A caixa redonda
A mesma esquerda que concentra esforços para despedir o governador do Banco de Portugal – ou quem quer que ouse discordar da paz socialista – é quem impede que se conheçam auditorias internas do banco público
Nestes
tempos de informação multiplicada por mil e opiniões demasiado baratas,
é fácil viver de impressões, deixar de pensar, ir atrás do primeiro
reflexo pavloviano. É por isso cada vez mais importante o jornalismo.
Sem truques. Só o Jornalismo.
Foi o que fizeram as jornalistas
Anabela Campos e Isabel Vicente, no Expresso da semana passada: uma
síntese, mais uma, de como certos artistas – sempre os mesmos – nos
enganam com tanta ou ainda mais facilidade desde que a crise financeira
de 2008 inaugurou o mundo em que vivemos.
É a estória de como a
história do crédito
“malparado” – eufemismo de perdido – da situação da
banca é, no fundo, sobretudo uma pequena história das nossas “elites”,
da sua incompetência, cupidez e o mais que às vezes, muito poucas
infelizmente, o Ministério Público classifica de outra maneira…
Este
fim de semana para lá da qualidade da investigação, o texto destas
jornalistas obriga a juntar os pontos de muitos factos que nos foram
sendo servidos em catadupa ao longo do tempo nem sempre se intuindo que,
como na música do Sérgio Godinho, isto anda tudo ligado. E se isso
ajuda a pensar.
E o que se liga no texto “lucros privados,
prejuízos públicos”? A banca portuguesa tem 40 mil milhões de crédito
malparado às costas. Mais de metade dos quais registado a partir de
2013. As consequências foram, à cabeça, duas: alguns bancos pediram
dinheiro emprestado para tapar o buraco de capital face às novas
obrigações prudenciais, outros acabaram a ser resgatados com o dinheiro
dos contribuintes.
E a quem foi concedido este crédito que fez o
dinheiro desaparecer? Ao vasto universo das PME que compõe a maioria da
estrutura de produtividade e emprego do País? Não, a maioria do crédito
está concentrada em 50 industriosos grandes devedores, bem conhecidos,
em particular, uns dos outros.
Partilham o pequeno-almoço no
Ritz, cadastros de centenas de milhões de dívidas e um azar aos negócios
sem paralelo no hemisfério norte. Ou então partilham com a banca uma
incompetência – vamos pelo lado melhor da coisa – para a qual a maioria
parlamentar tem a maior das tolerâncias apesar de berrar muito o
contrário.
É que, quando se acaba de juntar os pontos,
sobressai e muito o farisaísmo, para dizer pouco, com que a nossa
esquerda, tão moralista, se diz ocupar dos assuntos do nosso sistema
financeiro.
Um dos emprestadores sem eira nem beira, a quem
vamos pagar a incúria, é a Caixa Geral de Depósitos.
A recapitalização
que pagamos são milhares de milhões de euros de crédito perdido em
negócios ruinosos. Irrecuperável. Numa lista curta. Demasiado curta para
que o seu conhecimento não suscite muita pedagogia e nos proteja de
repetições, como diriam os açorianos.
Pois que fazem PS, PC e
Bloco? Bloqueiam, com a sua maioria, o acesso ao conhecimento dos
deputados sobre as misérias e desvarios que não podem voltar a acontecer
na Caixa. Desobedecem até ao Tribunal da Relação para evitar que se
fique mesmo a saber o que fez a Caixa no tempo de Sócrates.
O
deputado do PCP que queria tirar o salário à dr. Teodora Cardoso (e a
quem o PS já esta semana fez o favor de propor legislação para acabar
com a independência do Conselho das Finanças Públicas) acha que conhecer
no Parlamento a lista dos grandes devedores que obrigaram a esta
recapitalização “vai certamente fragilizar a Caixa”…
A mesma
esquerda que concentra esforços para despedir o governador do Banco de
Portugal – ou quem quer que ouse discordar da paz socialista – é quem
impede que se conheçam auditorias internas do banco público, a situação
dos 50 maiores devedores do banco, a lista dos créditos superiores a um
milhão de euros e os 50 acima deste valor que deixaram de pagar.
Que se
possa evitar que pelo menos no banco público não se repita a
pouca-vergonha que nos põe esta canga às costas.
Os malandros agradecem que as atenções se virem para o Carlos Costa. E o leitor?
IN "VISÃO"
15/03/17
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