15/06/2016

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HOJE NO  
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS" 

Mães de Bragança passaram a ir aos salões de beleza. E pensam no divórcio

Treze anos depois do movimento de revolta contra a prostituição que chegou à imprensa internacional, a cidade acalmou mas ficaram marcas. As mulheres alteraram alguns dos seus hábitos e as prostitutas mudaram-se para Espanha

Abril de 2003. "Um grupo de mulheres liderado por quatro aguerridas mães desencadeia o que viria a ser conhecido como o movimento das Mães de Bragança." Foi este grupo, o que as levou às ruas e as mudanças que estas provocaram que José Machado Pais foi investigar dez anos depois do fenómeno. A luta daquelas mães contra o aumento da prostituição vinda do Brasil acabou por mudar o dia-a-dia na pacata cidade de Bragança. As mulheres, esposas dedicadas, começaram a deixar queimar a comida, a ignorar os buracos nas meias dos maridos, a desleixar-se nas tarefas domésticas. Estes foram alguns dos relatos não confirmados que chegaram ao investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa e que este conta no livro Enredos Sexuais, Tradição e Mudança.
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Confirmado foi o aumento de idas aos salões de beleza e da venda de revistas dirigidas a mulheres, na quais se anunciam dicas de sedução. Também ficou claro que o protesto contra a vinda das brasileiras para as casas de alterne e "cafés de subir" (locais de dois pisos, no térreo funcionam os cafés e no superior alugam-se quartos, à hora) trouxe a questão para as conversas públicas. "Esse enfrentamento fez que temas tabu, como o da sexualidade ou o da prostituição, passassem a ser debatidos em cafés, lares de idosos, escolas, cabeleireiros, esquinas de rua... Ou seja, temas interditos ou ausentes das conversas quotidianas passaram a suscitar um vivo debate, desde a legalização da prostituição até aos segredos de alcova para recuperar a fidelização dos maridos traidores", explica José Machado Pais.

Segundo o investigador esta reação aconteceu em Bragança por dois motivos: "Quer pelo surgimento repentino das casas de alterne, algumas das quais davam nas vistas pela luzes chamativas; quer porque algumas raparigas que nelas trabalhavam se passeavam no espaço público com vestes provocantes. O fenómeno tornou-se, pois, visível." A isto juntou-se o facto de que "o dinheiro que faltava em casa era estourado nas casas de má fama".

Porém, toda a revolta das mães de Bragança virou-se para um único inimigo: "As sedutoras de além-mar", como lhes chama José Machado Pais. Enquanto os maridos foram poupados.

Elas seduziam, eles eram vítimas
O comportamento das mães de culparem apenas as imigrantes brasileiras foi, para o autor da investigação, "um achado surpreendente". "Os maridos traidores foram poupados, diria mesmo desculpabilizados. Vim depois a descobrir que algumas mulheres traídas acusavam as sedutoras de além-mar de amarrarem os maridos com drogas, feitiços, macumbas e até um misterioso chá que os punha de cabeça à roda."

O especialista, que esperava por exemplo um aumento dos divórcios, acredita que esta postura se deveu sobretudo "aos tradicionais vínculos patrimoniais serem uma barreira ao divórcio. Em Trás-os-Montes sempre houve um investimento muito forte em torno da casa e da comunidade. E também uma hostilidade aos casamentos exolocais". Neste contexto, "o perigo vem de fora. Se o pecado mora ao lado, não espanta que as brasileiras tivessem aparecido como um bode expiatório. Os pobres maridos aparecem desculpabilizados, simplesmente vítimas de macumba".

Ouvidos os maridos, estes desculpavam-se dizendo que apenas iam a estas casas para "beber uns copos, lavar a vista e desenferrujar os zecas". Já as raparigas brasileiras, chegavam a Portugal muitas vezes atrás de falsas promessas de trabalho e sem documentos. Com toda a contestação e visibilidade que o movimento ganhou - foi capa da revista Time, em outubro de 2003 -, as mães acabaram por ter aquilo que pretendiam.

As rusgas e a fuga para Espanha
O grito de revolta das mulheres de família tinha como um dos objetivos o encerramento das casas de alterne. E isso acabou por ser "alcançado em parte". "As rusgas policiais às casas de alterne aumentaram, tendo algumas delas sido encerradas. Só não conseguiram que as brasileiras tivessem sido expulsas. E isso era o que declaradamente exigiam no seu manifesto."

Ainda assim, algumas acabaram por se mudar para Espanha, embora não para longe o suficiente, já que muitos dos homens as seguiram até lá. Quem também não gostou do relativo êxito do movimento foram alguns comerciantes locais, que perderam negócio.

Hoje um movimento deste género não seria de descartar. Se é verdade que o primeiro choque foi nessa época, ainda há três anos, Viseu viu nascer algo semelhante. Um blogue no qual mulheres denunciavam os homens que iam às casas suspeitas de prostituição dos seus bairros. Autodenominaram-se esposas de Viseu e divulgavam fotografias e matrículas dos carros. "Um gesto de solidariedade para com as esposas traídas. Mas certamente que a sua maior preocupação era a defesa da reputação moral dos seus bairros", descreve José Machado Pais.

Sem excluir a hipótese de novos movimentos da defesa da moralidade, o investigador limita-se a concluir: "Os mundos sociais são caixinhas de surpresas."

* Ficamos contentes por as mães de Bragança se afirmarem e confrontarem o machismo, só que em nome da moral é curto. Quando os maridos destas senhoras lhes punham os cornos com prostitutas recém-chegadas à cidade estavam a ser cúmplices de atitude vergonhosa e criminalizada que é o tráfico de pessoas. A bravata das mães de Bragança não libertou as mulheres da imoral escravatura do sexo, as senhoras nada fizeram para reabilitar mulheres como elas, ainda mais exploradas, nem um dedinho solidário se ergueu. As mãezinhas de Bragança estavam preocupadas com os pirilaus conjugais. em nome da moral claro, não fosse a moral apanhar uma doença venérea.


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