13/12/2016

LIA PEREIRA

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20 anos de crime e castigo: 
Black Love ainda brilha

A reedição de Black Love, dos Afghan Whigs, permite-nos reencontrar os encantos de uma banda que sempre jogou fora dos campeonatos principais – e descobrir uma versão viciante dos New Order

Crime, sexo e culpa: sempre foram estes os combustíveis de eleição dos Afghan Whigs, banda que se separou em 2001, após década e meia de grandes álbuns, voltando a juntar-se há poucos anos, tanto para concertos como para um (belo) disco novo.

Descobri a trupe comandada por Greg Dulli nos primeiros anos da faculdade, e sempre tive alguma pena que, entre os meus maiores amigos, uns ainda apaixonados pelo grunge, outros deliciados pela espécie de revival do glam proporcionado pelo filme Velvet Goldmine, não houvesse outros fãs da banda californiana via Ohio. Anos mais tarde, quando comecei a trabalhar no «meio da música», conheci quem gostasse do projeto que Dulli criou a seguir, os mais domados Twilight Singers. Mas os Afghan Whigs sempre foram para mim, não por escolha própria mas por força das circunstâncias, um prazer solitário.

Por vezes, os anos e a experiência acumulada (neste caso, as horas passadas a ouvir outras músicas) fazem com que escutemos de forma diferente os discos que marcaram a nossa juventude. Desse mal não sofre a minha relação com os meus discos favoritos dos Afghan Whigs – entre Gentlemen, de 1993, e o primeiro adeus com 1965, lançado em 1998. Agora que Black Love, a «fatia do meio» dessa trilogia dourada, voltou às lojas, numa reedição que marca os 20 anos do disco, apercebo-me que o fascínio se mantém – e, de certa forma, até se ampliou.

Não é só entre os meus amigos que os Whigs não são a banda mais popular: na década em que estiveram mais ativos, a de 90, incontáveis grupos rock foram mais bem-sucedidos que os cavalheiros de «Debonair». A dedicada falange de fãs proporcionou, ainda assim, um bom acolhimento e Do To The Beast, o inspirado álbum do regresso, em 2014, e continua a olhar para Dulli um dos mais peculiares escritores de canções e performers da sua geração.

Numa ótima entrevista ao site Stereogum, este «músico americano», como singelamente é apresentado na sua entrada na Wikipedia, fala um pouco sobre a inspiração de Black Love e o seu lugar na discografia da banda que sempre liderou.

«Em Gentlemen, estava numa relação tóxica. [O Black Love] já foi mais subjetivo. O meu amigo Nick [Klein] tinha escrito o guião de um filme chamado The Million Dollar Hotel… o Wim Wenders acabaria por filmá-lo. Eu li o guião e a cena de abertura é um tipo no telhado, contemplando o fim. Naquela altura, uma senhora que eu conhecia tinha posto termo à sua vida, por isso [juntei] essas duas experiências e comecei a escrever o que viria a ser ‘Crime Scene Part One’. Isso ajudou a definir o ambiente do disco», explica.

O negrume de sentimentos e a tensão sexual, sempre sem quaisquer paninhos quentes, que percorrem a obra dos Afghan Whigs não seriam, provavelmente, bem-vindas no mundo algo assético do rock contemporâneo, onde mais facilmente uma banda botará discurso sobre a fraca rede de wifi que apanha no Starbucks do que começará uma canção com a deixa «got you where I want you motherfucker» («Honky’s Ladder»). Ou como escreve Michael Tedder no Stereogum, «se os Afghan Whigs fossem uma banda nova, as suas canções rock cheias de R&B e a sua abordagem mordaz ao romance iriam encher a internet de artigos sobre apropriação cultural e masculinidade».

Naturalmente, tais questões não apoquentam Greg Dulli. Aos 51 anos, um dos frontmen que melhor soube conciliar culpa e (tentativas de) redenção concorda que, hoje, tudo é «híper analisado e politicamente correto. Mas, se de manhã conseguir olhar para mim mesmo, quero lá saber do que é que alguém diz sobre mim no Twitter».

Além de redescobrir o brilho negro – e a coesão – de um disco que Greg Dulli diz obedecer a uma ideia de «ciclo de canções», a reedição de Black Love oferece ainda a possibilidade de maltratar o botão do repeat. Nos extras, a versão de voz & piano para «Regret», dos New Order, prova não só a curiosa tendência do americano para encontrar nalguma pop britânica uma inusitada melancolia (já o fizera com «Every Little Thing She Doe Is Magic», dos Police) e a facilidade com que veste a pele de outros autores (são conhecidas as suas versões de «Creep», das TLC, «Lovecrimes», de Frank Ocean, ou «Lost In The Supermarket», dos Clash).

E como nem é tudo é mau na era da internet, aqui fica a bendita versão, para ouvir tantas vezes quantas foram necessárias para enfrentar a semana de coração cheio.



* Nasceu no Grande Porto em 1978 e estudou Comunicação Social, Jornalismo e Crítica Musical em Lisboa, onde vive. Passa os dias a ouvir música, assistir a concertos e escrever sobre esta paixão na revista BLITZ, cuja redação integra desde 2006, e na secção de cultura do Expresso. Tem uma boa vida, onde cabe também o amor pelas palavras, pelas pessoas e pelos animais.

IN "BLITZ"
12/12/16

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