pessoas. O argumento era o
de que os proletários não aderiam à revolução porque as suas cabecinhas
estavam formatadas pela ordem tradicional do capitalismo e da repressão
sexual. Se os Marxistas acham que têm de mudar a cultura, é porque
reconhecem a sua fragilidade original.
E, de facto, o que é
que os "Marxistas culturais" conseguiram? Ao que se sabe o capitalismo
ainda anda por aí. Com avanços e recuos, com méritos e erros, mas ainda
assim a espalhar-se pelo mundo, galgando terreno ao Marxismo, que é mais
forte na caserna académica do que no coração dos povos e no cérebro dos
governantes.
Quanto às "marchas" e "coligações" de Gramci
e Marcuse, o que mais há são estudantes, trabalhadores e minorias a
querer casar, ter filhos e ganhar dinheiro honestamente. A ordem
tradicional, baseada socialmente na família e economicamente no
capitalismo, tem uma grande capacidade de conquistar e absorver as
vanguardas dos "marxistas-culturais". E isso só prova a sua
inultrapassável validade civilizacional.
Pelo que, se
calhar, alguma razão teremos de reconhecer a Marx: mais facilmente o
capitalismo ruirá por força das suas contradições internas do que for
causa das patuscadas intelectuais dos herdeiros do velho Karl.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
09/04/19
.
Sem comentários:
Enviar um comentário