Estes homens riem de quê?
Se o Governo perdeu o estado de graça com a tragédia de Pedrógão Grande e caiu em desgraça com os dramáticos incêndios de 15 de outubro, sinceramente não se percebe como altas figuras do PS e do Estado têm a cara de pau de continuar sorrindo, rindo, ou achando que os portugueses devem achar piada ao que quer que seja.
Sobretudo para quem, como o PS - e seus parceiros de maioria
parlamentar, BE e PCP -, andou anos a combater os ‘excessos’ de
austeridade do Governo PSD-CDS de Passos Coelho e Paulo Portas, clamando
que, ao invés do cumprimento socialmente insensível das exigências da
troika credora, havia que colocar como prioridade do Executivo e das
suas políticas as pessoas, as famílias, os trabalhadores e as classes
mais desfavorecidas.
Pedro Passos Coelho, quando tomou posse como
primeiro-ministro em 2011, foi criticado e condenado pela Oposição em
peso, por pedir desculpa aos portugueses de fazer tábua rasa de um
conjunto de promessas eleitorais e exigir-lhes sacrifícios gigantescos
para tirar o país do risco iminente da bancarrota e cumprir os
compromissos assumidos como contrapartida pelo Fundo Monetário
Internacional, pelo Banco Central Europeu e pela Comissão Europeia.
Ao longo dos anos, em desfavorável ciclo internacional,
económico e financeiro, PS, BE e PCP insistiram sempre no discurso da
insensibilidade social de Passos e do Executivo por ele liderado,
denunciando que a política de austeridade do Governo ia para além das
exigências da (mal)dita troika.
Porventura, estariam certos. Tanto que, uma vez chegados ao
Governo e em menos de meio mandato, já o PS tinha cumprido todas as
reivindicações de bloquistas e comunistas escritas nos acordos com que
lhe garantiram maioria parlamentar.
Acontece que, para tanto, embora beneficiando da margem
herdada e de conjuntura internacional, e europeia, bem menos
desfavorável, o Governo sacrificou todo o investimento nas funções
essenciais do Estado.
Na segurança dos portugueses, na saúde, na educação, na defesa...
Em entrevista à revista Visão, a propósito do segundo
aniversário como segunda figura do Estado, Eduardo Ferro Rodrigues diz
não ser apologista de pedidos de desculpa públicos de eleitos a
eleitores e sorri quando fala da forma como António Costa reconheceu que
não o podia deixar de fazer, «acabando por fazê-lo com alguma
dificuldade».
E volta a gracejar quando fala de Tancos e dos «aspetos
altamente cómicos» de um caso que, porém, ele próprio reconhece como
«muito grave».
De permeio, volta a deixar no ar a ideia de que, em Tancos
como noutros casos de Justiça da nossa história, há uma ‘cabala’
qualquer por explicar.
A notícia do desaparecimento de um verdadeiro arsenal
militar dos paióis de Tancos, coincidentes com o incêndio de Pedrógão, e
o reaparecimento da quase totalidade desse material de guerra meros
dias depois dos fogos de 15 de outubro, tem, de facto, ainda muito por
explicar - incluindo tamanha coincidência.
Mas que o presidente da Assembleia da República assim fale
sobre caso que põe a nu a fragilidade de um Estado em claro défice de
autoridade é que lhe fica muito mal.
Porque é por este tipo de comportamentos - de quem, ainda
por cima, confessa não gostar «de dar, simplesmente, a outra face» e que
alardeia preferir «assumir as responsabilidades», sem que desta
expressão resulte mais do que uma mera afirmação de retórica - que, aos
olhos do povo, o Estado perde credibilidade.
Como perde credibilidade quando não cumpre os mais
elementares deveres de segurança. Seja na defesa de material militar,
seja, sobretudo, na defesa da vida dos seus cidadãos e dos seus bens
mais essenciais - habitação, bens, trabalho, sustento.
Pode o PCP insistir em querer saber se o investimento
absolutamente prioritário na prevenção e combate aos fogos - na reforma
florestal e de todas as estruturas e meios associados à proteção civil -
vai ou não prejudicar os compromissos que o PS já assumira de
restituição de direitos adquiridos aos trabalhadores, ou o BE exigir
responsabilidades ao Governo - sem consequência alguma - por ter falhado
tão clamorosamente como falhou.
A verdade é que, por tudo o que se passou nos últimos meses,
e porque o Estado votou ao abandono e à sua sorte as pessoas e
particularmente as mais desfavorecidas e indefesas no interior do país, é
preciso ter cara de pau para, no final, continuar a sorrir.
Ou, para cúmulo, ainda atirar um chorrilho de impropérios
sobre o Presidente da República que deixou de andar com o Governo ao
colo para lhe exigir, como mais cedo o devia ter feito, que assuma as
suas responsabilidades e governe a pensar nas... pessoas.
Mal vai António Costa - o PS e o Governo - se, agora que a
‘geringonça’ dá sinais de fragilidade maior (e não faltam temas que a
farão abanar, da proibição da pesca da sardinha à política de segurança e
defesa comum da União Europeia), compra guerra com Marcelo e ataca
quem, até com as críticas ao Executivo, lhe atalha caminho para não
perder de vez a confiança dos portugueses.
P.S. Ao fim de dois anos como presidente da AR, Ferro
Rodrigues faz um balanço muito positivo do trabalho do Parlamento nesta
legislatura. O Conselho de Fiscalização das secretas continua sem
solução, a nova composição da Entidade Reguladora da Comunicação social
idem, a provedora de Justiça foi eleita por um voto. Não há noção.
E, já agora, o que se passará para o Presidente da República
ainda não ter dado posse à nova chefe das secretas, ouvida na AR há
mais de um mês?
IN "SOL"
28/10/17
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