Um olhar sobre
o Sokols 2017
A ambição do povo deve ser ouvida e respeitada. A liberdade de expressão exige a todos, poder político e sociedade civil, sentido de responsabilidade e transparência. Ora, estes valores não fazem parte do ADN do Sokols.
Num momento em que Cabo Verde é
reconhecido a nível mundial como um dos países com melhor qualidade
democrática, temos vindo a assistir a uma projeção mediática de um
movimento com todas as características populistas que podem colocar em
causa esta mesma qualidade democrática em Cabo Verde.
As
prioridades da sociedade sempre foram e continuarão a ser uma bússola na
gestão das políticas públicas de qualquer governo. Umas vezes essas
prioridades são atendidas outras vezes não. Mas para a valorização da
democracia há dois valores essenciais que se exigem tanto ao universo
político como à sociedade civil: Responsabilidade e Transparência.
Ora,
estes dois valores parecem não fazer parte do movimento Sokols 2017
que, em especial nos últimos meses, tem feito a delícia de alguns
sectores partidários.
Sem capacidade de mobilização e sem uma
orientação clara, os partidos da oposição, em especial o PAICV vê neste
movimento um contrapoder que o partido de José Maria Neves e Janira
Hoffer Almada não consegue ser. O que conta para esta liderança bicéfala
do PAICV é projetar uma realidade alternativa, independentemente da
irresponsabilidade que isso advoga para os cabo-verdianos e para o país.
Se
podemos suspeitar da existência de uma mão do PAICV no Sokols, pouco
mais sabemos sobre as suas motivações, as suas lideranças, o quê e quem
representam ou os seus financiamentos. Tudo isto é o contrário do que
deve representar uma organização voluntária da sociedade civil. A não
ser, claro, que este movimento só se represente a si próprio e tenha
como propósito usar o povo para se projetar a si próprio. E então aqui
estaremos perante umas das características do populismo que se
autodenomina como sendo os únicos representantes do povo sem o povo os
reconhecer efetivamente.
Senão vejamos, o que defende o Sokols?
Bem, um dia pedem a regionalização, e a Assembleia Nacional está a dias
de aprovar em definitivo a regionalização, mas no outro dia o Sokols é
contra a regionalização. Um dia pedem autonomia, mas no dia seguinte
dizem que querem outra autonomia.
Mas descodifiquemos então esta irresponsabilidade ziguezagueante. Que modelo de autonomia defendem?
1.
Um Governo Regional com “funções legislativas e fiscalizadoras”. O
mesmo é dizer que cada ilha irá ter um parlamento com a função de
aprovar leis;
2. “Câmaras Municipais com funções de execução das
políticas definidas pelo governo regional. À frente das Câmaras
Municipais estarão administradores de carreira”. O mesmo é dizer que as
atuais Câmaras Municipais passarão a ser meros serviços administrativos
submetidos aos governos regionais; os presidentes das câmaras deixarão
de ser eleitos para passarem a ser administradores de carreira;
3.
“A ilha deverá dispor de um Senador que representará a nível nacional”.
Este é o único modelo que, na opinião do Sokols, serve os interesses de
S. Vicente: “S. Vicente necessita de mais autonomia; a regionalização
proposta não serve os interesses da ilha”, afirma.
Então quais são
as verdadeiras pretensões do Sokols? Quais são as suas verdadeiras
motivações? Radicalizar, dizem eles. “Até derrubar a 2ª República”, como
afirmou um dos cabecilhas do movimento. Isto é sério? Isto é
responsvel? Não é. Isto é colocar toda uma Nação, todo um Povo em risco.
Isto é usar o Povo como trampolim para ambições pessoais. Isto é
colocar os interesses individuais acima dos interesses do país.
Como
revelou o último relatório da “The Economist” sobre a qualidade da
Democracia em Cabo Verde, somos um país com altos índices de liberdade
de expressão. Foi um ganho que a Liberdade nos trouxe e pela qual tantos
cabo-verdianos lutaram. Mas com a Liberdade e a Democracia, os
cabo-verdianos pediram também que os responsáveis públicos olhassem para
o país em conjunto, com uma consciência coletiva que valorize todos os
cabo-verdianos e não apenas alguns. A ambição do povo deve ser ouvida e
respeitada. A liberdade de expressão exige a todos, poder político e
sociedade civil, sentido de responsabilidade e transparência.
Ora,
estes valores não fazem parte do ADN do Sokols. Existem evidências que
demonstram que a sua pretensão passa unicamente por incitar à
indignação. Instigam a realização de manifestações com base numa
estratégia de crescimento e de visibilidade mediática assente na
provocação e criação de factos políticos (como foi a tentativa de
bloquear a comitiva do primeiro-ministro na estrada do aeroporto de S.
Pedro), na confrontação e na tentativa de atingir a autoridade do
Estado.
Os motivos de realização de manifestações são explorados
com o intuito de mobilizar a sociedade mindelense na luta contra o
Governo. Em 5 de Julho de 2017 foi “a marcha da fome (de autonomia)” a
tentar reerguer a bandeira negra da fome do Capitão Abrosio; em 13 de
Janeiro de 2018, foi a manifestação para lutar pela descentralização do
país e contestar o Orçamento do Estado para 2018; em 16 de Dezembro de
2018, foi para exigir a retoma de voos da TACV. Outros ou os mesmos
argumentos vão sendo reciclados para novas manifestações, ao mesmo tempo
que pretendem provocar o contágio a nível nacional para colocar o país
em estado de caos.
As manifestações são normais em democracia e
até desejáveis porque expressam vozes que podem estar descontentes e
que, legitimamente, querem influenciar as decisões políticas. No
entanto, movimentos como o Sokols, pelos modelos que defendem, pelas
pretensões e métodos que usam, devem ser escrutinados e analisados com
sentido crítico pela sociedade e pelos cidadãos, incluindo as suas
fontes de financiamento. Numa sociedade democrática madura não são
apenas os partidos políticos e os governos que devem ser escrutinados e
analisados.
* Dirigente da Juventude para a Democracia em Cabo Verde
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
25/01/19
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