FOLHA DE ASSENTOS
A semana foi agitada por buscas e mais buscas. O País parece sob suspeita. Nem a justiça escapa. Há um cheiro a podridão. E não é apenas nos rios. No meio da voragem, importa garantir que não é tudo igual e se deve distinguir o trigo do joio.
lex. As suspeitas que recaem sobre um juiz
desembargador dificilmente poderiam ser mais graves. Vender decisões
judiciais é a negação absoluta da justiça. Não está provado. É inocente
até prova em contrário, como qualquer cidadão a contas com a justiça.
Compreende-se que um magistrado judicial tenha privilégios que possam
assegurar a sua autonomia. Mas compreende-se mal que esses privilégios
lhe confiram uma quase intocabilidade. Se a suspeita é grave, o mínimo
que se exige é a suspensão imediata da sua actividade. Desconhece-se o
âmbito de eventuais crimes, quantos processos poderão ter envolvido,
quanto tempo se demorará a esclarecer o sucedido. Mas é urgente que se
perceba que é preciso circunscrever os danos que pairam sobre a justiça.
Dito isto, é bom que a lei seja mesmo igual para todos.
justiça.
Os juízes devem ser livres. É inaceitável que possam ser objecto de
qualquer condicionamento. É por isso que também se lhes exige um
comportamento irrepreensível e acima de qualquer suspeita. Há cerca de
seis anos, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses fez uma
queixa-crime sobre o uso de cartões de crédito por parte dos membros do
governo e dos seus gabinetes. A queixa ocorreu na sequência de um
diferendo entre os magistrados e o governo de José Sócrates a propósito
da tributação de subsídios dos juízes. O processo teve várias peripécias
e passou em revista dezenas de governantes e seus gabinetes. Sabe-se
agora que há dois antigos secretários de Estado de Sócrates acusados de
peculato. Durante os anos em que governaram, um terá usado 400 euros e
outro 14 mil euros na compra de livros e revistas. São necessárias
regras claras e escrutínio no uso de dinheiros públicos. O Tribunal de
Contas já o tinha feito. O que é estranho é que sejam os próprios juízes
a moverem acções contra o governo, quando estão em litígio com esse
governo, juízes que vão julgar os governantes. É tudo legal, mas a
aparência não é boa.
porcaria. Há um estranho
direito que perdura: o direito a sujar, conspurcar, infectar,
contaminar, poluir. A ideia de que podemos emporcalhar o que é de todos,
que podemos destruir o que sustenta a nossa pegada, é uma ideia tão
irracional como difícil de combater. Fazer porcaria vai do excremento do
cão, deixado no passeio, à suinicultura que escorre para a ribeira ou à
celulose que invade o rio. Por muito que se legisle, o cidadão não se
comove, irrita-se se os serviços municipais não cuidam da limpeza, mas
não deixa de sujar a rua porque os homens do lixo depois hão-de limpar. O
mesmo acontece com a indústria. Se deixa detritos e polui, isso são
danos colaterais, inerentes à actividade económica. Afinal, dá emprego e
gera riqueza. Se parar de poluir, cria desemprego e prejuízo ao
empregador. Não se sai desta (falta) de lógica e os governos não se
atrevem a quebrá-la. A porcaria que continua a invadir o Tejo, com mais
ou menos espuma, só acaba quando o Estado tiver a coragem de encerrar a
actividade poluidora. Não é uma inevitabilidade.
artificial.
A inteligência artificial atravessou as discussões de Davos. Muitos a
olharam como salvadora, como "o mais importante em que a humanidade
jamais trabalhou", disse o CEO da Google, Sundar Pichai. Terá um efeito
mais profundo do que a electricidade ou o fogo, acrescentou. O optimismo
reinou, mas houve vozes dissonantes, como a do especulador e filantropo
George Soros. Porquê? Porque empresas como a Google e Facebook se
tornaram tão poderosas e influentes que, como notou Moisés Naim,
condicionam o pensamento e o comportamento das pessoas sem que elas
tenham consciência disso. Ou seja, são perturbadoras da concorrência e
da inovação, mas também da liberdade e da democracia. Soros defende
maior regulação, pois aquelas empresas são quase monopólios. O oposto
dos princípios alardeados pelo Presidente americano: menos impostos e
menos regulação. Menos 22 regulações por cada nova introduzidas, a nova
regra de Trump. Um mundo sem regulação seria decerto o paraíso… Em 2017,
a Google somou outro recorde, tornou-se o maior lobista americano.
convicção.
Mudar de opinião comporta riscos, desde logo de incoerência, mas também
de inteligência. Custa mudar de opinião. É pouco abonatório entrar em
contradição. É certo que aqueles que alteram o seu julgamento em
presença de novos factos ou numa releitura da informação disponível são
algumas vezes vistos com apreço. Nem sempre no imediato. Retratado no
filme "A Hora Mais Negra", Winston Churchill é um exemplo das virtudes
da mudança de opinião. Perante o avanço nazi na Europa, chegou a pensar
em negociar com os alemães. O peso de decisões erradas no passado e a
consciência de que não se pode negociar com ditadores fizeram-no
reconsiderar. Como diz no filme, "aqueles que não mudam de opinião,
nunca mudam nada". Mas mudar de opinião é difícil e pouco habitual. E
não depende apenas da muita ou pouca informação disponível. A primeira
impressão, o (des)encontro dos factos com as convicções e a carga
emocional da informação são factores determinantes na formação e
consolidação de um juízo. Pouco importam as provas, as evidências. A
convicção resiste demasiadas vezes aos factos que a contradizem. E os
manipuladores sabem disso.
lutador. Edmundo
Pedro merece ser lembrado não apenas como testemunha e participante
intenso na história portuguesa de um século, mas pelo carácter indomável
de homem livre. São poucos os que foram postos à prova de violências
tão cruéis. São poucos os que deram tamanho exemplo de resistência. Por
ter participado na organização de uma greve geral em 1934 foi mandado
para o Tarrafal. Ele e o pai. Tinha apenas 15 anos, trabalhava desde os
13 no Arsenal do Alfeite. Ficou 10 anos encerrado no Tarrafal. Foi a
primeira de muitas outras prisões no combate contra a ditadura. Ironia
da sua e da nossa história, foi também preso em 1978. Estava a recolher
armas para devolver às Forças Armadas, armas que lhe tinham sido
confiadas no período revolucionário por Ramalho Eanes. Preferiu ser
preso a denunciar quem podia explicar a situação. Atitude de toda uma
vida de um lutador firme e convicto na liberdade.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
02/02/18
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