02/11/2018

LIA PEREIRA

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A falta de vergonha dos Shame

A banda que este verão esteve em Paredes de Coura assinou uma das estreias mais entusiasmantes da colheita de 2018

Cinco miúdos de Londres liderados pelo estranhamente carismático Charlie Steen, os Shame juntaram-se quando ainda andavam no liceu, ensaiando todas as tardes numa sala de Brixton da qual sairiam outras bandas, agrupadas pela imprensa num movimento de rock britânico encabeçado pelos Fat White Family. Para o baterista Charlie Forbes, este arranque de carreira no Queen’s Head, entretanto transformado em restaurante da moda, foi determinante para o som dos Shame, cujo álbum de estreia, lançado no início deste ano, brilha precisamente pela falta de polimento. “Se tivéssemos começado num estúdio todo limpinho, não tinha sido a mesma coisa”, afirmou o jovem músico, ao The Guardian.

Todos novíssimos (reza a lenda, ou a biografia, que nenhum dos cinco tem mais de 21 anos), os Shame quiseram fazer um disco “conciso e direto ao assunto, sem palha” e, arrumando dez canções em 38 minutos, “Songs of Praise” é precisamente isso. No passado verão, pudemos vê-los em Paredes de Coura (depois da estreia nacional no Milhões de Festa, em 2017), e é entusiasmante perceber que, ao vivo, estes petardos punk/pós-punk são ainda mais portentosos. Boa parte do mérito deve ser entregue a Charlie Steen, um ótimo vocalista rock, tão convincente no registo vociferado como no narrativo, explorado no tema ‘The Lick’ (que arranca com a desconcertante tirada “So in the past week I've made several trips to the gynecologist”).

Em palco, Steen é um pequeno predador, calcorreando o palco em tronco nu (não porque se sinta um deus grego, explica em entrevistas, mas precisamente para contrariar o complexo de se achar “rechonchudo”). Mas, apesar de poder (e dever!) ser ouvido apenas pelo prazer melómano (‘One Rizzla’, ‘Concrete’ ou ‘Dust on Trial’ oferecem um equilíbrio perfeito entre agressividade e melodia), há também nesta banda um desejo de “desmontar o estereótipo do que é uma estrela rock. Somos miúdos do século XXI”, avisou Charlie Steen à Paste. E a sua energia tão selvagem como politizada (ouça-se ‘Visa Vulture’, a “pior canção de amor do mundo”, que em 2017 dedicaram a Theresa May) é uma rabanada de ar fresco que não podia ser mais bem-vinda.

IN "BLITZ"
24/10/18
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