05/02/2018

ANTÓNIO JOSÉ TEIXEIRA

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FOLHA DE ASSENTOS

A semana foi agitada por buscas e mais buscas. O País parece sob suspeita. Nem a justiça escapa. Há um cheiro a podridão. E não é apenas nos rios. No meio da voragem, importa garantir que não é tudo igual e se deve distinguir o trigo do joio.

lex. As suspeitas que recaem sobre um juiz desembargador dificilmente poderiam ser mais graves. Vender decisões judiciais é a negação absoluta da justiça. Não está provado. É inocente até prova em contrário, como qualquer cidadão a contas com a justiça. Compreende-se que um magistrado judicial tenha privilégios que possam assegurar a sua autonomia. Mas compreende-se mal que esses privilégios lhe confiram uma quase intocabilidade. Se a suspeita é grave, o mínimo que se exige é a suspensão imediata da sua actividade. Desconhece-se o âmbito de eventuais crimes, quantos processos poderão ter envolvido, quanto tempo se demorará a esclarecer o sucedido. Mas é urgente que se perceba que é preciso circunscrever os danos que pairam sobre a justiça. Dito isto, é bom que a lei seja mesmo igual para todos.

justiça. Os juízes devem ser livres. É inaceitável que possam ser objecto de qualquer condicionamento. É por isso que também se lhes exige um comportamento irrepreensível e acima de qualquer suspeita. Há cerca de seis anos, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses fez uma queixa-crime sobre o uso de cartões de crédito por parte dos membros do governo e dos seus gabinetes. A queixa ocorreu na sequência de um diferendo entre os magistrados e o governo de José Sócrates a propósito da tributação de subsídios dos juízes. O processo teve várias peripécias e passou em revista dezenas de governantes e seus gabinetes. Sabe-se agora que há dois antigos secretários de Estado de Sócrates acusados de peculato. Durante os anos em que governaram, um terá usado 400 euros e outro 14 mil euros na compra de livros e revistas. São necessárias regras claras e escrutínio no uso de dinheiros públicos. O Tribunal de Contas já o tinha feito. O que é estranho é que sejam os próprios juízes a moverem acções contra o governo, quando estão em litígio com esse governo, juízes que vão julgar os governantes. É tudo legal, mas a aparência não é boa.

porcaria. Há um estranho direito que perdura: o direito a sujar, conspurcar, infectar, contaminar, poluir. A ideia de que podemos emporcalhar o que é de todos, que podemos destruir o que sustenta a nossa pegada, é uma ideia tão irracional como difícil de combater. Fazer porcaria vai do excremento do cão, deixado no passeio, à suinicultura que escorre para a ribeira ou à celulose que invade o rio. Por muito que se legisle, o cidadão não se comove, irrita-se se os serviços municipais não cuidam da limpeza, mas não deixa de sujar a rua porque os homens do lixo depois hão-de limpar. O mesmo acontece com a indústria. Se deixa detritos e polui, isso são danos colaterais, inerentes à actividade económica. Afinal, dá emprego e gera riqueza. Se parar de poluir, cria desemprego e prejuízo ao empregador. Não se sai desta (falta) de lógica e os governos não se atrevem a quebrá-la. A porcaria que continua a invadir o Tejo, com mais ou menos espuma, só acaba quando o Estado tiver a coragem de encerrar a actividade poluidora. Não é uma inevitabilidade.

artificial. A inteligência artificial atravessou as discussões de Davos. Muitos a olharam como salvadora, como "o mais importante em que a humanidade jamais trabalhou", disse o CEO da Google, Sundar Pichai. Terá um efeito mais profundo do que a electricidade ou o fogo, acrescentou. O optimismo reinou, mas houve vozes dissonantes, como a do especulador e filantropo George Soros. Porquê? Porque empresas como a Google e Facebook se tornaram tão poderosas e influentes que, como notou Moisés Naim, condicionam o pensamento e o comportamento das pessoas sem que elas tenham consciência disso. Ou seja, são perturbadoras da concorrência e da inovação, mas também da liberdade e da democracia. Soros defende maior regulação, pois aquelas empresas são quase monopólios. O oposto dos princípios alardeados pelo Presidente americano: menos impostos e menos regulação. Menos 22 regulações por cada nova introduzidas, a nova regra de Trump. Um mundo sem regulação seria decerto o paraíso… Em 2017, a Google somou outro recorde, tornou-se o maior lobista americano.

convicção. Mudar de opinião comporta riscos, desde logo de incoerência, mas também de inteligência. Custa mudar de opinião. É pouco abonatório entrar em contradição. É certo que aqueles que alteram o seu julgamento em presença de novos factos ou numa releitura da informação disponível são algumas vezes vistos com apreço. Nem sempre no imediato. Retratado no filme "A Hora Mais Negra", Winston Churchill é um exemplo das virtudes da mudança de opinião. Perante o avanço nazi na Europa, chegou a pensar em negociar com os alemães. O peso de decisões erradas no passado e a consciência de que não se pode negociar com ditadores fizeram-no reconsiderar. Como diz no filme, "aqueles que não mudam de opinião, nunca mudam nada". Mas mudar de opinião é difícil e pouco habitual. E não depende apenas da muita ou pouca informação disponível. A primeira impressão, o (des)encontro dos factos com as convicções e a carga emocional da informação são factores determinantes na formação e consolidação de um juízo. Pouco importam as provas, as evidências. A convicção resiste demasiadas vezes aos factos que a contradizem. E os manipuladores sabem disso.

lutador. Edmundo Pedro merece ser lembrado não apenas como testemunha e participante intenso na história portuguesa de um século, mas pelo carácter indomável de homem livre. São poucos os que foram postos à prova de violências tão cruéis. São poucos os que deram tamanho exemplo de resistência. Por ter participado na organização de uma greve geral em 1934 foi mandado para o Tarrafal. Ele e o pai. Tinha apenas 15 anos, trabalhava desde os 13 no Arsenal do Alfeite. Ficou 10 anos encerrado no Tarrafal. Foi a primeira de muitas outras prisões no combate contra a ditadura. Ironia da sua e da nossa história, foi também preso em 1978. Estava a recolher armas para devolver às Forças Armadas, armas que lhe tinham sido confiadas no período revolucionário por Ramalho Eanes. Preferiu ser preso a denunciar quem podia explicar a situação. Atitude de toda uma vida de um lutador firme e convicto na liberdade.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
02/02/18

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