Os Jogos Olímpicos
da Península Ibérica
Advogar
a organização dos Jogos Olímpicos em Portugal, um país com de menos de
dez milhões de habitantes com um dos piores Índices de Desenvolvimento
Humano entre os países europeus (41º lugar), cujos cidadãos estão
sujeitos a um esforço contributivo sem precedentes e, devido às
cativações orçamentais do Governo, ainda se confrontam com serviços
públicos a funcionarem abaixo da linha de água é, simplesmente, entrar
no domínio da gestão do absurdo. É desvirtuar os valores ético-sociais
que devem presidir ao desenvolvimento do Olimpismo nacional enquanto
filosofia de vida que coloca o desporto ao serviço do desenvolvimento
humano. É acentuar o jogo de soma nula que já resulta da dinâmica
económica e social do País. É uma decisão absurda, quer dizer, o
resultado de um processo através do qual um indivíduo ou um grupo actua
de uma forma persistente e radical contra um fim que devia procurar
atingir.
Por um lado, segundo os dados mais recentes da
Rede Europeia Anti Pobreza (2017), 2.4 milhões de portugueses estão em
risco de pobreza ou em situação de exclusão social. Quer dizer, mais de
1/5 da população (23.3%). O risco de pobreza monetária atinge 18.3% da
população, cerca de 1.9 milhões de portugueses. Acresce que 8% da
população, 599 mil pessoas, vive em agregados familiares excluídos do
mercado de trabalho o que se traduz numa situação em que 18% está em
situação de privação material. Pelo que, Portugal continua com níveis
elevados de desigualdade, superiores à média europeia. Em 2017, o
rendimento dos 10% mais ricos era dez vezes superior ao rendimento dos
10% mais pobres. Os grupos mais vulneráveis são as crianças e as
mulheres. Mais de 24% das crianças e 18% das mulheres correm o risco de
pobreza e exclusão social.
Por outro lado, de acordo com o
nº 2.1 da Carta Olímpica, o papel dos Comités Olímpicos Nacionais
(CONs) é o de “promover os princípios e valores fundamentais do
Olimpismo nos seus Países, em particular, nos domínios do desporto e da
educação, através da promoção de programas de Educação Olímpica a todos
os níveis nas escolas, instituições de educação desportiva e física e
universidades, bem como encorajar a criação de instituições dedicadas à
Educação Olímpica, tais como as Academias Olímpicas Nacionais, os Museus
Olímpicos e outros programas, nomeadamente culturais relacionados com o
Movimento Olímpico”. Quer dizer que não consta na Carta Olímpica que os
CONs tenham qualquer obrigação de se candidatarem a receberem a
organização dos JO. Relativamente aos JO, os CONs estão, tão só,
obrigados em fazerem participar uma missão dos respetivos países nos JO.
Qualquer
decisão relativa a uma candidatura à realização de uns JO obriga à
assunção de uma enorme responsabilidade ético-social por parte dos
dirigentes políticos e desportivos sob pena de se entrar no domínio das
decisões absurdas que, no fundo, não passam da mais pura demagogia em
busca de um qualquer protagonismo político.
Como refere a
generalidade da literatura, os resultados da realização de grandes
eventos desportivos, de uma maneira geral, são muito menos positivos,
para não dizermos negativos, relativamente aos antecipados e irritantes
discursos cor-de-rosa, quer dizer, super-otimistas, proferidos à partida
dos processos de tomada de decisão. Quer dizer, uma candidatura custa
muitos milhões sem qualquer garantia de significativos efeitos benéficos
para os países, a generalidade das populações e o desporto. Por
exemplo, Tóquio, desde 2009, despendeu $225 milhões para vencer a
candidatura para 2020.
.
Por isso, é de fundamental importância
perguntar ao presidente do COP: Portugal tem cerca de cento e cinquenta
milhões de euros para despender numa candidatura ao JO? Os contribuintes
estão dispostos a pagá-los e, em caso de vitória, a suportar os cerca
de quinze a vinte mil milhões de euros que custa recebê-los?
O
mínimo de bom-senso diz-nos que, no actual quadro económico e social do
País com uma dívida pública de mais de 250 mil milhões de euros e uma
dívida total (pública + privada) de mais de 700 mil milhões, com os
serviços públicos a rebentarem pelas costuras e uma Situação Desportiva
com uma das mais baixas taxas de participação da Europa, uma candidatura
a receber os JO entra no domínio do mais completo absurdo. Todavia, em
Portugal, já é longa a tradição do nosso nacional olimpismo de, face à
falta de objectivos e projetos que tenham verdadeiramente a ver com as
necessidades dos portugueses, anunciar uma eventual candidatura à
organização de uns JO a fim de, tanto à esquerda quanto à direita,
impressionar a oligarquia que, para além das políticas de educação e
cultura, o que mais gosta é de ver o povo divertido. E hoje, o Movimento
Olímpico (MO) está transformado num palco da mais primária demagogia
onde os extremos políticos se encontram a fim de, com estratégias
oportunistas semelhantes, instrumentalizarem o desenvolvimento do
desporto através da constituição de um “exército de atletas” para
participarem nos grandes eventos desportivos para “honra e glória” do
regime, em prejuízo de políticas públicas de generalização da prática
desportiva (do ensino ao alto rendimento) que, verdadeiramente, tenham a
ver com as necessidades dos portugueses e, na relação massa elite,
melhorem o Nível Desportivo nacional.
Em consequência, as
pessoas estão a deixar de confiar nos dirigentes políticos e
desportivos. Até um país como o Japão, como refere o jornal “The
Diplomate – Asia / Pacific”, com uma previsão de custos de mais de 25
mil milhões de dólares, a gestão financeira dos JO de Tóquio (2020) tem
decorrido à margem da confiança pública, quer dizer, daqueles que,
depois, vão suportar o custo dos jogos não só em termos financeiros como
em termos de detioração da cultura democrática do país porque se existe
setor social onde mais se tem permitido a existência de caudilhos tem
sido, precisamente, o do desporto. Eles sabem, como afirmou Carl Jung,
que o género humano não é capaz de suportar demasiada realidade e,
aproveitando-se disso, afastam os críticos e aqueles que incomodam,
apropriam-se do poder e, em nome da democracia direta, passam a gerir as
organizações de uma forma autocrática.
Felizmente as
populações também começam a acordar pelo que em diversas cidades dos
países mais desenvolvidos estão a deixar de acreditar no discurso dos
dirigentes políticos e desportivos uma vez que, para além dos enormes
prejuízos que deles decorrem, ainda acabam por ser um justificativo para
a ocorrência de inaceitáveis atentados aos direitos humanos. E, assim,
está a aumentar o número de cidades que se rebelam contra a realização
dos JO dentro das suas portas porque o poder político tem vindo a ceder
cada vez mais às exigências do caderno de encargos do COI que cada vez
coloca mais exigências sem que daí advenham os correspondentes
benefícios para as populações. Quer dizer, os JO revelaram-se o negócio
(a vaca leiteira) da segunda metade do século XX mas, agora, começam a
ser postos em causa pelas populações que os têm de pagar. Os países
pagam a organização, os artistas e o enquadramento humano trabalham de
graça e o COI recebe os proventos do marketing e das transmissões
televisivas. Entretanto, como acabaram por concluir no Brasil,
relativamente ao Rio (2016) o COI ficou com os lucros e os brasileiros
com os prejuízos. Quer dizer, o COI no Ciclo Olímpico do Rio (que inclui
os JO de Sochi (2014) arrecadou a maior receita de sempre que atingiu
$5,7 bilhões e os brasileiros ficaram com uma dívida que vai,
certamente, levar as próximas duas ou três décadas a pagar.
Embora,
na fase de projecto das candidaturas, os políticos garantam o
contrário, o preço dos JO acaba sempre por ser suportado por dinheiros
públicos que acabam por sair diretamente do bolso dos contribuintes.
Sydney (2000) custou $4,6 biliões dos quais os contribuintes tiveram de
pagar $11,4 milhões. Atenas (2004) custou $15 biliões pelo que os
contribuintes ainda estão a pagar, anualmente, cerca de $56,6 milhões.
Pequim (2008) custou $42 biliões de dólares e pouco mais se sabe a não
ser que muitos chineses das classes mais desfavorecidas, com as
deslocalizações forçadas das áreas de residência acabaram por ser muito
mal tratados. Londres (2012) custou $14.6 biliões dos quais 4,4 biliões
foram pagos pelos contribuintes e, depois, ainda tentaram convencê-los
que os JO tinham dado lucro. Quanto ao custo dos JO do Rio (2016) o
último número conhecido é de 41,3 biliões de dólares para além de um
parque desportivo na mais completa e confrangedora degradação e um país
numa situação de descalabro social.
Perante estes factos e
números há muito conhecidos, foi com um sentimento de incredibilidade
que, através de uma entrevista ao jornal desportivo O Jogo (21-06-2018),
ficámos a saber que a atual chefia do COP “veria, com muito bons olhos,
uma candidatura ibérica à realização de uns Jogos Olímpicos.”! E o
chefe do COP acertou em cheio na medida em que, passados que foram menos
de cinco meses, quer dizer, em princípios de Novembro de 2018, os
portugueses, incluindo os do Governo, foram surpreendidos pela notícia
de que o primeiro-ministro espanhol havia proposto ao rei de Marrocos a
organização de uma candidatura a três ao Mundial de 2030 em que Portugal
seria o terceiro parceiro! Muito embora António Costa, posteriormente,
tenha deitado água na fervura (noblesse oblige) pela atitude do
Primeiro-ministro espanhol podemos aquilatar o que seria uma organização
conjunta de uns JO em que Portugal passaria, certamente, a ser tratado
por Espanha à semelhança do tratamento que Madrid reserva para as
regiões autónomas espanholas. Por isso, para além das relações
bilaterais que devem ser excelentes e da amizade que deve existir entre
os portugueses e os espanhóis, uma coisa que os portugueses nunca se
devem esquecer é que a história há muito que nos ensinou que “de Espanha
nem bom vento nem bom casamento”. E a chefia do COP devia saber disso.
Por isso, um casamento olímpico com Espanha significa potencialmente o
risco de ver os portugueses de bandeja na mão e guardanapo no braço a
serem tratados como pessoal do catering.
O obsessivo
desejo por parte dos chefes do COP em receberem a organização dos JO não
é nova. Direi mesmo que tal obsessão deve ser um dos fetiches mais
queridos dos nossos dirigentes olímpicos porque entra no domínio de uma
tragicomédia que, felizmente, de flop em flop, tem vindo a acontecer
desde os princípios dos anos noventa. Vejamos a linha temporal dos
acontecimentos.
O “Público” em 13/11/93 anunciava que os
dirigentes do PSD durante a campanha para as autárquicas, logo
secundados pelo PS, prometeram a realização dos JO no Porto em 2004! No
frenesim em que transformaram a campanha, bem poderiam ter prometido o
elixir da vida eterna pois seria a mesmíssima coisa.
Passado
o prazo para os JO de 2004, surgiu a candidatura para 2008. E a 30
Outubro de 1999 (Público, 31/19/99), (note-se que a decisão sobre a
cidade que receberá os JO é realizada sete anos antes) foi o próprio
Presidente do Comité Olímpico Internacional (COI) a anunciar que 13
cidades eram candidatas à realização dos JO de 2008 entre as quais
Lisboa! Contudo, poucos dias depois, o Governo e o COP anunciaram não
existirem condições para que tal pudesse acontecer. O secretário do COP
justificava-se perante o País: “Portugal precisa, primeiro, de se
afirmar no plano desportivo, com obtenção de grandes resultados”
(Record, 3/2/00).
Seis meses depois o problema estava
resolvido! Armando Vara, Ministro do Desporto, acabadinho de tomar posse
a 14/9/00, ofuscado pelo fogo-de-artifício de Sydney e embalado nas
palavras dos nossos olímpicos dirigentes, portanto em perfeitas
condições para tomar uma decisão de, ao tempo, pelo menos sete mil
milhões de euros, deu “luz verde à candidatura de Lisboa 2012” e
afirmou: “Há uma grande vontade de todos em avançarmos com o projecto”
(Record, 1/10/00). Os resultados, passados que estão dezanove anos,
estão à vista.
José Lello que substituiu Armando Vara
emendou a mão e afirmou ao “Record” (1/7/01): “Temos de ter a noção do
que podemos fazer e eu acho que lançar uma candidatura aos JO (…) é
continuar a investir no discurso da retórica e não no discurso do
rigor”. Ao tempo, José Sócrates, que havia sido Ministro-Adjunto do
Primeiro-Ministro (e responsável pela pasta do desporto) do XIII Governo
Constitucional presidido por António Guterres, numa entrevista ao
desportivo Record (28-07-2001), secundou a posição de José Lello e
disse: “… achei sempre ridículo e caricato alguém falar disso. (…) Acho
megalómano”.
Mas o ex presidente do COP não se deu por
vencido. Depois de ser recebido pelo primeiro-ministro António Guterres
informou solenemente a comunicação social (Público, 31/7/01): “Fiz a
proposta utópica e irrealizável de Portugal receber os Jogos Olímpicos
(JO). Não é importante em que ano, 2016 ou 2020...”. Rui Cartaxana
expressou magistralmente a sua opinião no “Record” (1/08/01):
“Totalmente de acordo, quanto à proposta. Quanto ao ano, sugiro antes
2442, que é uma capicua”. Perante tal derrocada
prospetivo-epistemológica a comunicação social entrou em ação e foram
vários os políticos que tiveram de expressar a sua opinião acerca da
realização em Portugal (eventualmente em Lisboa ou no Porto) de uma
edição dos JO. Entre outros, Carlos Carvalhas, respondeu a “A Bola”
(13/3/02): “Nas condições atuais essa candidatura não faria sentido e
poderia ser mesmo uma irresponsabilidade”. E Durão Barroso esclareceu:
“Primeiro temos que atingir padrões europeus de prática desportiva,
depois poderemos pensar em outros desafios” (A Bola, 14/3/02). Marcelo
Rebelo de Sousa na TVi (22/8/04) pôs um ponto final no assunto afirmando
que “quem defende a organização dos JO em Portugal não sabe o que está a
dizer”.
Todavia, aqueles que julgavam ter sido posta uma
pedra sobre o assunto estavam completamente enganados. Na abertura dos
JO de Atenas (2004), tal qual tragédia grega, foi preparado o enredo
para, de uma forma maviosa, envolver o Presidente da República (PR) na
candidatura aos Jogos de 2016. Para que tudo parecesse perfeito foi
fundeada a Sagres no porto de Pireu, a fim de fazer de residência
oficial do PR. Contudo, Jorge Sampaio não foi no canto das sereias do
nacional olimpismo. E, numa espécie de Ulisses à portuguesa, fez-se
amarrar ao mastro principal da Sagres, quer dizer, à nossa realidade
sócio-desportiva e recusou a hipotética candidatura: “Trata-se de um
empreendimento demasiado avultado” (Record, 13/8/04). Não se sabe quem
foi a Circe de Jorge Sampaio, o que, sem sombra de dúvidas, se constatou
foi que os portugueses tinham de continuar atentos aos olímpicos
devaneios dos dirigentes desportivos porque, se não o fizessem ficariam a
braços com uma dívida de quinze ou vinte mil milhões para pagar. E não
era para menos na medida em que, a 30 de Agosto de 2004, o presidente do
COP, num programa da RTP1, voltou à carga argumentando que a realização
dos JO, para além de ter viabilidade económica, exemplificando com
Atenas, contribuiria para ultrapassar a “falta de profundidade” do
desporto nacional. Entretanto, no rescaldo dos JO de Atenas o então
presidente do COP avançou com a ideia de uma “candidatura aos Jogos…para
perder” (Record, 22/9/04). Por sua vez, o edil de Lisboa, muito
provavelmente, deslumbrado com o cenário mitológico da abertura dos
Jogos de Atenas a que havia assistido, declarou: “…apercebi-me do tipo
de preocupações, de necessidades e investimentos que tiveram de ser
feitos, e seguramente Portugal está à altura do evento” (Correio da
Manhã, 27/11/04).
Felizmente, os portugueses acabaram por
perceber a extraordinária incoerência económica e desportiva dos JO de
Atenas (2004). As estimativas iniciais de seis mil milhões de dólares,
dispararam para nove mil milhões para o custo dos Jogos ter ficado em
mais de catorze mil milhões. Os resultados foram impressionantes na
medida em que se a dramática situação socioeconómica dos gregos se
ficou, também, a dever à organização dos JO no que diz respeito à
“profundidade desportiva” o desenvolvimento do desporto grego também
deixou muito a desejar uma vez que, ainda os Jogos não tinham começado,
já a Missão Olímpica grega estava envolvida em questões de doping que
geralmente é o que acontece quando no desporto se quer dar um passo
maior do que a perna.
Cerca de dois meses depois perante
uma centena de figuras ligadas ao desporto, José Sócrates, já na
qualidade de líder socialista afastou a hipótese de uma candidatura,
alegando que as condições económicas e financeiras “não permitem ao país
entrar nessa aventura” (TSF, 18/1/05). Mas o presidente do COP não
desistiu e, em Julho de 2005 fez a proposta “sui generis” de se
apresentar uma candidatura já com a intenção de se perder. E dizia: “não
há que ter medo de perder porque se trata de desporto e só um pode
vencer.”! (Record, 7/07/2005).
No ano seguinte, durante a
Gala (2006) do 97.º aniversário do COP o presidente da instituição não
se coibiu de voltar ao assunto. E o ministro da Presidência (que
tutelava o desporto), Pedro Silva Pereira que participava na cerimónia
foi apanhado completamente de surpresa. No seu discurso limitou-se,
polidamente, a responder que “o país precisa de sonhos e ambições” mas
frisou que “esses projetos têm de ser avaliados, sobretudo porque
envolvem importantes recursos financeiros públicos” (Diário de Notícias,
2/11/2006). Uns dias depois, Laurentino Dias, ao tempo Secretário de
Estado da Juventude e Desporto concluiu que o País não tinha condições
para se envolver na organização de um evento desportivo da envergadura
dos JO (Diário de Notícias, 25/11/2006).
Mas a comunicação
social estava apanhada pela possibilidade da realização dos JO numa
cidade portuguesa. Por isso, em 2007, depois de uma visita a Pequim do
edil de Lisboa António Costa, onde teve a oportunidade de visitar as
infraestruturas e equipamentos que iriam ser o palco da organização dos
JO, perante as perguntas da comunicação social esclareceu (Lusa,
24/10/07) que Lisboa não ia candidatar-se à organização dos Jogos
Olímpicos. A candidatura à organização dos Jogos Olímpicos é algo que a
Câmara Municipal de Lisboa "nem sequer está a equacionar". E,
acrescentou: “é algo que não está em cima da mesa (…) mas o futuro é
muito longo”. Claro que o futuro é muito longo. O que presumimos que
aconteceu foi que, como Liang Lijuang relatou no livro “He Zhenliang and
the Olympic Dream”, alguém informou António Costa de que o processo de
candidatura da China a receber os JO decorria de um projeto que tinha
mais de cem anos.
Agora, inopinadamente, o atual
presidente do COP foi mais longe no nosso triste nacional olimpismo e,
sem falar com ninguém, desde logo com o governo português e o homólogo
espanhol (não sabemos se, sequer, falou com os membros da sua direção,
em especial com Rosa Mota, e se tal conversa ficou gravada numa acta da
reunião da Direção), avançou, como diz o jornalista, com uma “ideia
revolucionária que, para além de outros aspetos absurdos vai contra a
Carta Olímpica ao sugerir a organização conjunta entre Portugal e
Espanha de uma edição dos JO.
Hoje, o desporto é demasiado
importante para, sem qualquer racionalidade lógica e sem qualquer
preocupação estratégica que, por princípio, obriga a uma ampla decisão
democrática, se pretender tirar efeitos políticos de anúncios de eventos
desportivos de mais que duvidosa viabilidade de concretização. Uma
candidatura aos Jogos Olímpicos exige um padrão de competência e
responsabilidade que não se compadece com as habituais tiradas de alguns
dirigentes políticos e desportivos em busca de um lugar no Olimpo.
Perante
as dificuldades económicas e sociais que o país vive e que no quadro
atual da economia mundial não têm fim à vista, não me parece minimamente
sensato falar em receber os JO que, para além de se sugerir que
aconteça numa ridícula para não dizer perigosa candidatura com os
espanhóis, não considera o estado de desorganização total em que o
desporto nacional se encontra como o País teve a oportunidade de
constatar dos trabalhos do último Conselho Nacional do Desporto (Record,
20, 21, 22-12-2018). Consideramos mesmo ser uma falta de respeito para
com os portugueses que vivem com dificuldades e não têm sequer acesso ao
desporto avançar com tal proposta quando se sabe, que depois de tal
aventura seriam os portugueses a pagarem a fatura e, como é habitual, os
dirigentes políticos e desportivos a receberem as condecorações. Por
isso, são de ponderar seriamente as palavras de Vasco Lince antigo
presidente do COP teve ocasião de referir “a conjuntura não é favorável à
candidatura de Portugal à realização de grandes eventos desportivos
internacionais, desde logo porque a população não estaria mobilizada”
(Dez, 25/11/06).
Lançar a ideia da realização de uns JO
Ibéricos à revelia da posição do Governo, da ausência do envolvimento
das Federações Desportivas, sem falar com o presidente do CON espanhol,
sem considerar a Situação Desportiva nacional e garantir a adesão dos
portugueses e à margem da cultura olímpica expressa na Carta Olímpica,
parece-nos um absurdo do tipo Alice no País das Maravilhas, que só pode
prejudicar o desporto e o País.
No actual quadro de
subdesenvolvimento do desporto nacional, perante a incultura que
representa a hilariante perspetiva de uns JO da Península Ibérica, já
vai sendo tempo das Federações Desportivas e demais membros da
Assembleia Plenária começarem a construir uma alternativa aos atuais
corpos gerentes do COP.
* Professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana
IN "A BOLA"
03/01/19
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