Oferta e procura de incêndios
Parece que se anda a discutir qual a melhor forma de forçar uma
população velha e pobre a limpar os seus terrenos sem qualquer interesse
económico, desgastando-a e empobrecendo-a ainda mais.
De vez em quando, o país fica chocado por saber que a lei da
procura e da oferta também existe em Portugal. A última vez que tal
aconteceu foi quando se descobriu que os preços das limpezas de terrenos tinham disparado este ano.
O aumento da procura foi assegurado pelo braço fiscal do governo, a
Autoridade Tributária, ao enviar um email a todos os contribuintes,
ameaçando com coimas quem não cumprisse uma lei de limpeza das matas,
que, pelos vistos, existe desde 2006 e nunca foi cumprida. A mensagem,
como quase todas as mensagens da AT, foi suficientemente assustadora
para deixar muita gente preocupada. Naturalmente, a procura por serviços
de limpeza de mato disparou e, evidentemente, as empresas prestadoras
deste serviço aumentaram os preços. Está nos manuais. Esperar que o
efeito fosse diferente equivale a achar que a lei da gravidade pode ser
suspensa.
Percebe-se a reacção do Governo. Depois das catástrofes
do ano passado, é necessário fazer tudo para evitar um novo Verão
quente. Como já antes escrevi, não percebo nada de combate aos incêndios
e também nada percebo sobre prevenção de incêndios. Assim, não vou
discutir sobre a eficácia e a necessidade destas medidas que estão a ser
tomadas. No entanto — presunção e água benta, cada qual toma a que quer
—, acho que sei um pouco de economia. E, se entendo esta pressão do
governo como medida de curto-prazo, é bom ter em atenção que a longo
prazo é insustentável.
Se a lei existe desde 2006 e desde 2006 que
é violada de forma generalizada, então, provavelmente, a lei é
desajustada da realidade económica portuguesa. E, quando vejo
reportagens sobre o assunto, reforço esta ideia. Vejo uma população
envelhecida e, também, empobrecida a ter de fazer uma limpeza a terrenos
que pouco valem. A não ser que isto se enquadre na ideia de uma reforma
activa, não sei muito bem o que pensar quando vejo homens nos seus 70 e
até 80 anos a fazer o que mais parecem trabalhos forçados. O que neste
momento está a ser feito não é muito diferente de lançar um imposto
especial sobre as camadas mais desfavorecidas da população. É quase
iníquo.
Repito, não discuto se esta estratégia é adequada ou não
para evitar uma catástrofe em 2018. Mas, insisto, a não ser que se
pretenda usar a força repressiva da Autoridade Tributária todos os anos
para aterrorizar populações, esta estratégia não é viável por muito
tempo. O mato cresce independentemente da vontade dos proprietários. E
cresce muito depressa. Uma vez limpo, rapidamente será necessário
limpá-lo novamente. É uma gestão permanente com custos que não
desaparecem. Limpar um terreno não é como remodelar ou recuperar um
prédio, que, uma vez feita a intervenção, só décadas depois necessita de
outra. Uma solução para ser viável a longo prazo tem de ser
economicamente vantajosa para os proprietários.
Tornar a floresta
portuguesa rentável, ou, melhor dizendo, a sua gestão rentável, pode
passar por facilitar a vida aos resineiros, por estimular o uso de
lareiras e recuperadores de calor para aquecimento de casas, pela
construção de centrais eléctricas de biomassa, etc. Há uns tempos, em
conversa com Henrique Pereira dos Santos, lembrámo-nos de que as
cantinas que dependem do Estado (cantinas escolares, prisões, hospitais,
etc.) podiam incluir na sua ementa alimentos amigos da floresta, como
queijo de cabra, frutos silvestres, cabrito, etc.
Não sei nem qual
o impacto nem qual a viabilidade de cada uma das sugestões que fiz no
parágrafo anterior. Não sei quais sobreviveriam a uma análise de
custo-benefício. Mas do que não tenho dúvidas é que eram estes assuntos
que deviam estar a ser discutidos. Encontrar formas para que a lei da
oferta e da procura funcione a favor de uma floresta bem gerida.
Em
vez disso, parece que se anda a discutir qual a melhor forma de forçar
uma população velha e pobre a limpar os seus terrenos sem qualquer
interesse económico, desgastando-a e empobrecendo-a ainda mais. A
manter-se a actual política, a principal consequência de longo prazo
será a de haver muita gente a entregar os seus terrenos ao Estado. Se é
para isso, mais vale avançar já com expropriações. É da forma que mais
rapidamente se atinge o mesmo resultado.
IN "OBSERVADOR"
21/03/18
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