Twitter:
140 carateres para
evitar o desastre
O Twitter tem 313 milhões de utilizadores, mas os investidores não param de olhar para os 1,7 mil milhões de contas do Facebook. Conseguirá Jack Dorsey ser feliz duas vezes mesmo lugar?
No Twitter, há uma dúvida filosófica que não para de ganhar dimensão:
como é que um portal dos 140 carateres pode acabar com a limitação dos
140 carateres sem que isso obrigue a deixar de ser… o portal dos 140
carateres? Quem souber a resposta pode poupar aos investidores do portal
vários milhões de euros e ainda umas quantas noites mal dormidas a Jack
Dorsey, o mítico CEO do Twitter, que se tornou menos mítico depois de
um interregno e do regresso à companhia que lhe deu fama.
A
própria idade do portal ajuda a compreender a encruzilhada que se
perfila: o Twitter tem 10 anos de funcionamento. As borbulhas não
tardarão; as hormonas e os sentimentos extremados também. As atitudes
ridículas e os comportamentos de risco estão ao virar da esquina. Há dez
anos, quando o site tinha a idade de um bebé, os 140 carateres poderiam
ser o máximo. E do ponto de vista do marketing eram realmente o máximo –
apesar de assentarem numa lógica pouco favorável para o consumidor, que
tem como atrativo a limitação da oferta.
Hoje, as coisas não são
bem assim, como o próprio Dorsey já terá confirmado ao assinar por
baixo as mais recentes mudanças nas regras que permitem que as citações,
fotos, animações GIF, ou inquéritos não vão valer para a contagem de
carateres. O mundo não vai parar por causa desta mudança e o Twitter
também não – mas não restam dúvidas de que o portal dos 140 carateres
tem de deixar de ser cada vez mais o portal dos 140 carateres, se não
quiser ter uma história de vida que pode ser descrita em apenas… 140
carateres.
As comparações são arrebatadoras: o Facebook, criado
em 2004, nunca se deu ao luxo de limitar o ímpeto comunicacional dos
utilizadores nem de fazer paralelismos com o número de carateres dos SMS
ou dos telexes para enriquecer a mensagem publicitária. Dito de forma
resumida e informal: a ideia sempre foi dar liberdade a cada utilizador
para se expressar da forma que considere a mais adequada.
Com posts,
fotos, vídeos em diferido e em direto, e textos que, por vezes, pecam
pelo excesso de eloquência. Há limites, mas incidem sobre o teor das
mensagens (pessoas nuas ou mensagens de ódio, entre outros exemplos) mas
não de quantidade. Resultado: o Facebook conta com 12% do mercado de
publicidade da Internet. Não é um valor que possa ameaçar os 30% da
Google, mas pode deixar qualquer diretor do Twitter com complexos de
inferioridade sempre que anuncia uma quota de mercado que não vai além
de 1,4%.
Nos últimos dois anos, apenas o número de utilizadores
continuou a aumentar no Twitter. Num meio de comunicação, o crescimento
das audiências é importante – mas não a todo o custo: em quatro
trimestres, a empresa perdeu 409 milhões de dólares em vendas. Tem 313
milhões de utilizadores, mas os investidores (e os internautas sempre
que precisam de encontrar um amigo na Internet ou querem seguir uma
celebridade) não param de olhar para os 1,7 mil milhões de contas do
Facebook.
Na Wired, há quem recorde o óbvio: o Twitter que, em
tempos, era sinónimo de sofisticação já vale menos que o Snapchat e o
Pinterest. Se terá sido a desvalorização dos últimos tempos que pôs os
rumores de venda a circular ou se foi pelos rumores de venda circularem
que se chegou a esta desvalorização é uma questão que já pouco importa
apurar nos tempos que correm. Uma coisa é certa: a cada segundo que
passa a tentação de venda aumenta. E a venda, muitas vezes, é a
antecâmara do fim de uma marca.
Num artigo publicado na Fox
Business, Steve Tobak dá voz ao ímpeto impiedoso do mundo da gestão dos
EUA. E sugere mesmo que se mande Dorsey embora: «Tecnicamente, o Twitter
é aquilo a que chamamos, na consultoria de gestão de negócios, uma
confusão escaldante. Claramente, manter-se o percurso com o CEO Dorsey
em part-time (que também gere o sistema de pagamentos móveis Square) não
é a solução».
Não restam muitas dúvidas: Jack Dorsey tem de
voltar a ser o Jack Dorsey da década passada, que pôs milhões de
internautas a acreditar nas virtudes de um serviço que tem numa
limitação o principal atrativo, para deixar de ser o Jack Dorsey que
Wall Street passou a não gostar. Pelo meio, o portal dos 140 carateres
terá de prosseguir o exercício de contrição que o levou a colocar o
número máximo de carateres num plano secundário.
Os tempos são
diferentes hoje: a largura de banda aumentou; os telemóveis melhoraram; e
ninguém quer aturar um tipo com manias de polícia sinaleiro que lhe
diz: «não podes usar mais de 140 carateres».
O lançamento do
Periscope já havia evidenciado uma mudança. O Twitter já não é só
opiniões sucintas e reencaminhamentos para sites com notícias ou
acontecimentos recentes. A transmissão em direto de jogos do campeonato
de futebol americano (NFL) ajudou a confirmar o portal como um potencial
concorrente do florescente negócio do streaming de vídeo. As já
referidas exceções aos 140 carateres passaram discretamente, depois de
um primeiro anúncio feito em Maio, mas já estão a ser aplicadas. Os
posts sucintos tornaram o portal num importante recetáculo de tendências
políticas, comerciais e sociais, mas não ajudam a aumentar o tempo que
os utilizadores gastam no portal... E se não aumentar rapidamente o
período médio de utilização, o Twitter arrisca-se a ficar a dançar
sozinho à beira do precipício.
IN "EXAME INFORMÁTICA"
20/09/16
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