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IN "BLITZ"
24/10/18
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A falta de vergonha dos Shame
A banda que este verão esteve em Paredes de Coura assinou uma das estreias mais entusiasmantes da colheita de 2018
Cinco miúdos de Londres liderados
pelo estranhamente carismático Charlie Steen, os Shame juntaram-se
quando ainda andavam no liceu, ensaiando todas as tardes numa sala de
Brixton da qual sairiam outras bandas, agrupadas pela imprensa num
movimento de rock britânico encabeçado pelos Fat White Family. Para o
baterista Charlie Forbes, este arranque de carreira no Queen’s Head,
entretanto transformado em restaurante da moda, foi determinante para o
som dos Shame, cujo álbum de estreia, lançado no início deste ano,
brilha precisamente pela falta de polimento. “Se tivéssemos começado num
estúdio todo limpinho, não tinha sido a mesma coisa”, afirmou o jovem
músico, ao The Guardian.
Todos novíssimos (reza a lenda, ou a
biografia, que nenhum dos cinco tem mais de 21 anos), os Shame quiseram
fazer um disco “conciso e direto ao assunto, sem palha” e, arrumando dez
canções em 38 minutos, “Songs of Praise” é precisamente isso. No
passado verão, pudemos vê-los em Paredes de Coura (depois da estreia
nacional no Milhões de Festa, em 2017), e é entusiasmante perceber que,
ao vivo, estes petardos punk/pós-punk são ainda mais portentosos. Boa
parte do mérito deve ser entregue a Charlie Steen, um ótimo vocalista
rock, tão convincente no registo vociferado como no narrativo, explorado
no tema ‘The Lick’ (que arranca com a desconcertante tirada “So in the past week I've made several trips to the gynecologist”).
Em palco, Steen é um pequeno predador, calcorreando o palco em tronco
nu (não porque se sinta um deus grego, explica em entrevistas, mas
precisamente para contrariar o complexo de se achar “rechonchudo”). Mas,
apesar de poder (e dever!) ser ouvido apenas pelo prazer melómano (‘One
Rizzla’, ‘Concrete’ ou ‘Dust on Trial’ oferecem um equilíbrio perfeito
entre agressividade e melodia), há também nesta banda um desejo de
“desmontar o estereótipo do que é uma estrela rock. Somos miúdos do
século XXI”, avisou Charlie Steen à Paste. E a sua energia tão selvagem
como politizada (ouça-se ‘Visa Vulture’, a “pior canção de amor do
mundo”, que em 2017 dedicaram a Theresa May) é uma rabanada de ar fresco
que não podia ser mais bem-vinda.
IN "BLITZ"
24/10/18
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