Carrilho hipnotizou
juíza em tribunal
Há alturas em que tenho profundas saudades do "O Jornal do Incrível".
Com manchetes de galinhas com 3 patas e bezerros com rabos de porcos e
outros fenómenos grotescos, para poder ler na capa: "Carrilho hipnotizou
juíza em tribunal" ou algo assim.
Joana Ferrer, com um conhecido
fascínio pelos últimos dias do Hitler e pela selecção de futebol alemã,
cujos jogos assiste fora de casa é, no mínimo estranha. Não por causa
disso, mas pelas ideias que tem acerca da realidade. Como achar que
depois de uma mulher levar do marido pensa logo em ir para o Instituto
de Medicina Legal mostrar as nódoas negras. Ou falar para a esquadra:
"Acudam! Sou a Bárbara Guimarães e o meu marido bateu-me!". Bom, se
fosse o piquete aqui da minha esquadra, desligava-me logo o telefone na
cara.
Como subterfúgio emocional ou
incapacidade de compreender este acórdão alienígena, prefiro achar que o
acusado teve o poder de a hipnotizar com as suas exaltações e
linguagem. Joana Ferrer deve passar os dias num casulo a ouvir Wagner
(só e mais nada), a ver fotografias da Leni Riefenstahl e aquelas
célebres paródias do youtube com o Bruno Ganz a fazer de Hitler e a
perceber que tudo lhe está a correr mal. Será que tem o desejo oculto de
vir um dia a legendá-las com uma sentença sua? Porque isto parece mesmo
um divertimento de algum adolescente criativo.
No século
corrente, uma magistrada considerar que o dinheiro resolve problemas
domésticos, que vítimas de maus tratos físicos e psicológicos não têm
sentimentos de vergonha quando são maltratadas, são raciocínios que põe
em causa tratados de psicologia, sociologia e, ouso dizer, anos de
trabalho de juristas realmente empenhados a construir uma sociedade mais
justa.
Será
que vê pouca televisão? O quiosque de jornais e revistas da sua área de
residência terá fechado? Ah, se calhar está desconectada da net ou, quem
sabe, do próprio dia-a-dia. É que estes assuntos também se vão ouvindo
aqui e ali. Ninguém mete conversa com ela no café? Deve ter o problema
da Bárbara Guimarães, mas ao contrário. Ninguém fica a olhar para ela
nem lhe pede um autógrafo. Claro que na comunicação social ninguém expõe
a sua vida por ser figura pública há anos seguidos.
Que filmes,
discos, vídeos, revistas ou material devemos enviar para Joana Ferrer
na esperança que a realidade e a ficção lhe mostrem que uma "mulher
autónoma e independente", como diz ser Bárbara Guimarães, que fez
questão de começar por tratar pelo próprio nome, perceber que há outras
formas de um ser humano reagir em contextos adversos?
Vou fazer
uma tentativa. Que tal começar por lhe mandar o "ShreK", para perceber
que há monstros bonitos e príncipes cretinos? Talvez "A Bela e o
Monstro" não seja grande ideia. Ainda capaz de achar que a estamos a
querer condicionar e isso, pronto, também se percebe. Se calhar, mais
vale disponibilizar-lhe o visionamento uma coisa mais básica. Para
crianças a partir dos três anos. Temo que "Gru – O Maldisposto" já lhe
seja de certa forma familiar... Se a juíza tem particular interesse que
queda do III Reich deve ter visto gente mesmo indisposta. Má ideia...
Talvez
seja mais adequado que assista a alguma fita com seres humanos, não vá
achar que a inteligência e bom-senso não comparecem até nos filmes para
criancinhas. Se, ao menos, tivesse lido "O Pequeno Príncipe", já teria
sido uma grande mais-valia para a sua formação. Mas será que entende que
é um livro sobre sentimentos? Será que que sabe que estes existem e que
ficam baralhados sempre que uma pessoa é insultada ou agredida pelo
marido e pai dos filhos?
Seria mais confortável, para todos,
acreditar que os acessos de cólera de Manuel Maria Carrilho,
testemunhados e relatados por jornalistas, a tivessem, simplesmente,
hipnotizado. É que assim colocávamos esta decisão no leque de "notícias"
do "Jornal do Incrível". Sempre teria uma ligeira conexão com a
realidade. Pouquinha é certo. Mas sempre era melhor que nada.
IN "SÁBADO"
16/12/17
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