Investidores e emitentes
face a face
Após um longo período de queda de taxas de juro, 2017 oferece uma visão diferente do ciclo, apontando na direção da sua elevação pela batuta da Reserva Federal e justificada pela melhoria do ambiente económico global.
A acompanhar esta mudança de sentimento, são cada vez mais visíveis
alterações na estrutura dos mercados de capitais. Mudanças
regulamentares, inovação tecnológica e alterações no modelo de negócio
de bancos e gestores de fundos induziram-nas.
A inovação
tecnológica tem sido avassaladora e dispõe-se a mudar a face do mercado.
Novas palavras entraram no léxico: "blockchain, principal trading
firms", e "direct stream", entre outras. A primeira inovação consiste,
simplificadamente, num livro de registo de operações aberto a todos, em
que a sua veracidade radica na confiança mútua dos participantes. Uma
das plataformas em termos de sistema do "blockchain" é o sistema de
suporte à "bitcoin". Como ilustração, com a proliferação desta
estrutura, o modelo de emissão de dívida por via de sindicados ou
leilões pode ser ultrapassado através da entrada direta de ordens de
investidores, eliminando-se potencialmente a existência de serviços
centralizados de liquidação e de necessidade de intermediação em leilões
e sindicatos. Emitentes, subscritores, reguladores, supervisores, podem
ter acesso direto à informação comum na plataforma, com registo
automático nos respetivos livros. A Associação Portuguesa de Fundos de
Investimento, Pensões e Património (APFIPP) apresentou recentemente uma
plataforma assente em tecnologia "blockchain" para a indústria nacional
de fundos.
Atualmente,
o maior volume de transações no mercado de dívida pública realiza-se no
mercado OTC (não organizado de voz). Porém, as transações eletrónicas
têm vindo a ganhar terreno, dominando "as principal trading firms" (PTF)
esta tendência. Segundo um inquérito realizado pelo Tesouro
norte-americano em 2016, 20% dos participantes do mercado/investidores
preveem transferir as transações para plataformas eletrónicas este ano.
As PTF operam em plataformas eletrónicas e não são reguladas. Porém,
podem facilitar maior transparência na formação de preços e maior
igualdade de tratamento dos investidores. Ao mesmo tempo que os grandes
gestores globais de fundos estão a transferir transações, sobretudo de
menor dimensão, para plataformas eletrónicas, os grandes bancos estão a
estabelecer plataformas eletrónicas próprias. Deste modo, ambos otimizam
os balanços. Enquanto as grandes operações são realizados por
"traders", as operações mais pequenas são canalizadas para plataformas
eletrónicas, com custos menores; melhorando a rendibilidade deste
segmento. Assim, apenas as grandes ordens e os investidores poderão ter
acesso aos "traders", os quais completarão a sua oferta de serviços com
consultoria. Este movimento, aparentemente, poderá ter ampliado os
fenómenos de ausência súbita de liquidez, em que volumes de transação
caem abruptamente e o diferencial entre preços de compra e de venda se
alarga - interrompendo-se temporariamente a possibilidade de transação
de um título ou classe de ativos. Uma das explicações por este movimento
será a ausência, nas plataformas eletrónicas, do papel do "trader" de
um banco que compra os títulos ao investidor e os mantém no balanço até o
mercado estabilizar, atuando deste modo como amortecedor de choques.
A
estrutura do mercado de dívida pública move-se crescentemente na
direção de maior interação direta entre emitente e investidor final,
removendo-se a almofada do intermediário financeiro/banco como
amortecedor parcial do risco. Como decorrência, em paralelo com maior
transparência de preços, igualdade de tratamento de ordens, e menor
custo, poder-se-á observar maior incerteza de preços e maior
instabilidade da procura. Pode-se ganhar do lado dos custos de operação,
mas poder-se-á perder em termos de previsibilidade e estabilidade do
mercado ou igualdade entre investidores na medida em que as almofadas
proporcionadas pela intermediação financeira tradicional desaparecem.
* ECONOMISTA
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
23/03/17
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