31/01/2019

ESMAEL TEIXEIRA

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Um olhar sobre 
o Sokols 2017

A ambição do povo deve ser ouvida e respeitada. A liberdade de expressão exige a todos, poder político e sociedade civil, sentido de responsabilidade e transparência. Ora, estes valores não fazem parte do ADN do Sokols.

Num momento em que Cabo Verde é reconhecido a nível mundial como um dos países com melhor qualidade democrática, temos vindo a assistir a uma projeção mediática de um movimento com todas as características populistas que podem colocar em causa esta mesma qualidade democrática em Cabo Verde.

As prioridades da sociedade sempre foram e continuarão a ser uma bússola na gestão das políticas públicas de qualquer governo. Umas vezes essas prioridades são atendidas outras vezes não. Mas para a valorização da democracia há dois valores essenciais que se exigem tanto ao universo político como à sociedade civil: Responsabilidade e Transparência.

Ora, estes dois valores parecem não fazer parte do movimento Sokols 2017 que, em especial nos últimos meses, tem feito a delícia de alguns sectores partidários.

Sem capacidade de mobilização e sem uma orientação clara, os partidos da oposição, em especial o PAICV vê neste movimento um contrapoder que o partido de José Maria Neves e Janira Hoffer Almada não consegue ser. O que conta para esta liderança bicéfala do PAICV é projetar uma realidade alternativa, independentemente da irresponsabilidade que isso advoga para os cabo-verdianos e para o país.

Se podemos suspeitar da existência de uma mão do PAICV no Sokols, pouco mais sabemos sobre as suas motivações, as suas lideranças, o quê e quem representam ou os seus financiamentos. Tudo isto é o contrário do que deve representar uma organização voluntária da sociedade civil. A não ser, claro, que este movimento só se represente a si próprio e tenha como propósito usar o povo para se projetar a si próprio. E então aqui estaremos perante umas das características do populismo que se autodenomina como sendo os únicos representantes do povo sem o povo os reconhecer efetivamente.

Senão vejamos, o que defende o Sokols? Bem, um dia pedem a regionalização, e a Assembleia Nacional está a dias de aprovar em definitivo a regionalização, mas no outro dia o Sokols é contra a regionalização. Um dia pedem autonomia, mas no dia seguinte dizem que querem outra autonomia.

Mas descodifiquemos então esta irresponsabilidade ziguezagueante. Que modelo de autonomia defendem?
1. Um Governo Regional com “funções legislativas e fiscalizadoras”. O mesmo é dizer que cada ilha irá ter um parlamento com a função de aprovar leis;
2. “Câmaras Municipais com funções de execução das políticas definidas pelo governo regional. À frente das Câmaras Municipais estarão administradores de carreira”. O mesmo é dizer que as atuais Câmaras Municipais passarão a ser meros serviços administrativos submetidos aos governos regionais; os presidentes das câmaras deixarão de ser eleitos para passarem a ser administradores de carreira;
3. “A ilha deverá dispor de um Senador que representará a nível nacional”. Este é o único modelo que, na opinião do Sokols, serve os interesses de S. Vicente: “S. Vicente necessita de mais autonomia; a regionalização proposta não serve os interesses da ilha”, afirma.

Então quais são as verdadeiras pretensões do Sokols? Quais são as suas verdadeiras motivações? Radicalizar, dizem eles. “Até derrubar a 2ª República”, como afirmou um dos cabecilhas do movimento. Isto é sério? Isto é responsvel? Não é. Isto é colocar toda uma Nação, todo um Povo em risco. Isto é usar o Povo como trampolim para ambições pessoais. Isto é colocar os interesses individuais acima dos interesses do país.

Como revelou o último relatório da “The Economist” sobre a qualidade da Democracia em Cabo Verde, somos um país com altos índices de liberdade de expressão. Foi um ganho que a Liberdade nos trouxe e pela qual tantos cabo-verdianos lutaram. Mas com a Liberdade e a Democracia, os cabo-verdianos pediram também que os responsáveis públicos olhassem para o país em conjunto, com uma consciência coletiva que valorize todos os cabo-verdianos e não apenas alguns. A ambição do povo deve ser ouvida e respeitada. A liberdade de expressão exige a todos, poder político e sociedade civil, sentido de responsabilidade e transparência.

Ora, estes valores não fazem parte do ADN do Sokols. Existem evidências que demonstram que a sua pretensão passa unicamente por incitar à indignação. Instigam a realização de manifestações com base numa estratégia de crescimento e de visibilidade mediática assente na provocação e criação de factos políticos (como foi a tentativa de bloquear a comitiva do primeiro-ministro na estrada do aeroporto de S. Pedro), na confrontação e na tentativa de atingir a autoridade do Estado.

Os motivos de realização de manifestações são explorados com o intuito de mobilizar a sociedade mindelense na luta contra o Governo. Em 5 de Julho de 2017 foi “a marcha da fome (de autonomia)” a tentar reerguer a bandeira negra da fome do Capitão Abrosio; em 13 de Janeiro de 2018, foi a manifestação para lutar pela descentralização do país e contestar o Orçamento do Estado para 2018; em 16 de Dezembro de 2018, foi para exigir a retoma de voos da TACV. Outros ou os mesmos argumentos vão sendo reciclados para novas manifestações, ao mesmo tempo que pretendem provocar o contágio a nível nacional para colocar o país em estado de caos.

As manifestações são normais em democracia e até desejáveis porque expressam vozes que podem estar descontentes e que, legitimamente, querem influenciar as decisões políticas. No entanto, movimentos como o Sokols, pelos modelos que defendem, pelas pretensões e métodos que usam, devem ser escrutinados e analisados com sentido crítico pela sociedade e pelos cidadãos, incluindo as suas fontes de financiamento. Numa sociedade democrática madura não são apenas os partidos políticos e os governos que devem ser escrutinados e analisados.


* Dirigente da Juventude para a Democracia em Cabo Verde

IN "O JORNAL ECONÓMICO"
25/01/19

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