26/10/2017

ASCENSO SIMÕES

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Autoridade 
da Concorrência (zinha)

Os reguladores portugueses desconsideram a previsão plurianual das suas atividades de avaliação dos mercados e de supervisão. A AdC é dos que mais se nega a uma previsão de médio prazo

A leitura crítica da prestação de contas da Autoridade da Concorrência (AdC) nos últimos anos implica com qualquer tentativa de encontro de uma linha de conduta, de um desafio estratégico. Estamos perante um progressivo rotinar de decisões e iniciativas, uma menorização dos poderes e das obrigações de um supervisor essencial à nossa economia.

A AdC viveu, nos últimos cinco anos, com uma lei da concorrência que deveria servir para colocar Portugal no universo das melhores e mais exigentes práticas europeias. Em março de 2012, o parlamento aprovava as obrigações gerais da concorrência e concedia poderes públicos para um novo tempo de ação. O legislador cria mesmo um Tribunal especializado da Concorrência, Regulação e Supervisão a quem concede um largo campo de obrigações.

O tempo passado deveria levar a uma ponderação das habilitações concedidas. Porém, não há a consciência de que as novas ferramentas tenham obrigado a uma nova ação da AdC. Esta é uma circunstância que Portugal terá que ponderar – a avaliação da pertinência, da eficácia e da eficiência das suas políticas públicas.

Os poderes de investigação da AdC passaram a incluir buscas e apreensões domiciliárias, a veículos ou moradias dos gestores e trabalhadores das empresas sujeitas a investigação. Tem o país consciência do valor desta autorização, concede o país memória do seu uso e da sua consequência?

Os poderes de supervisão, amplamente alargados, passaram a incluir a existência de auditorias e inspeções sem autorização do Ministério Público. Conseguiremos identificar a vantagem desta norma se consagrarmos uma avaliação dos relatórios de atividades da AdC anteriores e posteriores a 2013?
Os limites para a verificação de informação relativa a operações de concentração passaram de 30% de quota de mercado para 50%. Encontramos uma análise cuidada que nos diga em que setores e que vantagens se verificaram na promoção da concorrência com esta nova realidade?

Os processos contraordenacionais passaram a alargar o seu âmbito de aplicação aos colaboradores, fiscalizadores, fornecedores de empresas. Conseguirá, alguma entidade pública portuguesa ou europeia de verificação encontrar relevância nos processos terminados pela AdC em que se tenha comprovado tal universo de “punição”?

Tudo isto deixa, a quem olha para as políticas de concorrência e quem verifica o funcionamento das instituições que a devem garantir, um sentimento de profunda deceção.

A lei de 2012 concedeu, ainda, uma discricionariedade acrescida na seleção das prioridades de gestão de processos e de verificação das práticas de concorrência. Se no que se revela importante para a melhoria dos contratos públicos a AdC inovou e provocou novos espaços de estudo e de questionamento, já no que se refere aos diversos setores da atividade económica e à relação com os reguladores sectoriais a relevância da atividade da AdC não se mostrou reforçada.

É fácil verificar que nem a própria definição dos setores e atividades prioritários têm um fundamento em tendências de mercado, nem respondem a prioridades nacionais, definidas pelo governo ou pelo parlamento. Uma discricionariedade incompreensível e sem fundamento, potenciando o desempenho pernicioso de um papel político por um organismo de regulação.

Os pareceres sobre os serviços de sistema no setor da eletricidade são bem o exemplo disso. Mesmo que tardia, a opção pela intervenção da AdC não se veio a revelar decisiva. A pergunta que se coloca é simples – o que impediu? A resposta é também simples – a visão burocrática e pouco afirmada publicamente do conselho regulador da autoridade.

Os reguladores portugueses desconsideram a previsão plurianual das suas atividades de avaliação dos mercados e de supervisão. A AdC é um dos que mais se nega a uma opção de médio prazo. Torna-se relevante verificar onde é que se fundamenta esta nossa consideração.

Inexiste o conhecimento concreto das áreas em que a AdC, num período de cinco anos, se propõe avaliar, com profundidade, o poder de mercado, as barreiras à entrada, as opções de chegada e de saída de empresas, as implicações nos custos das empresas concorrentes da ação da regulação e supervisão.
Mas também inexiste uma avaliação dos impactos legislativos sobre a concorrência, quer sejam de natureza nacional ou europeia, e dos se impõem por decorrência da abertura de mercados de proximidade. Aliás, a participação da Autoridade da Concorrência na OCDE assenta na recolha de ferramentas de identificação e investigação de distorções de mercado, mas ausentam-se quando se trata de avaliação do impacto dos reguladores na política pública.

A AdC não dispõe de uma análise das verificações legais e administrativas que limitam o universo dos setores e da variedade das empresas. Não há uma inscrição concreta e desenvolvida dos regimes em matéria de entrada, não há um acompanhamento da emissão de direitos exclusivos, nem uma leitura sobre as implicações dos regimes de circulação, entre Estados, de mão de obra, capital, serviços e bens.

A mesma AdC é arcaica numa verificação da tipologia dos regimes de publicidade e marketing, dos custos diferenciais e das obrigações de verificação da qualidade, como é insignificante na promoção da autorregulação e na leitura dos instrumentos que limitam a aplicação da legislação nacional, até na sua isenção, em diversas atividades económicas.

Mas mais relevante, para o universo dos portugueses, é a impossibilidade prática de se saber medir o poder de escolha dos consumidores, de se avaliar as implicações da informação perante as obrigações de integração de cadeias de valor relativas às produções nacionais. Por exemplo, o que a AdC fez ou contribuiu para se saber, de forma sustentada, se existe ou não, abuso na captura de lucros do setor da distribuição? É, ou não é, um evidente caso onde a AdC, tendo meios fartos, poderia, deveria, apresentar, de uma vez por todas, evidências cabais?

A AdC deu-nos conta da sua satisfação por se encontrar numa posição média na avaliação pelas entidades internacionais. Já mostrámos a nossa inquietação por essa acomodação. Mas a AdC diz-nos também dos impactos que as suas atividades tiveram na atividade económica, até consegue medir, em milhões de euros, esse impacto. Há, porém, um problema com esta prática – ela é meramente ilusória. O que a AdC deveria medir eram os impactos das práticas anticoncorrenciais que levaram à intervenção, aos processos de contraordenação e até aos processos crime. Mas isso seria esperar muito de uma entidade que tarda a entrar na madurez.

*Deputado do PS

IN "i"
23/10/17

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