A tentação de Cristas
Assunção
Cristas quer ser uma voz diferente neste espaço político pouco
esperançoso, que anda à procura de qualquer coisa diferente embora não
saiba bem o quê.
Ao entrar na corrida à Câmara Municipal de Lisboa,
Assunção Cristas assume de uma só vez que se quer afirmar por si própria
dentro e fora do seu Partido, que a coligação Portugal à Frente acabou
definitivamente e que as próximas eleições autárquicas servirão para
confirmar as lideranças partidárias quer do CDS/PP quer do PPD/PSD.
Passada que está a fase em que os partidos do centro e da direita
davam como certa a queda a breve prazo da “geringonça”, entrámos num
tempo em que a liderança do CDS percebeu que tem de se afirmar num
espaço político muito marcado pelos quatro anos de governação da
‘troika’.
Passos Coelho continua igual a si próprio e terá sempre do seu lado
aqueles que acreditam que o atual Governo não alcançará nenhum dos
objetivos de crescimento económico a que se propôs e que no final
estaremos de novo condenados a pedir auxílio externo. É a teoria do
quanto pior melhor em que a frase da próxima campanha eleitoral será
qualquer coisa como “eu bem vos avisei …”. Até lá nada de novo. Nem
consensos pedidos pelo Presidente da República nem propostas
alternativas. A receita é esperar para ver.
Assunção Cristas quer ser uma voz diferente neste espaço político
pouco esperançoso, que anda à procura de qualquer coisa diferente embora
não saiba bem o quê. A afirmação da sua liderança, muito marcada ainda
pela influência de um Paulo Portas sempre presente, ainda que de forma
indireta, passa por garantir internamente que o seu caminho não será
minado e por conseguir legitimar o seu papel através do voto popular.
Nada melhor do que anunciar uma candidatura à Câmara da principal cidade
do país sabendo que desta forma não terá lutas internas no próximo ano e
que a fasquia do bom resultado andará à volta dos 7% (resultado
sofrível obtido por Portas em 2001 que não impediu a vitória de Santana
Lopes).
No atual deserto de ideias e de novas caras que caracteriza a
política portuguesa, Cristas poderá trazer uma lufada de ar fresco se
for capaz de moderar a necessidade de afirmação que demonstra (não há
revista cor-de-rosa em que não apareça ora com chapéu de palha ora com
fruta estampada no vestido), se definir com precisão as mensagens que
quer passar (falar de tudo ao mesmo tempo com uma velocidade supersónica
tem como efeito que ninguém percebe ou retém a sua mensagem) e se
concentrar na agenda que verdadeiramente interessa à classe média
portuguesa, em especial a da sua faixa etária, pode ser que consiga
afirmar a sua posição.
Portas garantiu votos junto de setores mais tradicionais da sociedade
portuguesa e montou o seu bastião junto dos reformados e pensionistas e
na defesa da lavoura. Se nesta última Cristas também pontuou, a verdade
é que enquanto os reformados se lembrarem dos quatro anos de governo de
coligação dificilmente aceitarão voltar a confiar no CDS.
O CDS terá assim de procurar afirmar-se noutros setores mais
dinâmicos da sociedade portuguesa como sejam os pequenos e médios
empresários ou os empreendedores e dirigir o seu discurso para todos
aqueles que, não precisando do Estado para viver ou trabalhar, sabem que
é fundamental garantir a existência de serviços públicos de qualidade
em setores tão importantes como os da educação, da saúde, da segurança
social e da ordem pública.
A tentação de Cristas é um sinal de inconformismo e de vontade em
afirmar um novo discurso. Se tiver êxito, conseguirá afirmar o novo CDS
como uma força indispensável à construção de um novo espaço do centro e
da direita em Portugal. Se falhar, irá naturalmente deixar a liderança
em Outubro do próximo ano e abrirá um longo e difícil período em que o
CDS continuará a tentar encontrar uma identidade e lutar uma vez mais
para assegurar a sua sobrevivência.
* Jurista
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
14/09/16
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