Quem é incapacitado tem
direito a escolher o seu tutor?
A Justiça acha que não!
Muitas das pessoas com
anomalias psíquicas possuem as aptidões cognitivas necessárias para
fazer escolhas e tomar decisões em relação a questões importantes das
suas vidas
O
Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aquando das
comemorações dos 50 anos do código civil na Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra (2016), afirmou que a longevidade dos tempos
atuais traz outras formas de incapacidades, pelo que é urgente a
reavaliação do Código Civil no domínio das incapacidades. Efetivamente, o
atual regime de incapacidades, regulado pelos artigos 138º-156º do
código civil (de 1966), considera que o inabilitando/interditando não
tem capacidade para tomar decisões sobre a sua vida, sendo nomeado um
curador/tutor que o substitua na gestão do seu património/vida.
Está
cientificamente demonstrado que a incapacidade não se perde de um
momento para o outro, ou seja, não se é totalmente capaz ou totalmente
incapaz. Muitas das pessoas com anomalias psíquicas possuem as aptidões
cognitivas necessárias para fazer escolhas e tomar decisões em relação a
questões importantes das suas vidas.
A sustentar
esta realidade surgiu a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas
com Deficiência (CIDPD), ratificada por Portugal em 2009 (Resoluções nº
56 e nº 57 de 2009 da Assembleia da República e Decretos do Presidente
da República nº71 e 72 de 2009) que consagra o pleno e igual gozo de
todos os direitos humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas com
capacidade diminuída.
Verifica-se que existe
consenso na sociedade civil acerca da necessidade em alterar o código
civil quanto ao regime de incapacidades, tendo havido algumas
iniciativas parlamentares para esse fim (PL 61/XIII), mas sem sucesso.
Surpreendentemente, volvidos 9 anos após a ratificação de Portugal da
CIDPD, nada foi feito em termos da alteração da legislação, mantendo-se
em vigor o rígido código civil de 1966.
Mais
surpreendentemente ainda é o facto do Centro de Estudos Judiciários,
instituição responsável pela formação de magistrados, ter publicado
vários documentos e promovido ações de formação no sentido de articular o
direito interno com os instrumentos internacionais (designadamente a
CIDPD) para a sensibilização das magistraturas e da comunidade jurídica
em geral para promover uma interacção adequada com as pessoas com
deficiência, defendendo o respeito pela vontade dessas pessoas. Apesar
disso, os tribunais portugueses não acolhem a pessoa indicada pelo
inabilitando/interditando para seu curador/tutor, conforme se pode ler
em vários acórdãos dos tribunais da relação, disponíveis na internet.
Mais grave ainda, recentemente, a vontade antecipadamente expressa de um
idoso sobre a escolha do seu tutor, proferida num momento antes da data
fixada do início da interdição, diante de um notário e dois médicos,
não foi acolhida pelo tribunal da relação, tendo sido a escolha do tutor
baseada no art 143º do código civil, que estabelece a ordem de nomeação
do tutor, sem considerar a vontade ou a preferência do visado, o que
constitui uma clara violação dos seus direitos fundamentais.
Mas
há mais situações preocupantes relacionadas com a aplicação do atual
código civil em processos de interdição/inabilitação. Um senhor com um
ligeiro défice cognitivo foi alvo de um processo de inabilitação por
parte do seu filho mais velho, que tinha por objetivo o controlo da
empresa e do património do seu pai. Esse filho sabia que,
independentemente da vontade do seu pai, o tribunal o nomearia curador
do pai, dando-lhe o controlo da vida e dos bens paternos. Mesmo que tal
controlo contrariasse a vontade do pai.
É a lei que
temos, cega e violadora dos direitos fundamentais, vontades e
preferência dos cidadãos mais fragilizados, e que, inacreditavelmente,
se mantém em pleno século XXI, num Estado-Membro da União Europeia, 9
anos depois de Portugal ter ratificado a CIDPD.
Urge alterar esta lei violadora dos direitos básicos dos cidadãos com capacidade diminuída. Está a circular uma petição que solicita legislação
que consagre o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais pelas pessoas com capacidade diminuída.
Neste
momento tem 2560 assinaturas. Com 4000 assinaturas este assunto será
discutido no plenário da Assembleia da República, esperando-se que,
finalmente e tardiamente, a legislação seja alterada, em obediência ao
disposto na CIDPD.
Afinal, Portugal é ou não um Estado de Direito?
*Teresa Silva (primeira signatária da petição)
**Maria do Rosário Zincke dos Reis (sétima signatária da petição)
IN "VISÃO"
08/02/18
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