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HOJE NO
"OBSERVADOR"
Igreja portuguesa está a investigar mais duas queixas de abuso sexual, mas ainda não as comunicou à polícia
Porta-voz dos bispos diz que os casos só serão levados à polícia se tiverem "credibilidade e fundamento". Isto depois de o Papa ter insistido que os abusos sexuais têm de ser comunicados à justiça.
As dioceses católicas portuguesas estão a investigar mais
duas denúncias de abusos sexuais alegadamente cometidos por membros do
clero em Portugal, mas só as vão comunicar à polícia se as instituições da Igreja entenderem que há “credibilidade e fundamento” nas queixas. A revelação foi feita esta terça-feira pelo porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).
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PADRE DO FUNDÃO
NÃO PARTIA UM PRATO,
QUEBRAVA BILHAS |
Isto
apesar de, na cimeira inédita da semana passada, no Vaticano, alguns
dos mais altos responsáveis da Igreja Católica terem deixado claro que a
instituição não tem “ferramentas” ou “medidas coercivas” para
investigar estes crimes, sublinhando a importância de “entregar estas
pessoas às autoridades civis”.
O padre Manuel Barbosa falava como convidado especial no programa da Antena 1 “E Deus criou o Mundo“,
programa semanal da rádio pública dedicado às religiões, que, nesta
terça-feira, abordou a cimeira dedicada aos abusos sexuais na Igreja
Católica.
Quando o moderador do programa, o jornalista Henrique
Mota, o questionou sobre quais os métodos que os bispos em Portugal
iriam utilizar para responder às exigências do Papa Francisco relativas à
transparência e à divulgação de estatísticas sobre os casos de abuso
sexual, o sacerdote não foi capaz de dar números exatos sobre o problema em Portugal.
Lembrou, por exemplo, aquilo que já tinha dito na semana anterior à
cimeira: que os dados que existem neste momento na CEP são de “dez ou
11” casos — mantendo a mesma incerteza quanto ao número certo, depois
de, há duas semanas, ter preferido falar em “cerca de uma dezena”.
Das
denúncias que apareceram, destacou o padre Manuel Barbosa, “3, ou 4, ou
5, salvo erro umas cinco não foram provadas, ficaram na investigação
prévia”. Além dessas, houve “casos de condenação também civil”,
nomeadamente “três casos que são conhecidos da sociedade e da opinião
pública”, explicou o sacerdote, referindo-se aos casos de Vila Real, Fundão e Golegã.
Na prática, isso significa que, além do tempo de investigação prévia,
as dioceses portuguesas ainda vão esperar que os casos sejam analisados
no Vaticano — que há-de decidir se, por exemplo, deve ser aberto um
processo canónico — antes de os comunicar à Polícia Judiciária ou ao
Ministério Público.
O moderador do programa ainda questionou o
padre Manuel Barbosa sobre se essa investigação prévia eclesiástica não
deverá ser feita “em paralelo” com as autoridades civis, ao que o
porta-voz dos bispos portugueses respondeu: “À partida, quando há credibilidade, essa investigação é comunicada às autoridades civis e a parte canónica continua, vai para a [Congregação para a] Doutrina da Fé”.
O padre Manuel Barbosa não explicou exatamente como é que as
instituições eclesiásticas averiguam a credibilidade de uma denúncia de
um crime. Em conferência de imprensa há duas semanas, o porta-voz da
CEP tinha defendido
que os “os tribunais eclesiásticos são juízes” com “competência
técnica” para avaliar os casos. E sublinhou também que “em certos casos a
justiça canónica é mais severa que a justiça da lei civil”.
Ainda
esta semana, no Vaticano, durante a inédita cimeira de líderes
católicos sobre a proteção dos menores na qual participou também o
cardeal português D. Manuel Clemente, o arcebispo maltês Charles
Scicluna, principal investigador do Vaticano para os casos de abuso
sexual, tinha destacado a importância de comunicar os casos às autoridades civis, sublinhando que a jurisdição da Igreja “é espiritual”.
“Não
temos forma de aplicar medidas coercivas e não temos nostalgia do tempo
da Inquisição”, disse Scicluna. “Os Estados é que têm esta jurisdição. Nós
não temos as ferramentas para isto. Não temos medidas coercivas para
investigar. Estas pessoas têm de ser entregues às autoridades civis”, afirmou o arcebispo, que é também secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé.
A comunicação das denúncias às autoridades civis foi um dos tópicos
mais abordados na cimeira da semana passada no Vaticano, com várias
figuras de topo da Igreja Católica, incluindo o próprio Papa Francisco, a defenderem esta prática.
O
Papa alertou mesmo, num dos pontos de uma lista de 21 tópicos que
entregou aos bispos e cardeais no início da reunião, para a necessidade
de “informar as autoridades civis e as autoridades
eclesiásticas
superiores em conformidade com as normas civis e canónicas”. No final da
cimeira, no discurso de encerramento, Francisco voltou ao tema,
lembrando um dos seus discursos de 2018 à Cúria Romana, garantindo que a
Igreja “não poupará esforços fazendo tudo o que for necessário para entregar à justiça toda a pessoa que tenha cometido tais delitos”.
A
questão da obrigação moral dos bispos de reportar os casos às
autoridades, que tinha sido defendida pelo padre Hans Zollner,
organizador da cimeira no Vaticano, em entrevista ao Observador, voltou a
ser salientada na cimeira pelo cardeal norte-americano Seán O’Malley,
arcebispo de Boston, que sublinhou que a dimensão da “crise
terrível” pela qual a Igreja passa neste momento se deve, em grande
parte, ao facto de, “durante muito tempo, estes crimes não terem sido
reportados” de forma apropriada.
* A igreja católica portuguesa continua a ser um feudo salarazento e sórdido.
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