Assaltaram os Correios
Não são apenas as pontuais cartas ao Pai
Natal, todo o correio arrisca hoje atrasos ou extravio. A distribuição
não é diária, e o serviço piorou a olhos vistos desde que se começou a
preparar a privatização dos CTT. Em 2014, o então secretário de Estado
do governo PSD/CDS, Sérgio Monteiro, vangloriava-se da operação: "O
exemplo que os CTT dão de uma empresa 100% colocada no mercado de
capitais é um exemplo que deve inspirar muitos outros grupos
empresariais". Os CTT provaram ser uma referência inspiradora para
grupos privados. Mas são também um exemplo de má prestação de serviço
público e, sobretudo, de um negócio ruinoso para a própria empresa, para
o Estado e para o país.
Antes da
privatização, o Governo de Passos e Portas garantiu aos futuros
acionistas dos CTT dois brindes: a venda exclusiva dos certificados de
aforro, e uma licença bancária para transformar a imensa rede dos
Correios num banco. A oportunidade não foi desaproveitada e, em dezembro
de 2013, 68,5% do capital dos CTT foi disperso em bolsa, tendo como
maiores compradores o Goldman Sachs, Deutsche Bank e o Unicredit. Apesar
de terem sido proprietários da empresa apenas durante 25 dias de 2013,
estes acionistas decidiram para si uma muito choruda distribuição dos
lucros desse ano.
Meses depois, os CTT
valiam já em bolsa mais 240 milhões em relação ao valor da venda. Um
verdadeiro Euromilhões para os bancos e fundos estrangeiros que tinham
comprado as ações na primeira fase de privatização. Em 2014, o Governo
da Direita vende os restantes 31,5% por menos 343 milhões que o valor de
mercado do dia anterior.
Os Correios são uma empresa lucrativa. Já
eram muito antes da privatização (500 milhões de lucros entre 2005 e
2013). A diferença é que, agora, esses lucros não estão a ser entregues
ao Estado ou reinvestidos na empresa, mas estão a ser apropriados pelos
seus acionistas. Em 2012, os lucros foram de 36 milhões, mas 50 milhões
foram para os acionistas. Em 2013, de um lucro de 61 milhões, 60 milhões
foram distribuídos. No ano seguinte, foram distribuídos 70 dos 78
milhões de lucro. Em 2015, entregaram 71 milhões e o lucro tinha sido 72
milhões. Finalmente, em 2016, pouco tempo antes de a empresa anunciar
que iria dispensar 800 trabalhadores, os acionistas ficaram com 74
milhões em dividendos. Acontece que, nesse ano, a empresa tinha lucrado
apenas 62 milhões, o que quer dizer que o resto veio das reservas dos
CTT. Estão a descapitalizar a empresa.
Os
CTT prestam hoje um serviço pior. Há trabalhadores em falta e
desrespeito pelos existentes. E, agora, a mesma Administração e os
mesmos acionistas que estão a enriquecer com o assalto aos CTT anunciam a
necessidade de dispensar mais 800 pessoas. É uma afronta, que só pode
ter uma resposta, o resgate dos Correios para a esfera pública de onde
nunca deviam ter saído.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
27/12/17
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