Elevada qualificação
e baixo salário
Os actores políticos - governos e oposição -
referem frequentemente que Portugal nunca teve uma geração tão
qualificada, isto é, com formação superior (licenciatura, mestrado e
doutoramento). Assim é, de facto.
De
acordo com a informação disponível, Portugal registou entre 2008-2015, e
no quadro da UE19, o maior aumento da população empregada com formação
académica: de 15% para 25% da população empregada, respectivamente. É
certo que ainda estamos longe da maioria dos nossos parceiros (em 2015, a
Espanha e a França registavam valores na ordem dos 41% e 39%), mas este
ganho de qualificação tornava-se imperioso num país que entrou no
regime democrático com uma elevada taxa de analfabetismo e um mercado de
trabalho caracterizado pelas muito reduzidas (ou inexistentes)
qualificações, que sempre justificaram os salários de miséria.
Mas impõe-se uma pergunta: como é que o país aproveitou as gerações
mais qualificadas? Fruto do período de ajustamento financeiro e das
políticas públicas prosseguidas, todos temos bem presente o fortíssimo
fluxo migratório e a elevada percentagem de desemprego jovem. Mas outros
indicadores podem ser usados para caracterizar, de forma muito
sintética, o nosso mercado de trabalho.
Consideremos, em primeiro lugar, a proporção de trabalhadores por
conta de outrem auferindo o salário mínimo nacional (apenas para o
Continente): passámos de 7,4% em 2008 para 22% em 2015. Esta evolução
não pode deixar de traduzir um fenómeno de forte intensidade na economia
portuguesa: a contratação de trabalhadores qualificados com uma
remuneração que, na sua essência, visava defender uma potencial
exploração dos trabalhadores não qualificados.
Em segundo lugar, consideremos a evolução da remuneração base média
entre 2008 e 2014 (último ano disponível): de 843,2 euros em 2008 para
909,5 euros em 2014. Donde, um aumento de apenas 7,8%. Sendo
inteiramente defensável, em nome da justiça social e da defesa de
direitos, a actualização efectuada nos últimos anos do salário mínimo,
não deixa de ser pertinente registar um efeito de achamento das
remunerações.
Por último, consideremos a proporção dos trabalhadores por conta de
outrem com contrato temporário: em 2015, Portugal registou o valor mais
elevado (22%) da EU19, com excepção de Espanha.
Nenhum destes indicadores constitui uma novidade: somos mais
qualificados mas a fraca criação de emprego que se tem registado
traduz-se num recurso indevido ao pagamento do salário mínimo numa
situação de precariedade. Para esta situação têm contribuído quer o
Estado quer o sector privado. No primeiro temos tido o exemplo dos
hospitais públicos com estatuto de empresas públicas que à contratação
de médicos e enfermeiros preferiram o recurso a tarefeiros mal
remunerados e temporários. Opção que tem sido seguida no sector privado:
basta consultar a oferta de empregos no Instituto de Emprego e Formação
Profissional (IEFP) ou das muitas agências de emprego temporário.
Se as opções anteriores são legítimas, embora criticáveis, o mesmo não
se pode afirmar da fraude recentemente noticiada nos programas
Estágio-Emprego, fortemente comparticipados pelo IEFP. Aqui coloco duas
questões: o IEFP tinha recebido, ou não, denúncias desde 2014? Quando
será possível constituir uma lista negra de empresas que cometendo
ilícitos com financiamento público sejam impedidas de usufruir
posteriormente de benefícios fiscais e parafiscais?
* Professora universitária (ISEG) e investigadora. Economista.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
05/09/16
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