O teu umbigo
não é o mundo
O Jorge era uma das pessoas que eu acompanhava no meu trabalho enquanto voluntária do CASA – Centro de Apoio ao Sem-Abrigo.
Com a nossa ajuda, em junho encontrou um emprego que lhe permitiu
endireitar a vida, esperamos nós, definitivamente. E é hoje um dos
melhores colaboradores do local onde trabalha. Esforça-se sempre – e
muito – para não desiludir quem acreditou nele.
Todas as semanas recebo uma mensagem do Jorge a
agradecer-me. Alguém que passou de não ter quase nada, para ter mais
qualquer coisa, e que luta diariamente para vir a ter mais, não pede. Só
agradece.
Passamos a vida descontentes com o que temos.
Passamos a vida a sentir que “a galinha da vizinha é melhor do que a
minha”. Passamos a vida a achar que merecemos mais. E a pedir mais.
Esquecemo-nos de pensar na sorte que temos. Mesmo quando passámos o ano com saúde, a dar ao pedal, com as contas pagas, e um pingo de sorte, pedimos mais. Chamamos-lhes desejos de ano novo. Vale tudo.
Ao ponto de usarmos cuecas com a cor a condizer com o pedido, ou
subirmos para cima de um banco com uma nota na mão, entre tantas outras
superstições sem fundamento (para não as chamar idiotas).
Engolimos a custo as 12 passas só para fazer 12 pedidos diferentes. Mais saúde, mais trabalho, mais dinheiro, mais, mais…Seja o que for, tem que ser sempre a somar.
Dito isto, pergunto: se somos tão bons a chegar ao
fim do ano e a pedir, que tal invertermos a coisa e fecharmos antes o
ano a agradecer? Porque tivemos a energia necessária para ir para o
trabalho. Porque fizemos parte de alguma coisa, ou da vida de alguém.
Porque fizemos a diferença, quando estivemos por perto. E falta, quando
não conseguimos estar. Ou até agradecer coisas mais concretas como
sentirmos o sol no corpo, a chuva na cara, o sal na boca, o cheiro que
sai da lareira acesa ou do café acabado de fazer.
A verdade é que não estamos habituados a olhar para o lado. A verdade é que não prestamos atenção a quem nos rodeia. Somos egocêntricos.
Tão egocêntricos, que vivemos felizes presos ao nosso quintalinho, onde
só entra quem pensa, fala e se move como nós pensamos, falamos e
movemos. No meio disto tudo, raramente nos lembramos que o mundo não
gira à nossa volta e que há muito mais além do nosso umbigo.
E acontece que, quando o ano nos pede um balanço, em vez de agradecermos, pedimos.
O Jorge enviou-me uma mensagem em que dizia que fui o
seu melhor presente deste Natal. E tudo o que me deseja é “paz, luz e
prosperidade”. Prosperidade “em valores”, salientou, para não ficar
nenhuma dúvida de que não precisamos de muito mais para vivermos gratos e
felizes nos próximos 12 meses. Obrigada, Jorge.
IN "DELAS"
05/01/18
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