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ESTA SEMANA NA
"VISÃO"
"VISÃO"
O homem que criou a internet lamenta
no que ela se transformou e
quer voltar às raízes
O físico Tim Berners-Lee está chocado com a conversão da sua invenção na grande bolha de “espionagem” que se tornou a net. E já começou lutar contra isso
A Rússia a interferir nas eleições americanas de 2016; o Facebook a
disponibilizar dados de 80 milhões de pessoas a uma empresa (Cambridge
Analytica) que trabalhava para a campanha de Donald Trump; a Goggle a
deixar que terceiros leiam os emails dos seus clientes. Foi para isto
que se fez a Internet? A resposta é um rotundo não.
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Tim Berners-Lee, o homem que inventou a World Wide Web
(WWW), vulgarmente conhecida como Internet, ficou “devastado” como os
mais recentes acontecimentos que descaracterizaram por completo o que
ele, um dia, há quase 30 anos, deu ao mundo: o poder de comunicarmos uns
com os outros de forma livre e de graça.
Numa entrevista à revista Vanity Fair
(edição americana) Berners-Lee, hoje com 63 anos, conta como tudo
começou e como ele não quer que acabe, tendo já posto mãos à obra, neste
caso no teclado, para fazer uma re-descentralização da internet, mas já
lá vamos.
Formado em física, na britânica universidade de
Oxford, Berners-Lee construiu o seu primeiro computador no início dos
anos 1970, a partir de uma velha televisão e alguma solda de ferro.
Filho de pais ligados ao universo dos computadores, não tinha grandes
planos para o futuro. Passou por várias empresas como programador até
que, no início da década de 1980, começou a trabalhar como consultor da
CERN – European Organization For Nuclear Research (Organização Europeia
para a Pesquisa Nuclear), perto de Genebra, na Suíça. Foi aí que tudo
mudou.
Quando, em 1989, lhe pediram para desenvolver um programa para ajudar
os cientistas a partilhar dados através de um sistema que já existia
acabou por criar a Internet ao disponibilizar, publicamente, o código
fonte do programa. O seu intuito foi criar uma plataforma democrática e
aberta para todos. A sua vida acabaria por mudar radicalmente.
Considerado, pela revista Time, uma das pessoas mais importantes do séc. XX, recebeu várias condecorações e foi ordenado cavaleiro pela rainha de Inglaterra.
Solid contra os gigantes da net
Mas
a sua invenção cedo ganhou vida própria e fugiu-lhe da mão. Refira-se
que Lee nunca lucrou diretamente com a sua criação e tem tentado sempre
preservar os princípios para os quais a desenvolveu e deu ao mundo. A
desilusão de ver a Internet distorcida leva-o a dizer à revista: “A Web
falhou. Em vez de servir a Humanidade, como era suposto fazer, falhou em
muitas partes”. A centralização da Internet, com a Google, a Amazon e o
Facebook a controlarem quase tudo o que acontece na rede, “acabou por
produzir – sem a intenção das pessoas que fizeram esta plataforma – um
fenómeno em larga escala que é anti-humano", diz.
Se, no início, a
net era aberta, livre e sem empresas gigantes que a controlassem, hoje o
mundo dos dados pessoais vale largas centenas de milhões de euros. Lee é
da opinião de que nem tudo está perdido e, por isso, pôs as mãos no
teclado para inverter a situação. O seu objetivo é recentralizar a
Internet e dar às pessoas o controlo dos seus dados. Como? Está a
desenvolver um programa para retirar o poder às empresas e devolvê-lo às
suas raízes democráticas. O Solid, assim se chama o software,
está a ser desenvolvido com a ajuda de vários programadores – mais uma
vez de forma aberta, qualquer um pode participar – e pretende ser uma
plataforma que dá aos consumidores o controlo dos seus dados e conteúdos
que consultam da net, em vez de dar o poder a empresas como o Facebook
fazerem o que quiserem deles.
O Solid ainda não está
concluído, embora Berners-Lee esteja a trabalhar a todo o vapor, mas
todos sabem que a tarefa não vai ser fácil. Os gigantes da Internet vão
ripostar. Estão em causa muitos milhões de euros. Mas o físico não baixa
os braços e diz que qualquer um pode fazer a sua parte. “Não é preciso
ser programador. Apenas ter coração para dizer que já chega. Pegue no
seu cartaz e vá para a rua.”
* Tim Berners-Lee é cientista, como tal parece-lhe impossível haver aproveitamento criminoso dum avanço tecnológico, tanta ingenuidade é caricata.
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