HOJE NO
"RECORD"
Carla Oliveira:
«Passei a ver o que há de bom no mau»
Atleta de boccia padece de distrofia muscular das cinturas, mas nunca virou a cara à luta
Quando, em plena adolescência, lhe foi diagnosticada uma
distrofia muscular das cinturas (doença que lhe retirou toda a
mobilidade nos membros inferiores), Carla Oliveira poderia ter-se
‘rendido’.
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CORAJOSA E LINDA |
Mas não lhe estava no sangue voltar a cara à luta. O
problema, detetado aos 10 anos, começou a fazer-se sentir aos 8, quando
passou a ter problemas de equilíbrio e as quedas se tornaram frequentes.
Inicialmente, os médicos pensavam tratar-se de algo associado à fase de
crescimento, mas não era bem assim. De forma gradual a doença fez-se
notar e, aos 15, acabou por tornar-se mais evidente.
Carla assume ter
passado por uma "fase complicada", especialmente por ter sido enfrentada
durante a adolescência, mas com a ajuda da sua mãe conseguiu dar a
volta por cima.
"Ela viu muito potencial onde ninguém conseguia ver, sempre
me valorizou pelas coisas boas que tinha e conseguiu ver além do
momento. Lembro-me que me levava a jantares de turma, quase me obrigava a
ir, de surpresa… Fez-me ver o que de bom existia no mau", recorda-nos a
atleta de boccia do FC Porto, de 28 anos, que começou na modalidade…
aos ‘soluços’.
Tudo se iniciou aos 14, quando aquela "criança
supernormal, que corria, saltava e brincava" foi abordada pelos dragões
para assistir a uma demonstração de boccia. O primeiro impacto não
levava a crer que, por estes dias, o boccia seja o principal foco desta
atleta. "Não gostei da modalidade, pois achava-a muito calma, muito
pacífica." O boccia ficou por aí, mas apenas em ‘stand by’.
Seis anos
volvidos, depois de já se ter formado em Educação Social – já tem um
mestrado em Ciências da Educação –, surgiu novo convite dos dragões.
Desta feita, como o coração também fala mais alto, decidiu aceitar, mas
"sem grandes expectativas". "À medida que ia entrando em competição é
que fui percebendo quanto o boccia me podia dar e quanto eu estava
envolvida na modalidade", admite Carla Oliveira, que, no domingo, ajudou
Portugal a conquistar o ouro na prova de pares BC4 nos Europeus.
Atualmente, para lá de ser atleta do FC Porto, a atleta natural de
Lourosa é igualmente responsável da área social da secção de desporto
adaptado dos dragões, tendo como missão "dar resposta às necessidades
dos atletas", mas também "fazer uma intervenção mais comunitária e
trabalhar as questões da deficiência e da inclusão".
Problemas e os ‘probleminhas’
Com
a necessidade de se adaptar a uma nova realidade, Carla Oliveira admite
que muito mudou na sua vida, a começar pela forma como começou a ver
tudo em perspetiva. "O que era um problema antes de ter passado por tudo
isto, agora passa a ser insignificante, porque lidamos com tantos
problemas grandes, que depois simplificamos e desvalorizamos tudo o que
são os outros ‘probleminhas’", admitiu.
«É bom porque estás entretida...»
A frase que dá título a este artigo faz Carla ficar de cabelos em pé,
pois é desta forma que a abordam quando diz que pratica boccia. "Quando
me dizem isso percebo que não há valorização nenhuma do trabalho, porque
independentemente de estar ocupada com o boccia, eu sacrifico-me em
função do que é o desporto. Quando digo eu, falo também por todos os
meus colegas, porque treinamos mesmo muito! É um trabalho que nos sai do
corpo, para o qual temos de fazer esforços. Esforços como qualquer
atleta olímpico, como qualquer outro atleta independentemente da
modalidade, um atleta que leva as coisas a sério! E essa valorização não
existe por parte da sociedade de uma forma geral", admite.
Por
isso, defende que, para lá das barreiras arquitetónicas, um dos grandes
problemas que as pessoas com deficiência enfrentam "passa muito pelas
barreiras atitudinais", já que "as pessoas não têm noção da forma como
falam e que isso pode ser até ofensivo".
E como pode essa
abordagem alterar-se? Carla Oliveira admite que tudo muda com um
contacto mais habitual com a realidade. Aí tudo passa a ser visto de uma
forma mais natural: "Quem lida com pessoas com deficiência, consegue
ver muito para além daquilo que é a deficiência. Veem a verdadeira
pessoa e a sua essência."
* Sabemos o que é ser atingido por uma doença quase desconhecida e traiçoeira, a vida fica muito complicada, por isso temos grande admiração por quem no desporto supera a adversidade.
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