17/11/2016

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HOJE  NO
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"Ainda falamos muito pouco
 sobre cancro pancreático"

Mata 1300 portugueses por ano, o mesmo número de casos que surgem anualmente no país. A doença é silenciosa mas é possivel melhorar o diagnóstico, defende Vítor Neves, da associação de apoio aos doentes Europacolon


Assinala-se o Dia Mundial do Cancro Pancreático e o diagnóstico é ainda demasiado duro.

Vítor Neves, presidente da Europacolon Portugal - associação que representa o país na Plataforma Setorial Europeia sobre o Cancro do Pâncreas - alerta que é preciso mais sensibilização para a deteção precoce e denuncia a falta de equidade nos tratamentos e o baixo investimento em investigação.

A maioria dos casos são detetados nos estados mais avançados. O que costuma acontecer?

É o dado mais preocupante: 45% dos casos são detetados quando as pessoas vão a uma urgência hospitalar já com sintomas agudos, o que leva a que apenas 20% dos cancros pancreáticos sejam diagnosticados em tempo útil para os doentes poderem ser operados. 
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É uma doença silenciosa mas que tem sintomas iniciais que precisam de ser cruzados pelos médicos de família, que ainda estão pouco sensibilizados. É esse trabalho que temos estado a fazer: entregámos mais de 60 mil panfletos nos cuidados primários e temos um manual clínico disponível para os profissionais de saúde.

O atraso no diagnóstico em Portugal é maior do que noutros países?
É um problema comum mas, em Portugal, temos uma grande iliteracia da população: 64% desconhece esta doença. Mesmo tendo 1.300 novos casos anuais, afeta uma percentagem menor da população do que outros tumores. Por outro lado, como não existe rastreio, continua a ser pouco falado no dia a dia. Tem de ser. Mesmo havendo “só” 1.300 casos por ano, são muitas pessoas, muito sofrimento.

É o cancro com maior taxa de mortalidade. Em 2014 foi a causa de morte de 1.300 portugueses, tantos como os novos casos num ano. Fugimos também do que temos mais medo?
Também, mas não adianta esconder uma coisa que pode surgir e com danos muito superiores do que se estivéssemos sensibilizados para a detetar mais cedo. Pessoas com diabetes, historial familiar, outras doenças oncológicas estão em maior risco e é preciso consciencializar a população e médicos.

O que falha?

O primeiro passo é essa sensibilização, depois é preciso diagnósticos atempados, requisitando os exames necessários, uma TAC, uma ressonância magnética.

A demora no SNS é um obstáculo?

Como noutras doenças. Entre o despiste dos sintomas e o diagnóstico não devem passar mais de 15 dias. Não podemos continuar a suportar prazos de acesso a exames de um ano, seis meses, três meses. Nem de um mês. Se um médico do centro de saúde tiver de referenciar o doente para uma consulta de gastrenterologia pode demorar meses.

No próximo ano, o ministério quer limitar os exames feitos no setor convencionado. Está preocupado?

Seria ótimo se as unidades hospitalares respondessem com brevidade mas todos sabemos que hoje não têm capacidade de resposta para garantir os exames em tempo útil nem aos doentes já seguem, quanto mais a terceiros. A Europacolon também intervém na área do cancro do intestino e se o país quer avançar com  um rastreio populacional, vamos ter o mesmo problema. Não adianta fazer-se a análise de sangue oculto para depois, perante resultados positivos, as pessoas não conseguirem fazer uma colonoscopia no espaço de três semanas a um mês.

No cancro pancreático, quanto tempo vai do estádio precoce ao avançado?
Depende da pessoa e do local afetado. O pâncreas é um órgão muito escondido, não dá muitos sintomas, costuma dizer-se que é uma doença fantasma por isso. Mas podem ser semanas, meses, anos.

Trabalham diretamente com doentes. Como lidam com um diagnóstico que pode significar, nos estados mais avançados, três a seis meses de vida?  

Qualquer doença oncológica é um drama. O cancro pancreático é ainda mais duro. As pessoas vão logo ver o que se diz na internet e há um choque enorme: a mediana de sobrevida na Europa são 4,6 meses. Só 5% dos doentes sobrevivem até aos cinco anos, 2% que chegam aos nove anos e 1% vive mais de nove anos. Conhecemos quase pelo nome os sobreviventes. É uma doença muito violenta mas que, também por isso, tem de exigir de todos nós a capacidade de estar mais atentos. Outra contrariedade é haver muito pouco investimento na investigação nesta área. Só 2% da investigação em oncologia é dedicada ao cancro pancreático. Precisamos de um esforço maior.

O que explica a falta de investigação?

Não é um tumor que gere milhões de casos no mundo inteiro.

Não é rentável para as farmacêuticas?
Não queria dizer isso. Eles saberão por que motivo não há mais investigação. Agora uma coisa é certa: a investigação não tem de ser só feita pela indústria farmacêutica, tem de ser assegurada pelos países, pelas universidades.

Não tem havido novas medicações, por exemplo nesta na vertente da imunoterapia que muitos dizem ser uma nova esperança contra o cancro?

Por enquanto não, os avanços são sobretudo no tratamento do melanoma e do cancro do pulmão. Mas mesmo nos estudos genéticos temos um grande atraso em relação a outras áreas.

Casos mediáticos como a morte de Steve Jobs reforçaram o alerta ou acabam por ter um efeito passageiro?
Teve impacto no momento em que é conhecido, mas era preciso ir mais ao fundo da questão. Steve Jobs viveu sete anos mas teve um tumor numa parte “boa” do pâncreas. A realidade não é o Steve Jobs, a realidade é a das pessoas que têm uma mediana de vida de 4,6 meses e isso devia levar-nos a fazer muito mais para que esse tempo aumente e os doentes tenham uma vida mais confortável. A única forma de fazer isso hoje é com um diagnóstico mais atempado. A comunicação social precisa muitas vezes de caras para dar a voz às doenças, mas infelizmente temos poucos sobreviventes e os doentes enfrentam situações muito difíceis para se exporem.

O que é que pode ser feito em termos de prevenção? 

O maior risco vem da diabetes, pancreatites, doenças inflamatórias do intestino e também do tabaco, por isso parece haver relação com o estilo de vida.

Até pelo trabalho da associação, o que lhe parece ser importante para doentes e famílias a lidar com este cancro?  
Terem com quem falar, apoio psicológico. Os tratamentos são muito agressivos e é muito importante que as pessoas percebam que não estão sozinhas. Temos uma linha de apoio gratuita - 808 200 199. Muitas vezes também é importante uma segunda opinião médica. Não há uma equidade de acesso aos tratamentos em todo o país e as orientações clínicas estabelecidas deviam ser seguidas em todos os hospitais e também não são.

Em que se notam mais as desigualdades?

Um hospital de Bragança ou Vila Real não tem os mesmos equipamentos de tratamento nem meios diagnóstico do que um hospital central. Em Vila Real só há um acelerador de radioterapia, muito antigo, que avaria muitas vezes. Se 45% dos casos são detetados nas urgências, é difícil imaginar que todos os hospitais têm um cirurgião habituado a lidar com o pâncreas e devia haver uma maior articulação e regras para o encaminhamento para centros de referência, onde estão profissionais com experiência.

O que têm em comum os sobreviventes?

Foram detetados cedo, é a grande diferença.  


* O DEDO NA FERIDA

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