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A "crise da direita" não existe.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
15/01709
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A "crise da direita" não existe.
Mas é perigosa
Instalou-se por aí uma conversa sobre "a crise da direita". Para já, é só uma etiqueta jornalística, mas se a direita mordesse o isco essa crise viria inevitavelmente.
Se os partidos da direita achassem que aquilo a que hoje se devem
dedicar em primeiro lugar é a divagações sobre a sua razão de ser, em
posição fetal e com medo do mundo lá fora, então a crise seria certa.
A
"crise da direita" não existe, verdadeiramente, mas é uma profecia
perigosa, porque se passar a ser anunciada com insistência, pela própria
direita, acabará por se realizar a si mesma. Se a direita deixar que se
leve a sério esta conversa estará a dizer que parou para pensar e que,
assim sendo, o melhor por enquanto é o eleitorado não contar com ela.
Convém
lembrar que o que existe, quanto muito, é uma crise no PSD. A qual,
aliás, nem sequer é identitária. O que enfraqueceu o PSD nos últimos
anos foram os erros estratégicos do pós-2015, não foi qualquer
fragilidade existencial.
Passos devia ter tirado
rapidamente o PSD do quadro mental da Troika, em vez de ficar sentado à
espera do "Diabo". Não por os desequilíbrios que conduziram ao resgate
terem ficado definitivamente resolvidos, mas porque o eleitorado estava
cansado do período de emergência e queria começar a ouvir falar também
do seu futuro e aspirações. Foi um erro crasso oferecer de bandeja esse
papel redentor ao PS - logo ao PS, que fora responsável pela bancarrota e
iria continuar a aplicar o essencial da "austeridade".
>Depois,
com Rui Rio, o PSD achou que a alternativa a ser uma oposição ineficaz
era ser uma oposição inexistente, aparentemente à espera de poder ir
para o Governo com António Costa.
Boa parte do partido
pensa que este é o caminho para o abismo eleitoral. É por isso que a
crise de estratégia se transformou numa crise de poder. O que levou Luís
Montenegro a antecipar o desafio a Rio nada tem a ver com divergências
programáticas, críticas ideológicas ou crises existenciais. O que
aconteceu foi Montenegro ter percebido que, se deixar Rio formar as
listas de candidatos a deputado e ir a eleições, poderá depois herdar um
partido que não só estará mais fragilizado como lhe será muito mais
hostil. Trata-se de um avanço táctico para o poder, nada mais.
Isto
não significa que não haja uma discussão a fazer à direita. Tenho
acompanhado com atenção as intervenções de Miguel Morgado, o mais
interessante e talentoso crítico de Rui Rio, sobre a necessidade de
"refundação" da direita. Percebo também a tese de que a formação da
geringonça exige, como resposta, a formação de um bloco à direita. Se
bem que eu estou convencido de que se os entendimentos à esquerda não
tivessem existido, por o PSD e o CDS terem continuado juntos no Governo
por mais quatro anos, aí sim é que seria hoje praticamente inevitável
que se colocasse a possibilidade de uma qualquer fórmula de entendimento
permanente entre os dois partidos, com o consequente ponto de situação
ideológico.
A questão é saber se os partidos da direita se
devem dedicar essencialmente a essa busca do autoconhecimento, e se é a
falta dela que os impede de ter um projecto mobilizador. Tenho muitas
dúvidas. A vocação de um partido é conquistar e exercer o poder,
depurando e representando as ideias que a sociedade "do seu lado" vai
produzindo. Os partidos podem e devem participar nessa produção de
ideias, obviamente, mas não têm de colocar a sua proposta política em
suspenso enquanto não descobrem o que fazer num longo processo de
introspecção.
É impossível neste momento à direita, junta
ou separada, apresentar um programa de combate à esquerda no poder? Há
alguma dúvida existencial que lhe prenda os movimentos? Não há
alternativa a deixar Costa em roda livre? Não me parece. O CDS tem feito
um trabalho de pensamento programático ao mesmo tempo que faz oposição
clara e diária ao Governo. Não é um esforço hercúleo: é o vulgar
quotidiano de um partido político. A única circunstância que impede o
PSD de fazer o mesmo é a circunstância do próprio PSD.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
15/01709
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