Altice e a falta de fibra
Se a Altice cumprir a lei, não há muito a fazer, o mercado não pode ser bom apenas quando nos dá jeito.
A Altice tem uma dívida de quase 50 mil milhões de euros, um quarto de
toda a riqueza criada ao longo de um ano em Portugal. Não tem uma troika
em cima, tem vários credores que se encavalitam e fazem da impaciência
um modo de vida pouco saudável. A Altice não precisa de memorando de
entendimento nenhum para cumprir: sabe o que tem de fazer e como tem de o
fazer e nunca hesita em fazer. Tem obrigações permanentes de
rentabilidade que se traduzem numa constante agressividade na gestão e
numa pressão ilimitada sobre empregados e fornecedores, os únicos pastos
capazes de render rapidamente dinheiro (poupança) onde antes ele não
existia para assim pagar aos credores e deixar ainda uma fatia simpática
para os accionistas - através de dividendos e dos negócios que os
próprios montam à volta do prato principal, numa espécie de incesto
empresarial que, em tempos, na Portugal Telecom, beneficiou o pai, o
filho e o Espírito Santo e a defunta Ongoing também.
Os ganhos
de quota de mercado - em Portugal, negócios maduros e competitivos, quer
nas telecomunicações quer nos media - seriam insuficientes, lentos e
incertos demais para pagar esta montanha de dívida, preservar a ardilosa
confiança do mercado e manter a árvore das patacas a render. O esquema
está há muito identificado. A ideia é realmente ganhar dinheiro e
depressa. Não é fazer política.
A propósito disto, é conveniente
notar que a Portugal Telecom caracterizou-se desde sempre pela
maravilhosa largueza com que geria os próprios assuntos. Estava eu na
universidade, já lá vão 25 anos, e lembro-me de conhecer um colega
funcionário da PT. Escrevo funcionário e não trabalhador porque ele,
tendo um estupendo gabinete e colegas com quem partilhava o espaço ali
ao pé da antiga Feira Popular, era pago para não fazer absolutamente
nada. Tinha salário e tempo para estudar. Tinha um computador e uma
moderna impressora.
Como
ele, havia centenas, milhares de outros que se mantinham no lugar
perante a indulgência da equipa de gestão confortavelmente sentada em
cima de um monopólio e respectivas cumplicidades políticas que
sustentavam todos os desvarios - pagos pelo consumidor ou contribuinte.
Hoje já não é tanto assim, mas as ineficiências ainda existem - parece
que ainda há na PT duas mil pessoas a receber para ficar em casa.
Digamos que quem investe tem o direito, talvez até o dever, de mudar
esta desorientação.
O que significa que a questão da Altice é,
portanto, de método (são adeptos do estilo negocial medieval) e alcance
(na dúvida, cortam a eito). O que ajuda a recentrar o problema no
essencial: se a Altice cumprir a lei, não há muito a fazer, o mercado
não pode ser bom apenas quando nos dá jeito; se pisar o risco e for
longe demais, os tribunais e os reguladores devem agir com sentido de
justiça e rapidez para proteger as vítimas desta jihad empresarial que,
sem concorrência, de repente mete 440 milhões de euros por um negócio
que não vale tanto, o da Media Capital.
Quatrocentos e quarenta
milhões parecem um exagero, até porque a Altice é um grupo financeiro,
não um paciente investidor industrial que planta para colher mais tarde.
Onde está o benefício que ninguém está a ver? Onde?
E António
Costa? Não sei bem o que ele pensa, mas posso arriscar. Desde o primeiro
momento que me pareceu serem diversas as motivações do
primeiro-ministro. Primeiro, exibir uma legítima preocupação social em
linha com a frente parlamentar: o que irá acontecer a tantos
trabalhadores? Segundo, mostrar um compreensível mas atrasado prurido
nacional: será que outra ex-grande empresa portuguesa vai a caminho da
trituradora? Terceiro: sublinhar, indirectamente, que a compra da Media
Capital não tem por trás o perverso empurrão do PS. Ou seja, enquanto
Costa é Sócrates ao contrário, a Altice é a Portugal Telecom de cabeça
para baixo.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
16/07/17
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