04/06/2017

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ESTA SEMANA NO 
"DINHEIRO VIVO"

Pingo Doce propõe 
falsos estágios de verão no Algarve

PCP pede intervenção da ACT e do IEFP para enquadrar programa dos supermercados da Jerónimo Martins na região do Algarve

Estágio de verão com horário de trabalhador. Esta é a proposta do Pingo Doce para os filhos dos funcionários que quiserem trabalhar nos supermercados do grupo Jerónimo Martins em julho e agosto, os meses de maior afluência a estes espaços no sul do país. Ao abrigo do programa Academia de Retalho, é oferecida uma bolsa de 500 euros por 40 horas semanais. O advogado Francisco Espregueira Mendes receia que estes estágios sejam falsos. 
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 “Os estagiários não servem para substituir trabalhadores que estão de férias. Receio que isso aconteça”, refere o sócio da Telles Advogados. “Para fazer essa substituição, devem ser contratados trabalhadores a termo certo, por acréscimo extraordinário de trabalho”, sustenta o especialista em direito laboral, contactado pelo Dinheiro Vivo.

A cadeia de supermercados explicou ao Dinheiro Vivo que esta é “uma campanha de comunicação interna, que surge em resposta a pedidos de muitos colaboradores que gostariam que os seus filhos que já são jovens adultos pudessem ter uma experiência real do mundo do trabalho”. O programa destina-se a um alvo de 4500 pessoas entre os 18 e os 25 anos, segundo fonte oficial do Pingo Doce ao DV, na sexta-feira. 

O caso divulgado pelo portal AbrilAbril, que teve acesso a um documento interno, já é contestado pelos partidos mais à esquerda, com José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda, a considerar que “é uma situação perversa e, neste caso, tratar-se-iam de falsos estágios. Se existe a necessidade de mais trabalhadores no Algarve durante as férias, então que se contratem mais trabalhadores. A lei prevê contratos de trabalho para isso, é absolutamente inaceitável que se utilizem estágios para recrutar pessoas para fazer estas tarefas. O recurso a estágios para preencher estas necessidades de trabalho é um esquema inaceitável e que se tem disseminado pelo país. Um estagiário não pode desempenhar tarefas do funcionamento normal da empresa.”

O bloquista refere ainda que “é preciso que a ACT faça uma ação de fiscalização, verificar os termos da proposta e determinar se estamos ou não perante falsos estágios. Sempre que se utiliza a figura do estágio para enquadrar uma relação de trabalho esse contrato deve ser reconhecido e a ACT deve fazer essa exigência. Se não houver essa conversão, a própria ACT tem de comunicar o caso ao Ministério Público e a empresa deve ser levada a tribunal, um mecanismo que se chama Ação Especial de Reconhecimento do contrato de trabalho, que é aplicado ao abuso nos estágios e que foi aprovado pelo Parlamento há duas semanas. 

Por seu lado, o PCP garantiu que vai enviar perguntas ao Governo, porque “parece que isto é ilegal”, diz a deputada comunista Rita Rato. “É preciso perceber o enquadramento destes estágios junto da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP)” acrescenta. 

Contactado pelo DN/Dinheiro Vivo, Luís Azinheira, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo, afeto à UGT, afirma que “um grupo como a Jerónimo Martins, que fala tanto em responsabilidade social, quando pretende estágios assim para jovens está a aproveitar mão-de-obra barata”. O sindicalista espera falar com a Jerónimo Martins para esclarecer o caso e admite fazer uma denúncia. 

Isabel Camarinha, do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal, afeto à CGTP, diz que “deveriam estar a ser promovidos contratos de trabalho permanentes. Não somos favoráveis ao recurso a estágios sabendo que há poucos trabalhadores nas lojas do Pingo Doce onde o ritmo de trabalho é muito violento. Sabemos que o número de baixas médicas tem aumentado nos últimos anos”, refere.

O advogado Francisco Espregueira Mendes explica ainda que “se a ACT verificar que há utilização de estagiários nestas condições, devem ser levantados autos”. O Dinheiro Vivo contactou a ACT, mas não obteve comentário até ao fecho desta edição

Ao abrigo do programa de estágios, por turnos diários de 10 horas, com duas de descanso, além de uma bolsa de 500 euros líquidos, o Pingo Doce oferece subsídio de alimentação e alojamento (para os não residentes no Algarve)”. Ou seja, um valor alinhado com o salário mínimo nacional, depois de retirados os 11% de desconto para a segurança social (TSU).

A cada estagiário será ainda atribuído um tutor que acompanhará o processo de aprendizagem e desenvolvimento destes jovens. Os estágios estão previstos para julho e agosto, com regras que definem que “qualquer falta injustificada, falta de pontualidade, incumprimento de normas e procedimentos internos nas instalações da empresa e/ou do alojamento ou algum ato que ponha em causa a imagem do Pingo Doce ou do Grupo Jerónimo Martins levarão ao abandono imediato do programa sem lugar ao pagamento da bolsa de estágio.”

O Pingo Doce diz que há 85 vagas, que conta com “mais do dobro dos candidatos” e que a iniciativa responde a pedidos feitos pelos próprios colaboradores. Os estágios arrancam a 1 de julho e terminam a 31 de agosto. 

* GOTA AZEDA, MUITO AZEDA.

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