03/07/2017

PIEDADE LALANDA

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 Igualdade para fazer a diferença

Será que a igualdade é um valor na nossa sociedade?

“A igualdade é possível? E é desejável?”, questiona o último número da revista XXI da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Juristas, cientistas sociais, políticos e técnicos, jornalistas e artistas refletem sobre esta utopia que, desde 1974, provocou mudanças significativas no quadro legislativo português, mas que continua por se concretizar e exige a atenção de todos, nomeadamente, para as subtilezas dos textos jurídicos, dos regulamentos de empresas ou das decisões de quem detém o poder.

Subtilezas que se manifestam numa necessidade injustificável de dominar os mais frágeis, de controlar a vida dos que não gritam na praça pública; “desatenções” que emperram a criação de melhores condições de vida, de quem é considerado improdutivo.

A igualdade não pode ser uma palavra que decora discursos ou uma ambição com “mas”, porque “o ideal seria, mas...”. Não há “mas” ou “meio mas” quando se acredita que é possível e desejável concretizar a igualdade na prática; fazer da justiça uma prioridade, nem que seja porque a desigualdade transpira exploração, e isso deveria ser desconfortável e envergonhar aqueles que a reproduzem.

Não há muitos anos, um jovem portador de uma deficiência olhou-me nos olhos e fez-me prometer que tudo faria para que a sua associação tivesse uma casa nova. Quem vive em associações dedicadas a pessoas diferentes, não lida com sombras, mas com vozes que se manifestam, nem sempre de forma percetível, alguns apenas compreendidos pelos pais ou por um educador atento.

Mas as suas vozes são claras quando se trata de reconhecer o conforto e as oportunidades, a atenção e o estímulo. Surpreendem quem não acreditaria serem capazes de cozinhar, interpretar emoções genuínas numa peça de teatro, tocar o coração dos outros com abraços fortes e sorrisos francos.
São essas pessoas que nos fazem ter vergonha quando não somos capazes de cumprir a palavra dada, porque se há quem não esqueça são eles, tantas vezes enganados, explorados e até humilhados por serem diferentes.

A palavra dada a uma pessoa com deficiência deveria ser ainda mais verdadeira, mais comprometida e concretizada.

Não posso, por isso, deixar de me sentir triste, sabendo que as crianças, os jovens e adultos que constroem a sua vida com o apoio de associações, como a Aurora Social ou a Associação dos Autistas, ainda agora, estejam à espera de um edifício sede. Sem nunca perder o empenho, a Aurora Social é um exemplo de inclusão pelo trabalho, promovendo pessoas que o mercado de emprego exclui, rejeita e nem com benefícios fiscais aceita empregar.

Mas, apesar das provas dadas e do exemplo que representam, há quem não cumpra a sua parte e não responda em tempo útil, neste caso, garantindo a concretização de um espaço onde possam crescer, ainda mais, e demonstrar a todos que acreditar na igualdade faz a diferença.

A igualdade não significa “tratar todos por igual”, mas agir com equidade. Associações que se esforçam por integrar pelo trabalho ou acolhem aqueles que a sociedade rejeita, ainda menos deveriam ser sujeitas ao adiamento de prazos, à burocracia do empata.

A igualdade é consequente, não se consegue com boas intenções. E isso só é possível se existir respeito por aqueles que, genuinamente, acreditam nas nossas palavras e promessas, mesmo as que são ditas em campanha eleitoral!

Retomando as questões iniciais. Igualdade: Desejável? Obviamente! Porque de outro modo a injustiça alastra de forma silenciosa, permitindo a repressão perfeita, onde quem a sofre, nem se apercebe. Possível? Sim. Basta fazer a diferença.

 IN "AÇORIANO ORIENTAL"
28/06/17


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