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IN "DELAS"
DEZEMBRO/18
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Quem roubou
o Menino Jesus?
Não me lembro de acreditar no Pai Natal.
Sempre soube que as renas voadoras não existiam e que era impossível
carregar naquele trenózeco um saco de brinquedos de tamanhas dimensões.
Esta disputa rebaldeira entre Pai Natal e menino Jesus era-me, no
entanto, perfeitamente indiferente, desde que houvesse brinquedos.
O conceito do Natal em família, também me passou um bocado ao lado.
Eu, a minha avó, o meu pai e a minha mãe, nunca fomos de embarcar nas
celebrações natalícias. Para além de não sermos religiosos, o que
acabava por delimitar as actividades festivas à nossa sala, nunca
fizemos parte do rallypaper natalício.
Resumindo: comiam-se os chocolates. Às nove da noite a minha avó
adormecia sentada, às dez eu abria os presentes, víamos um bocadinho do
programa de variedades que estivesse a dar na TV e estava bom. Depois, o
meu pai ia à vida dele, a minha mãe ficava no sofá em silêncio, durante
tanto tempo quanto durasse a emissão e pronto, estava feito o Natal.
É claro que também se viveram emoções fortes, como por exemplo,
quando comi os chocolates todos da árvore de uma só vez e o meu pai deu
comigo deitada na sala, meio inconsciente, a vomitar chocolate pelos
olhos; ou quando passei a consoada a berrar por perceber pela dimensão
do embrulho, que não era uma Barbie.
Depois da minha avó morrer, devemos ter feito enfeitado a árvore mais dois ou três natais. Mas foi mesmo só isso.
Na minha trupe adolescente, a minha melhor amiga e a irmã também
sofriam da síndrome “Eu odeio o Natal” por circunstâncias semelhantes. E
por isso, mas também porque éramos as típicas rebeldes sem causa muito
grave, decidimos fazer o nosso próprio Natal. Ou seja: emplastrávamo-nos
na consoada das amigas que tinham Natal. Não me perguntem porquê, mas,
nessa altura, Alcobaça tinha todo um agito underground/psicopata do bem,
natalício, em plena noite de consoada. Os bares e os cafés abriam,
faziam -se concertos e concursos de música alternativa, havia gente
animada na rua, a contrastar com a solene missa do galo, mesmo ali ao
lado, na nave central do mosteiro. Noite de Natal, significava, como
dizem os espanhóis, “salir de copas”. Por isso, se por esta altura, já
estiver o leitor cheio de pena de mim, desengane-se! Fartei-me de curtir
no Natal.
Quando a Câmara Municipal aquecia o seu fiel povo com uma fogueira
gigante em plena praça central, juntavam-se as castas. Adolescentes,
adultos, ricos, remediados, betinhos que fugiam à socapa das suas
gigantescas famílias; a rapaziada dos derivados da papoila, um ou outro
idoso que escapava do sanatório masculino, que funcionava na ala norte
do Mosteiro, ou que até tinha ordem de saída naquela noite, mas que não
tinha para onde ir… e ainda um presépio à escala, com manequins
sinistros e um Nenuco deitado nas palhinhas, que obviamente foi roubado.
E eu sei quem foi. Esperavam o quê, milagres? Tudo bem que era o menino
Jesus, mas deixá-lo ali à mão de semear também era estar a pedi-las,
mesmo sendo tudo bons rapazes.
Conhecíamo-nos todos daqui ou dali e sabíamo-nos boa gente.
O circuito era pequeno, mas intenso. Da fogueira passávamos aos
cafés, dos cafés às portas dos cafés e finalmente ao Bar Ben, onde
poucos anos mais tarde, os Gift se apresentariam pela primeira vez ao
vivo (Outubro de 1994), num concurso que nos levaria à final, final essa
que seria na noite de Natal, claro. Estas memórias, remetem-me
invariavelmente para uma das personagens mais caricatas e misteriosas de
Alcobaça: o Martinho.
O Martinho fisicamente era parecido com o vocalista dos AC/DC. Usava
boina, tinha um aspecto duro e andava de bicicleta. Contava a lenda
urbana que estudara para médico nos anos 70, mas que o Woodstock lhe
tinha baralhado o cérebro. Para sempre. Claro, como mito vivo que se
preze, aproveitava a noite movimentada de Natal para fazer dramáticas
aparições, materializando-se, por exemplo, no fontanário que enquadrava
toda esta “movida”, só de meias, ténis e boina, com o intuito de passar
uma pinguita de água pelas “partes”.
Chegou a correr, lavou-se à pressa e fugiu, deixando um cento de
pessoas boquiabertas, em silêncio. Dois polícias esbaforidos, seguiam-no
justificando assim, “o banho em fuga”.
O Martinho conhecia-me, sabia o meu nome, mas preferia chamar-me
Cíntia e dizia que eu era parecida com uma tal de “Janete das
espingardas”. Na célebre (para alguns) noite da nossa estreia
(28/10/1994) lá estava o Martinho no Ben, para me aplaudir. Disse-me, ou
melhor, gritou-me, quando passei por ele, no silêncio da multidão,
mesmo antes de subir ao palco pela primeira vez :“ CÍNTIA, VAIS SER A
ESTRELA DA NOITE!!!” Obrigada Martinho, fui mesmo.
Este amor/ódio ao Natal durou anos, até conhecer o Fernando e passar a
minha primeira noite de consoada “em família” à mesa com 20 pessoas aos
gritos em Á-dos-Loucos. Com direito a Pai Natal e tudo.
Ok, agora fazia sentido…Fiquei um bocadinho fã, confesso. Até passei a
enfeitar uma árvore de 20 cm que comprei no chinês. Ainda assim… Não me
deixei sucumbir logo pelo brilho das luzes. Então! Estamos de costas
voltadas estes anos todos e eu deixava-me ir assim, sem oferecer
resistência? Menos…
Um passo de cada vez.
Hoje, é um dia importante nesse sentido. Os argumentos da defesa
foram fortes e assertivos e, exposto o caso, não há como negar as
evidências. Ver e ouvir o meu filho, vestido de Rei Mago, na peça de
Natal da escola onde eu andei, no palco do Cineteatro, ao virar da
esquina, que tantas vezes já pisei, amoleceram a adolescente durona. Não
por aquilo que o Natal representa para mim, que continua a ser pouco
mais que a celebração do aniversário do senhor que inventou o
calendário, mas sim, o que representa para ele. E o que é bom para ele, é
bom para mim. Para ele, o Natal é mesmo estar com a família:
Os 20 de Á-dos-loucos, uma catrefada de primos, gritos e gargalhadas.
A minha sobrinha a delatar o Pai Natal falso, ano após ano, e o meu
cunhado a boicotar a música, só para vermos a minha mãe a dançar kizomba
de olhos fechados.
Para mim está bom assim. Para ele também. Desde que haja brinquedos, claro…
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DEZEMBRO/18
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