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HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
"Portugal não tem sinais de erosão do funcionamento da democracia"
O politólogo António Costa Pinto analisa o estudo sobre a democracia, que coloca Portugal no 10.º lugar em todo o mundo. A nossa democracia recomenda-se, apesar de uma participação fraca da sociedade civil
Portugal é a 10.ª melhor democracia do mundo, de acordo com o Relatório da Democracia,
agora divulgado. Em causa estão os países onde além de um sistema
político democrático existe também uma prática real de respeito pelos
direitos e liberdades dos cidadãos. Apenas Noruega, Suécia, Estónia,
Suíça, Dinamarca, Costa Rica, Finlândia, Austrália e Nova Zelândia estão
à frente do país.
Há números menos simpáticos para o
país: Portugal baixa para o 11.º lugar nas análises setoriais relativas
aos indicadores eleitoral, de liberdades e de igualdade social, e fica
no 38.º lugar em termos de participação eleitoral. Apesar de ser o
segundo país do mundo em termos de eleições livres e transparentes. O
professor universitário António Costa Pinto, investigador coordenador do
Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, analisa
no DN os dados conhecidos.
O estudo indica que Portugal está no 10.º lugar no índice global da democracia. É de facto uma democracia que se recomenda?
É
uma bela pergunta! Este é um índice baseado sobretudo na perceção de
especialistas sobre a qualidade da democracia. Algumas razões que levam
Portugal a estar nesses indicadores: em primeiro lugar, o facto da
qualidade da democracia ter diminuído globalmente em muitos países,
nalguns até mesmo provocando dinâmicas de erosão do funcionamento do
estado democrático. O número de regimes que muitos cientistas políticos
consideram já "híbridos" - como a Hungria, Polónia, Venezuela - são
regimes políticos que há poucos anos eram considerados regimes
democráticos.
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Em segundo lugar, as próprias democracias europeias
com as quais evidentemente a qualidade da democracia é mais comparada,
também têm sofrido dinâmicas de erosão em grande parte provocadas pelo
ascenso de partidos populistas, nalguns casos ao poder, como é o caso de
Itália, outros condicionando a atividade pública. E vamos ver se vão
agora condicionar na Suécia.
Portugal mantém, creio eu, essa posição com base nalguns fatores: o
primeiro é a sobrevivência do sistema partidário, sem perceção de ameaça
a esse nível; pela estabilidade política; e pelo relacionamento
interinstitucional, entre as instituições.
Que no caso da Hungria e da Polónia tem sido posto em causa...
Exatamente.
Neste contexto, sim, [a democracia portuguesa recomenda-se]. Também
devo salientar que este barómetro da qualidade da democracia não é
baseado na opinião que a sociedade tem. Mas esse seria mais complexo. É
baseado numa avaliação feita por peritos.
Portugal soube
manter esses indicadores em patamares mais consentâneos com as
democracias liberais e que noutros países, nomeadamente europeus, esses
indicadores sofreram uma erosão?
Foram entrando em erosão. Não é o caso deste governo ou do outro.
Há
um indicador que é preocupante, a que chamam o índice da componente de
participação. E aí Portugal está no 35.º, com algumas posições muito
baixas: por exemplo, na participação da sociedade civil, estamos em
63.º. As instituições são muito mais saudáveis que aquilo que é a nossa
sociedade civil?
Não há milagres nestas coisas. A
participação é baixa e, como a participação é baixa, os partidos
políticos portugueses ainda conseguem no fundamental disciplinar as
atitudes eleitorais dos portugueses.
Portugal ainda não conheceu
verdadeiros movimentos de revolta eleitoral, que no geral se cristalizam
em aumentos significativos de partidos populistas à direita ou à
esquerda. Ora, no caso português, esses não têm acontecido em grande
parte por causa desse binómio curioso entre uma alta abstenção e uma
canalização eleitoral dos partidos.
Na participação eleitoral, estamos em 11.º, não estamos tão
mal. No relatório distingue-se de participação eleitoral e a
participação cívica para lá do sistema partidário.
Nos
indicadores de participação cívica, os portugueses têm uma sociedade
civil fraca. Quando olhamos para os indicadores de participação
associativa, é relativamente fraca, quer em partidos políticos, quer
associações de defesas de interesses, quer em sindicatos, etc.
Este é um
ponto complexo: os indicadores de qualidade de democracia apontam
sobretudo para a relativa transparência das instituições. E aqui
Portugal não está mal. Se falássemos sobre a perceção da sociedade, se
os portugueses acham que, por exemplo (e só para dar um exemplo), o
sistema de justiça é igual para todos, outro galo cantaria.
O exemplo da
justiça é um elemento importante da qualidade do funcionamento do
sistema democrático, que é o acesso da cidadania à justiça. Vale sempre a
pena pensar como é que eles classificam.
Outro indicador
muito interessante, e no qual estamos em segundo lugar, é o de eleições
transparentes e livres. Isto não choca com a perceção de que por vezes
há votações onde o escrutínio das atas e da contabilidade dos votos era
mais débil e frágil que aquilo que os resultados transpareciam?
Não.
Acho esse indicador muito interessante. Não há dúvida nenhuma que as
eleições em Portugal são verdadeiramente livres, justas e transparentes.
Muito embora, por exemplo, nas eleições diretas para os partidos,
persistam muitos sindicatos de voto, inclusivamente com voto comprado,
no fundamental, quer sob ponto de vista do acesso aos meios de
comunicação social, quer sob ponto de vista de todos os procedimentos
eleitorais, praticamente não temos conhecido protestos que apontem para
vícios eleitorais.
Ao fim de mais de 40 anos temos uma democracia madura neste capítulo.
Temos
inegavelmente uma democracia madura. Muitos destes indicadores também
remetem para um efeito secundário, chamemos assim, que aponta para um
sistema político democrático que tem uma dose muito significativa de
controlo pelas elites, pelas elites políticas, etc. Veja também um
exemplo na autonomia interinstitucional: quase todos os estudos sobre o
Tribunal Constitucional apontam para que, independentemente da nomeação
partidária, os juízes tenham uma enorme independência do partido que os
elegeu. O exemplo mais clássico foi durante a austeridade: Portugal teve
durante a crise um dos mais ativos tribunais constitucionais, apontando
a inconstitucionalidade de certas normas. O que é um exemplo muito
interessante de qualidade de funcionamento do sistema democrático.
Há pouco referiu que este estudo é a perceção de um grupo de
especialistas e que outro galo cantaria se fosse a perceção do cidadão
comum. É uma dissonância entre uma elite e os restantes cidadãos?
É
uma dissonância elite/massas. Como é evidente, em sistemas democráticos
de grande participação, muitas vezes os sentimentos antipartidos são
muito fortes. Há democracias, como a americana, em que esse sentimento é
muito forte e a participação política é muito baixa. Mas a qualidade da
democracia americana está sobretudo na relação entre as instituições
políticas.
Talvez o ponto mais interessante desta diferença seja
os sistemas políticos democráticos que coexistem com forte sentimento
antidemocrático. Há democracias em que uma parte da sociedade tem
valores autoritários.
Podemos concluir que "a democracia é o pior de todos os sistemas com exceção de todos os outros", como disse Churchill.
Exatamente.
E convém também salientar que estes indicadores apontam muito para o
funcionamento das instituições e para a existência de poucos entorses
dessas instituições.
Os países nos dez primeiros lugares são sobretudo países com uma dimensão pequena em termos de população...
O
mais interessante nesses nossos companheiros [de ranking], é que a
grande maioria deles são velhas democracias. A Costa Rica é praticamente
a única democracia sobrevivente na América Central. Não é o caso do
país báltico, a Estónia, que já é da terceira vaga das democratizações,
como nós. Creio que este nosso lugar se deve sobretudo ao facto de
Portugal não ter sinais de erosão do funcionamento do sistema político
democrático, através da explosão de valores autoritários, de crises
políticas muito significativas. O que sem dúvida é um facto - até na
crise. Portugal tem um dark side, que quase todos os nossos
estudos apontam: uma sociedade civil relativamente fraca, um ativismo
social também relativamente fraco.
* Somos democratas....
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