ESTA SEMANA NO
"SOL"
Femicídio ‘em Portugal o perigo
está dentro da família’
Há mulheres que morrem porque nasceram mulheres. Das 53 tentativas de femicídio em 2016, resultaram 22 vítimas mortais. Violência doméstica é o principal contexto.
Se muitos louvam a segurança que se vive nas ruas portuguesas, quando
comparadas à de outros contextos vizinhos, a segurança dentro das
famílias é um caso à parte. Segundo o Relatório Anual da Segurança
Interna de 2016, o crime de homicídio voluntário consumado continua a
ocorrer de forma expressiva em contexto relacional (vizinho/conhecido,
conjugal/análoga, parental/ familiar), num total de 47%. «Em Portugal,
os contextos de homicídio são historicamente de degradação de
relacionamentos humanos, em que as partes se conheciam e mantinham algum
tipo de relação que evoluiu para um estado de degradação», explica
Carlos Anjos, ex- inspetor chefe da Polícia Judiciária e atual
presidente da Comissão de Proteção às vítimas de crime. «Desde divisão
de terrenos à co-habitação, Portugal desde o início do século XX tem
este histórico, que de facto faz de nós tudo menos a imagem que querem
tentar vender: Nós nunca fomos esse povo de brandos costumes e em
Portugal o perigo está dentro das famílias, não na rua», diz ao explicar
que, ao longo dos anos, tem sido possível completar com sucesso o
decréscimo de todos os tipos de crimes, menos os de origem familiar.
.
Segundo o relatório, apenas 14% dos criminosos não tinham qualquer
relacionamento com as vítimas e a arma de fogo e a arma branca continuam
a ser os meios mais utilizados para a prática do crime. Dos dados
disponíveis na altura da concretização do relatório, havia apenas a
informação que 30 (menos oito que em 2015) das vítimas morreram em
contexto conjugal/ relação anóloga. Destas vítimas, 13 eram mulheres e 4
eram homens. No que toca a relação familiar/dependência económica há a
informação de que houve 13 vítimas, das quais sete eram mulheres e seis
eram homens.
Feminicídio
A União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), em continuidade ao
trabalho que desenvolve no âmbito do Observatório de Mulheres
Assassinadas (OMA), reuniu num relatório final sobre o ano de 2016, os
dados relativos ao Femicídio Consumado e Tentado ocorrido em Portugal e
noticiado pela imprensa entre o primeiro dia de janeiro e o último de
dezembro. Os números não diferem muito dos dados do relatório anual da
Segurança Interna, mas a discrepância existente deve-se, sobretudo, como
explica um inspetor da Polícia Judiciária, a alguns dados quanto à
origem do crime poderem não estar atualizados, já que eram apenas
reunidas informações de investigações concluídas na altura.
O femicídio consiste na concretização de um crime de homicídio
voluntário baseado no ódio ao género feminino. Segundo os dados do
observatório da UMAR, no ano de 2016 voltou a registar-se uma diminuição
de taxa de incidência do femicídio consumado e tentado, quando
comparado com o período homólogo dos últimos dois anos,
contabilizando-se um total de 22 femicícios consumados e 31 tentativas
de femicídio. Comparados a anos anteriores, com exceção de 2007 em que o
número de crimes foi igual, 2016 foi o ano com menor número de registos
em períodos homólogos.
No que ao femicídio diz respeito, a relação existente entre as
mulheres assassinadas e os autores do crime é, na sua maioria, baseada
em relações de intimidade presentes ou passadas, correspondendo a 64%
dos casos de homicídio feminino. Das restantes, 23% foram assassinadas
por descendentes, em primeiro ou segundo grau, apenas 9% foram
registadas como vítimas de ‘outros familiares’.
Entre 2004 e 2016, «a tendência de maior vitimização das mulheres é
às mãos daqueles com quem ainda mantinham uma relação, fosse ela de
casamento, união de facto, namoro ou outro tipo de intimidade» lê-se no
relatório do OMA que contabiliza 277 crimes nesta categoria, seguido
pelo grupo de 101 vítimas que foram mortas pelos ex-maridos,
ex-companheiros e ex-namorados.
Violência doméstica
Atendendo à suposta motivação/justificação verifica-se que a maioria
dos femicídios praticados e registados pelo OMA em 2016, 41% morreram em
contexto de violência doméstica. Dados que vão de encontro aos da
Polícia Judiciária que ao contexto de violência doméstica somam os de
relação passional que, em 2016, causaram 18 mortes. Desde 2013 o número
de mortes neste contexto tem vindo a diminuir, sendo que nesse ano e em
2014 se registaram 40 mortes, e 18 mortos em 2015.
Embora os números tenham vindo a descer, a preocupação das
autoridades é notória. Carlos Anjos, presidente da Comissão de Proteção
às Vítimas de Crime, explica que os países na Europa onde há maior
violência doméstica estão no norte, como é o caso da Finlândia. Porém,
os países latinos têm uma diferença no tipo de violência dos nórdicos:
enquanto no norte a violência é sobretudo de carisma psicológico, nos
países latinos é mais física e produz mais mortes.
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«O problema da violência doméstica é um problema de relacionamentos
humanos, temos de encarar isto como um facto», explica o ex-inspetor da
Polícia Judiciária que nos seus registos indica que no ano passado houve
99 homicídios, em que apenas 11 resultaram de crime cujos envolvidos
não se conheciam.
Uma das preocupações de Carlos Anjos é a de que nestes casos a
autoridade policial tem um papel pouco ativo na prevenção. «Somos um
país extremamente machista e, no que diz respeito à mulher, existe uma
carga social muito grave, uma equação machista». Como exemplo conta que
foi há pouco tempo a um casamento em que ouviu uma leitura bíblica que
induzia a mulher como um ser inferior ao homem. «Quando alguém lê uma
coisa daquelas num casamento, quando se assina um contrato em que a base
é esta, quando temos uma sociedade educada, isto é gravíssimo» comenta
explicando que o problema é ainda mais profundo já que «curiosamente, em
Portugal, grande parte da educação ainda é dada pelas mulheres – porque
o homem teve sempre o direito de chegar do trabalho e ligar o modo
dolce fare niente, sentado no sofá a ler o jornal. As próprias mulheres
educam a sociedade machista, o problema é muito mais profundo do que se
pensa, a violência doméstica não se combate só na Polícia, é um problema
social que vem da educação», completa.
Para Carlos Anjos o contexto Judaico Cristão é um dos maiores
problemas de um país em que ainda assume a mulher como inferior ao
homem. Refere-se a passagens bíblicas como a do Coríntios, (14:34-35])
em que se lê: «Como em todas as igrejas dos santos, as mulheres estejam
caladas nas assembleias: não lhes é permitido falar, mas devem estar
submissas, como também ordena a lei. Se querem aprender alguma coisa,
perguntem-na em casa aos seus maridos, porque é inconveniente para uma
mulher falar na assembleia». Elisabete Brasil, da UMAR, considera também
que a prevenção passa pela educação de valores de igualdade. «A
prevenção que tem sido levada a cabo é essencialmente secundária e
terciária. Ou seja, apoiamos vítimas e intervimos na pós vitimação»,
explica, completando «O desafio coloca-se ao nível da prevenção
primária: como alterar comportamentos e atitudes por forma a pôr fim à
legitimação da violência, em particular contra as mulheres, como
desnaturalizar a violência, como educar para a igualdade entre homens e
mulheres, para a não violência ou seja, pelo respeito pelos direitos
humanos de todas/os. Este é o grande investimento que nos falta e o
único capaz de alterar o status quo. Informação e sensibilização ainda
que importantes não são suficientes para a mudança, ainda necessária».
* Carlos Anjos pôs verdadeiramente o "dedo na ferida", somos escravos há séculos da educação judaico cristã que na sua essência justifica o crime generalizado. Uma vergonha.
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