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* Médico Pediatra
IN "i"
19/09/17
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Já lá vai o tempo da
“avozinha do Capuchinho Vermelho”…
Os avós são elementos fundamentais, estruturantes
e afetivos, enquadradores e confidentes, mesmo que por vezes extravasem
um pouco as suas competências e entrem no domínio dos pais, o que
origina alguns conflitos. Mas é assim… são os avós, eles próprios pais
de poucos filhos e, portanto, ainda mais sequiosos de ter aquele bebé
que gostariam de ter tido. Todavia, há também que respeitar a sua
independência e entender que os avós têm direito a uma vida própria…
felizmente!
Num curto espaço de tempo, os avós passaram por
grupos etários e sociais muito diversos. Há escasso tempo, eram pais de
muito filhos e não trabalhavam. Depois, começaram a ser muito novos e
ainda com vida ativa. Finalmente, com novos casamentos e uniões, e uma
vida mais completa e diversificada, são avós que, por vezes, têm eles
próprios filhos quase da idade dos netos, querem viver a sua vida e têm
mais interesses do que apenas trabalhar e viver a reforma a olhar para a
televisão.
Uma coisa é certa: os avós atuais são, na sua maioria, muito mais
letrados do que nas gerações anteriores (o que não significa
obrigatoriamente mais cultos) e vivem também mais longe dos filhos e,
consequentemente, dos netos; mesmo quando vivem perto, as dificuldades
de mobilidade e o rolo compressor do quotidiano provocam um afastamento
que não tem forçosamente de ser o geográfico.
Por outro lado, depois de um salto geracional muito grande, os
paradigmas dos atuais avós são um “tira daqui, põe dali” muito
semelhante aos dos filhos e dos netos. A moda, quando chega, é para
todos, como é a televisão, a tecnologia e a capacidade de estar no
computador ou nas redes sociais.
É óbvio que há sempre algumas diferenças como, para muitos, a
nostalgia de que a educação “dos seus tempos” é que era boa, mesmo
quando os “seus tempos” não foram factualmente os melhores. Outra coisa
também é certa: os avós sabem que o tempo não perdoa e sentem-no todos
os dias, seja na pele, nos ossos ou nas forças que começam a faltar,
seja no emprego para o qual não se vai com a mesma alegria, ou com a
dura realidade de, perante uma nova perspetiva de trabalho, a resposta
ser “sim, o senhor tem competência, sim, mas… a idade, mas também
porque, usando uma metáfora, se a criança é o fogo que nos aquece,
quando há pais no meio, os avós sentem-se mais afastados desse “centro
de vida” e, portanto, corre um certo arrepio nas costas… até porque,
olhando para trás, veem a “cortina” humana já muito retalhada, sem
bisavós e muito menos trisavós. No fundo, é a constatação de que a
finitude do tempo existe e se aproxima, queiramos ou não, demos ou não
conta disso.
Em geral, a sociedade não reserva aos mais idosos e, portanto, a
muitos avós uma perspetiva de vida verdadeiramente interessante: ou os
obriga ainda a trabalhar porque a reforma é tardia e não existe (o que é
incrível!) um sistema em que, a partir de certa idade, se possa
continuar a trabalhar mas em part-time, se for esse o desejo das
pessoas, ou então arruma-os numa prateleira em frente a um televisor,
consumindo telenovelas e séries criminais.
Já poucos avós em 2017 se recordam da guerra colonial e da ditadura,
sofreram carências e pobreza. Viram nascer a democracia mas, depois de
um momento de esperança, não se sentem especialmente beneficiados por
ela – isso não obsta a que sintam uma atração/repulsão pelos “políticos”
e o que creem significar, considerando que “o mundo caminha para a
desgraça”, mesmo quando não é bem o caso, pesem as notícias dantescas
que chegam minuto a minuto, seja de um furacão, seja de um míssil
coreano, de um fait divers trumpista ou de um ataque do Daesh.
Os netos, para os avós que não desenvolveram uma vida plurifacetada e
cheia de interesses e desafios, são um bálsamo. Nesta Europa quase sem
rumo (e quase sem crianças!), a uma certa arrogância e falta de
afetividade das gerações seguintes, os avós podem ter a tentação de
responder com a autoridade e alguns vícios de poder das gerações
anteriores.
Muitos filhos acham também que os seus pais (na condição de avós,
portanto) servem para cuidar dos netos, ser bombeiros em caso de
necessidade, abdicarem da sua vida própria em prol das circunstâncias
dos filhos.
Todavia, é bom interiorizar que os avós, depois de criados e tornados
autónomos os filhos, têm direito a usufruir dos anos que lhes restam a
viverem um amor, a cumplicidade de quem está ao lado, sem que isso seja
interpretado como amar menos os filhos ou os netos. É bom que os avós
tenham vida própria, que, mesmo reformados, saiam, se divirtam, gozem o
tempo, não sejam escravos de mais ninguém.
Também é bom que, na ausência de objetivos e de programas na vida,
não sejam eles próprios intrusivos, dando constantes palpites na vida
dos filhos e tentando comandar a vida dos netos, com o argumento de que
“já educaram filhos”, imiscuindo-se na vida dos mais novos, explorando
desinteligências do casal, fazendo críticas por vezes malévolas ou
sufocando a relação dos mais novos, cobrando com juros elevados de
subserviência o apoio que deram, seja monetário para a compra de uma
casa ou de um carro, seja por tomarem conta dos netos e, assim,
“desenrascarem” os filhos.
Com as gerações a misturarem-se, os estilos de vida urbanos, as
pessoas a terem filhos em diversas décadas da vida e com perspetivas
culturais e sociais (felizmente) cada vez mais amplas, ser avó ou avô é
um “lugar” onde existe alguma indefinição.
Todavia, espero que muitos, mas mesmo muitos, dos avós que leem estas
palavras afirmem com vigor: “Ajudaremos os nossos filhos e fruiremos
dos netos. Tentaremos ensiná-los e dar-lhes mimo sem os estragar.
Seremos educadores, mas respeitadores da vontade dos pais. Não os
substituiremos nas suas funções… e temos muitas coisas interessantes
para fazer, para quase nos bastarmos a nós próprios, e fazer “a coisa
mais divina que há no mundo, que é viver cada segundo como nunca mais”,
como escreveu Vinicius de Moraes.
Avós e netos podem ser cúmplices, porque os extremos se tocam, mas
com a tolerância e a satisfação também ela cúmplice de quem ocupa a
faixa do meio. Ou resumindo: descobrir em cada fase da vida a riqueza de
cada indivíduo, redescobrindo em cada indivíduo a riqueza nobre e
infinita da humanidade.
* Médico Pediatra
IN "i"
19/09/17
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