18/07/2017

ANDRÉ MACEDO

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Altice e a falta de fibra

Se a Altice cumprir a lei, não há muito a fazer, o mercado não pode ser bom apenas quando nos dá jeito.

A Altice tem uma dívida de quase 50 mil milhões de euros, um quarto de toda a riqueza criada ao longo de um ano em Portugal. Não tem uma troika em cima, tem vários credores que se encavalitam e fazem da impaciência um modo de vida pouco saudável. A Altice não precisa de memorando de entendimento nenhum para cumprir: sabe o que tem de fazer e como tem de o fazer e nunca hesita em fazer. Tem obrigações permanentes de rentabilidade que se traduzem numa constante agressividade na gestão e numa pressão ilimitada sobre empregados e fornecedores, os únicos pastos capazes de render rapidamente dinheiro (poupança) onde antes ele não existia para assim pagar aos credores e deixar ainda uma fatia simpática para os accionistas - através de dividendos e dos negócios que os próprios montam à volta do prato principal, numa espécie de incesto empresarial que, em tempos, na Portugal Telecom, beneficiou o pai, o filho e o Espírito Santo e a defunta Ongoing também.

Os ganhos de quota de mercado - em Portugal, negócios maduros e competitivos, quer nas telecomunicações quer nos media - seriam insuficientes, lentos e incertos demais para pagar esta montanha de dívida, preservar a ardilosa confiança do mercado e manter a árvore das patacas a render. O esquema está há muito identificado. A ideia é realmente ganhar dinheiro e depressa. Não é fazer política.

A propósito disto, é conveniente notar que a Portugal Telecom caracterizou-se desde sempre pela maravilhosa largueza com que geria os próprios assuntos. Estava eu na universidade, já lá vão 25 anos, e lembro-me de conhecer um colega funcionário da PT. Escrevo funcionário e não trabalhador porque ele, tendo um estupendo gabinete e colegas com quem partilhava o espaço ali ao pé da antiga Feira Popular, era pago para não fazer absolutamente nada. Tinha salário e tempo para estudar. Tinha um computador e uma moderna impressora.

Como ele, havia centenas, milhares de outros que se mantinham no lugar perante a indulgência da equipa de gestão confortavelmente sentada em cima de um monopólio e respectivas cumplicidades políticas que sustentavam todos os desvarios - pagos pelo consumidor ou contribuinte. Hoje já não é tanto assim, mas as ineficiências ainda existem - parece que ainda há na PT duas mil pessoas a receber para ficar em casa. Digamos que quem investe tem o direito, talvez até o dever, de mudar esta desorientação.

O que significa que a questão da Altice é, portanto, de método (são adeptos do estilo negocial medieval) e alcance (na dúvida, cortam a eito). O que ajuda a recentrar o problema no essencial: se a Altice cumprir a lei, não há muito a fazer, o mercado não pode ser bom apenas quando nos dá jeito; se pisar o risco e for longe demais, os tribunais e os reguladores devem agir com sentido de justiça e rapidez para proteger as vítimas desta jihad empresarial que, sem concorrência, de repente mete 440 milhões de euros por um negócio que não vale tanto, o da Media Capital.

Quatrocentos e quarenta milhões parecem um exagero, até porque a Altice é um grupo financeiro, não um paciente investidor industrial que planta para colher mais tarde. Onde está o benefício que ninguém está a ver? Onde?

E António Costa? Não sei bem o que ele pensa, mas posso arriscar. Desde o primeiro momento que me pareceu serem diversas as motivações do primeiro-ministro. Primeiro, exibir uma legítima preocupação social em linha com a frente parlamentar: o que irá acontecer a tantos trabalhadores? Segundo, mostrar um compreensível mas atrasado prurido nacional: será que outra ex-grande empresa portuguesa vai a caminho da trituradora? Terceiro: sublinhar, indirectamente, que a compra da Media Capital não tem por trás o perverso empurrão do PS. Ou seja, enquanto Costa é Sócrates ao contrário, a Altice é a Portugal Telecom de cabeça para baixo.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
16/07/17

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