.
Vale tudo?
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
05/01/19
.
Querem-nos ignorantes
Vivemos num mundo em que a propaganda contra o consumo do tabaco é gigantesca, em que drogas incomparavelmente menos prejudicais para a saúde do que as bebidas alcoólicas ou o tabaco são proibidas, ao mesmo tempo que somos inundados de publicidade para que comamos mais carne e derivados de leite.
Em outubro do ano passado, cientistas avisaram que o consumo excessivo
de carne está a causar uma catástrofe ambiental. É fundamental que o
consumo de carne de vaca seja reduzido em 90% e o de carne de porco e de
leite e seus derivados baixe drasticamente. A desflorestação para a
criação de gado, com as emissões de metano pelas vacas e a utilização de
fertilizantes cria tantas emissões de gás com efeito estufa como todos
os carros, camiões e aviões juntos.
Estes dados constam de um artigo recentemente publicado no The Guardian.
São apenas alguns poucos dados da imensidade de provas científicas do
que o excessivo consumo de carne está a fazer ao nosso planeta.
Pode haver quem pense que não há novidade nenhuma em mais um artigo como
o referido e que não faltam filmes, documentários e tratados
científicos a abordar o tema. De facto, não há nada de novo, mesmo nada.
Sobretudo a pouquíssima divulgação nos principais órgãos de comunicação
social de tudo o que diz respeito a este tema e o olhar para o lado do
poder político.
A nuvem de silêncio sobre as consequências para a humanidade, para o nosso habitat comum
do consumo de carne é absolutamente chocante. Só tem paralelo com a
pouquíssima divulgação dos crimes ambientais diários e o olhar
indulgente, como se opções corriqueiras fossem, para decisões políticas
dos mais importantes líderes mundiais que estão a condenar o futuro da
própria existência do homem.
Por esta altura já não me restam grandes dúvidas: há, por ação ou
omissão, uma vontade política em ignorar os problemas que o excessivo
consumo de carne acarreta. Claro que a tarefa de mudar hábitos
alimentares, costumes milenares, uma inteira cultura ligada ao consumo
de carne é brutal e leva muito tempo, mas é urgente e exige não só ações
políticas decididas como enormes campanhas de sensibilização. O facto é
que nada disto está a ser feito, pelo contrário. A questão é simples:
queremos ter um mundo para os nossos descendentes ou queremos
destruí-lo?
Vivemos num mundo em que a propaganda contra o consumo do tabaco é
gigantesca, em que drogas incomparavelmente menos prejudicais para a
saúde do que as bebidas alcoólicas ou o tabaco são proibidas, ao mesmo
tempo que somos inundados de publicidade para que comamos mais carne e
derivados de leite. Ou seja, em vez de se promover a informação de que o
excessivo consumo destas substâncias está a destruir o nosso mundo,
incentiva-se o seu consumo como se fosse algo de bom.
Há aqui também algo de profundamente pernicioso, uma espécie de
ideologia destrutiva da ideia de casa comum. Um cuidado extremo com o
indivíduo coexiste com um desprezo olímpico pela comunidade. O indivíduo
deve ser são, o meio onde ele vive pode ser destruído. A força das
grandes empresas, não só na capacidade de influenciar os governos mas
também toda a comunicação, meios tradicionais e redes sociais, é uma
parte fundamental do problema.
Que governo se atreve a olhar para a indústria de criação de gado ou
leiteira e restringir seriamente a sua atividade? Lá está, impostos,
empregos, bem estar presente. Que meios de comunicação social podem pôr
em causa grandes empresas de distribuição ou redes de restaurantes sem
correr o risco de porem em causa a sua própria sobrevivência financeira?
E, claro, essas grandes corporações têm uma capacidade para manipular
as redes sociais e até usá-las como forma de vender as suas verdades.
Que partidos nos países mais industrializados podem deixar de ser
apoiados por lóbis tão fortes como os das indústrias das carnes, dos
laticínios, dos fertilizantes ou dos grandes laboratórios?
Vivemos uma espécie de beco sem saída. O poder político demitiu-se de
olhar para o futuro da comunidade e foi substituído por um poder
económico que apenas pensa no lucro imediato. Nunca tão poucas empresas e
lóbis associados tiveram um poder tão avassalador.
A mais importante questão política dos nossos tempos é o problema
ambiental e todos os aspetos com ele relacionados. Se não o atacamos não
falaremos mais sequer de política porque não teremos comunidade, nem
mundo, nem pessoas. E o facto é que é tratado como um problema de
terceira categoria pelos governos e, sobretudo, por nós cidadãos.
Por mim, a minha decisão para o novo ano é tentar não comer carne.
Custa, mas eu gostava que os meus filhos, netos e bisnetos tivessem um
planeta para viver. E gostava que eles vivessem com os seus, caro
leitor. Bom ano.
O MEL
No próximo fim de
semana, um conjunto de pessoas reúne-se em Lisboa com um objetivo mal
disfarçado: lançar as bases para formar um partido. É o projeto que vem
sendo anunciado por alguns como a refundação da direita. Por enquanto
chama-se Movimento Europa e Liberdade, MEL. Reúne gente do CDS que já
percebeu que o partido nunca passará da cepa torta (onde se inclui
Assunção Cristas), pessoas do PSD que já não são do PSD mas que se
aproveitam do partido para poderem promover a sua própria agenda e
vários órfãos do passismo de vários setores. Nada contra a iniciativa
destas pessoas. Pelo contrário. Novas iniciativas político-partidárias,
mesmo que disfarçadas, são um sinal de vitalidade da democracia.
Vale tudo?
Na
quinta-feira, Mário Machado, condenado por vários crimes, líder de um
movimento de extrema-direita e divulgador de mensagens de ódio, racistas
e xenófobas, foi entrevistado no programa da manhã da TVI de que Manuel
Luís Goucha é autor e apresentador. Houve também uma espécie de
inquérito de rua onde se perguntava às pessoas se precisaríamos de um
novo Salazar. Entretanto, a página de Facebook Manuel Luís - TVI lançava
uma sondagem com a pergunta: "Acha que precisamos de um novo Salazar?"
Das duas uma: ou o Manuel Luís Goucha e a TVI estão tão desesperados com
as audiências que resolveram dar espaço a promotores de ódio, a
publicitar ideias fascistas e a desculpabilizar um ditador, ou uma
pessoa com a importância mediática do apresentador e a direção da TVI
não têm a noção da responsabilidade que é gerir um canal de televisão e
do poder de que desfrutam. Francamente, a segunda assusta-me mais.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
05/01/19
.
Sem comentários:
Enviar um comentário