Santana compreendeu os sinais de mudança da direita.
Pedro Santana Lopes realiza este fim-de-semana, em Évora, o congresso de fundação da Aliança, partido por si criado no final de 2018,
depois de ter abandonado o PSD, no qual militou desde 1976, tendo
trabalhado então directamente como o líder fundador, Francisco Sá
Carneiro, e construído um currículo político proeminente. Várias vezes
dirigente, protagonizou movimentos internos e tendências ao longo dos
anos. Foi cabeça de lista do partido às primeiras eleições europeias em
Portugal. Integrou dois governos de Cavaco Silva. Presidiu às câmaras da
Figueira da Foz e de Lisboa. Foi líder parlamentar e chegou à
presidência do PSD e foi primeiro-ministro em seu nome, em 2004 e 2005.
O que vai ser a Aliança do ponto de vista programático só se saberá
depois das decisões e documentos fundadores, a aprovar em Évora. Já o
seu peso político real apenas será conhecido após as europeias de 26 de
Maio e das legislativas de 6 de Outubro. Mas algo sobre a Aliança pode
ser dito hoje – este é o primeiro partido a surgir já no âmbito da
reestruturação e reconfiguração da direita em Portugal que está em
curso.
Senhor de uma apuradíssima intuição política, Santana percebeu que
este era o momento para romper com o PSD e se assumir como líder de um
novo partido. A ameaça era antiga, mas nunca fora concretizada. Foi-o
agora, porque Santana compreendeu os sinais de mudança da direita.
Essa reconfiguração tem como palco principal o PSD e foi desencadeada
em consequência da radicalização à direita e de teor neoliberal
imprimida pela liderança e governação de Pedro Passos Coelho
(2011-2015), associada ao cumprimento do programa de saneamento
financeiro do Estado imposto pela Comissão Europeia, Banco Central
Europeu e Fundo Monetário Internacional, em Maio de 2011, para
viabilizar um empréstimo de 78 mil milhões de euros que evitasse a
bancarrota do Estado, num acordo negociado ainda pelo primeiro-ministro do PS à época, José Sócrates.
A radicalização à direita de Passos trouxe como consequência a
abertura de espaço para António Costa poder, pela primeira vez, assumir
uma estratégia de alianças políticas e de suporte do seu Governo entre o PS, o PCP e o BE.
Mas abalou também, e de modo profundo, os alicerces em que assenta a
direita em Portugal, a começar pelo seu principal partido, o PSD.
Essas
consequências começaram a manifestar-se ainda sob a liderança de Passos
através da erosão eleitoral e têm-se agravado, sobretudo nas eleições
que mais estruturam um partido de poder em Portugal, as autárquicas. Em
2013, no auge das consequências sobre o nível de vida trazidas pelo
ajustamento financeiro do Estado, o PSD perdeu a
presidência da Associação Nacional de Municípios Portugueses ao baixar
de 139 presidências de câmaras para 107, das quais só 86 foram ganhas
sem coligação com outros partidos. Em 2017, a erosão acentuou-se, passando o PSD a ter apenas 98 presidências de câmara, das quais 79 sozinho.
É certo que nas legislativas o PSD se aguentou em 2015 e Passos conseguiu até o brilharete
de a coligação com o CDS, Portugal à Frente (Pàf), ficar em primeiro
lugar nas urnas. Mas a quebra eleitoral foi também significativa. A Pàf atingiu os 38,50%,
quando o PSD sozinho em 2011 tivera 38,66%, a que se somaram então na
constituição do governo os 11,71% do CDS, o melhor resultado da
liderança de Paulo Portas.
A oito meses das legislativas, a
preocupação assola o PSD, já que as sondagens anunciam um resultado que
se pode aproximar daqueles que foram os piores scores do
partido em eleições para a Assembleia da República: 24,35% em 1976, com
Sá Carneiro, 27,24% em 1983, com Mota Pinto e 28,77% em 2005, com
Santana. Até porque, na sua área política e saído de dentro do partido,
apresentam-se nas corridas eleitorais deste ano dois novos partido, a
Aliança, de Santana, e o Chega, de André Ventura.
As alterações eleitorais espelhar-se-ão na Assembleia da República na
próxima legislatura – é tão-só a imagem da reestruturação da direita
portuguesa em curso, a qual poderá passar também por uma nova atitude de
afirmação e da maneira de fazer política. É certo que o risco de o
populismo crescer em Portugal é uma realidade, disso é exemplo a criação
do Chega, o primeiro partido com um discurso assumido de extrema-direita populista.O
que, porém, pode estar em mudança na direita não passa só por aí, nem
nada indica que o crescendo do populismo possa ser o mais importante.
A
mais significativa alteração deverá ser uma atitude menos inibida de a
direita se afirmar enquanto tal, bem como, em alguns casos, o crescendo
de um ideário mais conservador, à semelhança do que está acontecer em
vários países europeus. E essa reconfiguração acabará por influenciar a
esquerda e obrigar os seus partidos a reinventarem-se também. Anuncia-se
assim uma nova era na política partidária portuguesa.
IN "PÚBLICO"
09/02719
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