A subvalorização de
Assunção Cristas
Quando Assunção manifestou o interesse em suceder a Paulo Portas, ainda longe das últimas legislativas, muitos - principalmente no CDS - disseram que se estava a colocar "em bicos de pés". No momento da sucessão, foi a única que se chegou à frente.
Muita gente está incomodada com a audácia de Assunção Cristas no
Congresso do CDS. Com aquela portuguesíssima incredulidade perante a
ambição alheia (especialmente, já sabemos, a ambição feminina), há quem
lhe critique o "irrealismo" e a "imprudência" - ou, como no caso do
psicólogo instantâneo Marques Mendes, a "megalomania".
É
curioso: há anos que as mesmas pessoas andam a explicar os obstáculos
no caminho de Assunção, sem se aperceberem de que ela os tem vindo a
derrubar a todos. Algumas qualidades lhe terão de reconhecer. Mas se
calhar, para bem de Assunção, o melhor é permanecermos assim: talvez a
sua maior sorte seja mesmo essa subvalorização por parte dos seus
críticos. Não há melhor arma do que um adversário distraído.
Quando
Assunção manifestou o interesse em suceder a Paulo Portas, ainda longe
das últimas legislativas, muitos - principalmente no CDS - disseram que
se estava a colocar "em bicos de pés". No momento da sucessão, foi a
única que se chegou à frente.
Quando
foi eleita, asseguraram que não se libertaria do fantasma tutelar de
Portas. Hoje é elogiada por ter conseguido "matar o pai".
Quando
pegou no CDS, previram a impossibilidade de unir um partido de facções
irreconciliáveis. Há dias foi consagrada líder incontestada.
Quando
explicou ao que vinha, apostaram que a sua vocação de abrangência e
contemporaneidade seria destruída por um partido alegadamente
entrincheirado numa doutrina retrógrada. Pois aí têm agora Assunção
Cristas: a declarar-se "orgulhosa" do seu vice-presidente e
braço-direito, homossexual assumido e popularíssimo dentro e fora do
CDS; a anunciar-se "pragmática" no congresso, com dicção inequívoca e
desafiante; e a escutar de Adriano Moreira o elogio que desarma os
(poucos) críticos internos: "A liderança já está entregue à geração que
recebe, sem benefício de inventário, a defesa dos valores da democracia
cristã." "Agora é preciso olhar para a mudança do mundo e adaptar a
intervenção."
Além de tudo isto temos, é claro, Lisboa. Quando
Assunção anunciou a sua candidatura, os pessimistas enviaram os
exércitos: era uma loucura, um suicídio, um risco desnecessário para a
líder e para o partido. Até ao início da campanha eleitoral, as
sondagens não eram auspiciosas. Quando as pessoas começaram a escutar,
quando viram Assunção no primeiro debate televisivo, tudo mudou.
Ainda
assim, a poucos dias das eleições, Manuela Ferreira Leite não tinha
dúvidas: "O PSD é um partido de maior expressão, muito mais do que quem
pensa que pode ficar em segundo lugar. A diferença entre a dimensão dos
partidos não tem qualquer hipótese de comparação."
O resto é história: 21%, o dobro do PSD, liderança da oposição municipal, fim da maioria de Medina.
A
subvalorização, porém, continua. Há quem ache que o sucesso de Lisboa é
irrepetível. Eu acho que é paradigmático. Porque mostrou o maior
talento político de Assunção Cristas: saber aproveitar o contexto, criar
o contexto, forçar o contexto, perceber onde estão a brechas que pode
alargar para iluminar o seu percurso.
E qual é, agora, o
contexto? É, muito à semelhança de Lisboa, o de uma esquerda que se
julga imbatível, um PSD que se julga dono dos votos, sem estratégia de
oposição, preso entre lutas internas e o cortejo do poder instalado, e
um CDS que se vai rejuvenescendo, apurando a mensagem, alargando a base
eleitoral, ganhando balanço e boa vontade, e declarando o fim do voto
útil, com a velha táctica de Tony Blair: "Remind and repeat, remind and
repeat, remind and repeat."
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
13/03/18
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