HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
Mães de Bragança passaram a ir aos salões de beleza. E pensam no divórcio
Treze
anos depois do movimento de revolta contra a prostituição que chegou à
imprensa internacional, a cidade acalmou mas ficaram marcas. As mulheres
alteraram alguns dos seus hábitos e as prostitutas mudaram-se para
Espanha
Abril
de 2003. "Um grupo de mulheres liderado por quatro aguerridas mães
desencadeia o que viria a ser conhecido como o movimento das Mães de
Bragança." Foi este grupo, o que as levou às ruas e as mudanças que
estas provocaram que José Machado Pais foi investigar dez anos depois do
fenómeno. A luta daquelas mães contra o aumento da prostituição vinda
do Brasil acabou por mudar o dia-a-dia na pacata cidade de Bragança. As
mulheres, esposas dedicadas, começaram a deixar queimar a comida, a
ignorar os buracos nas meias dos maridos, a desleixar-se nas tarefas
domésticas. Estes foram alguns dos relatos não confirmados que chegaram
ao investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade
de Lisboa e que este conta no livro Enredos Sexuais, Tradição e Mudança.
.
.
Confirmado
foi o aumento de idas aos salões de beleza e da venda de revistas
dirigidas a mulheres, na quais se anunciam dicas de sedução. Também
ficou claro que o protesto contra a vinda das brasileiras para as casas
de alterne e "cafés de subir" (locais de dois pisos, no térreo funcionam
os cafés e no superior alugam-se quartos, à hora) trouxe a questão para
as conversas públicas. "Esse enfrentamento fez que temas tabu, como o
da sexualidade ou o da prostituição, passassem a ser debatidos em cafés,
lares de idosos, escolas, cabeleireiros, esquinas de rua... Ou seja,
temas interditos ou ausentes das conversas quotidianas passaram a
suscitar um vivo debate, desde a legalização da prostituição até aos
segredos de alcova para recuperar a fidelização dos maridos traidores",
explica José Machado Pais.
Segundo o
investigador esta reação aconteceu em Bragança por dois motivos: "Quer
pelo surgimento repentino das casas de alterne, algumas das quais davam
nas vistas pela luzes chamativas; quer porque algumas raparigas que
nelas trabalhavam se passeavam no espaço público com vestes provocantes.
O fenómeno tornou-se, pois, visível." A isto juntou-se o facto de que
"o dinheiro que faltava em casa era estourado nas casas de má fama".
Porém,
toda a revolta das mães de Bragança virou-se para um único inimigo: "As
sedutoras de além-mar", como lhes chama José Machado Pais. Enquanto os
maridos foram poupados.
Elas seduziam, eles eram vítimas
O
comportamento das mães de culparem apenas as imigrantes brasileiras
foi, para o autor da investigação, "um achado surpreendente". "Os
maridos traidores foram poupados, diria mesmo desculpabilizados. Vim
depois a descobrir que algumas mulheres traídas acusavam as sedutoras de
além-mar de amarrarem os maridos com drogas, feitiços, macumbas e até
um misterioso chá que os punha de cabeça à roda."
O
especialista, que esperava por exemplo um aumento dos divórcios,
acredita que esta postura se deveu sobretudo "aos tradicionais vínculos
patrimoniais serem uma barreira ao divórcio. Em Trás-os-Montes sempre
houve um investimento muito forte em torno da casa e da comunidade. E
também uma hostilidade aos casamentos exolocais". Neste contexto, "o
perigo vem de fora. Se o pecado mora ao lado, não espanta que as
brasileiras tivessem aparecido como um bode expiatório. Os pobres
maridos aparecem desculpabilizados, simplesmente vítimas de macumba".
Ouvidos
os maridos, estes desculpavam-se dizendo que apenas iam a estas casas
para "beber uns copos, lavar a vista e desenferrujar os zecas". Já as
raparigas brasileiras, chegavam a Portugal muitas vezes atrás de falsas
promessas de trabalho e sem documentos. Com toda a contestação e
visibilidade que o movimento ganhou - foi capa da revista Time, em
outubro de 2003 -, as mães acabaram por ter aquilo que pretendiam.
As rusgas e a fuga para Espanha
O
grito de revolta das mulheres de família tinha como um dos objetivos o
encerramento das casas de alterne. E isso acabou por ser "alcançado em
parte". "As rusgas policiais às casas de alterne aumentaram, tendo
algumas delas sido encerradas. Só não conseguiram que as brasileiras
tivessem sido expulsas. E isso era o que declaradamente exigiam no seu
manifesto."
Ainda assim, algumas
acabaram por se mudar para Espanha, embora não para longe o suficiente,
já que muitos dos homens as seguiram até lá. Quem também não gostou do
relativo êxito do movimento foram alguns comerciantes locais, que
perderam negócio.
Hoje um movimento
deste género não seria de descartar. Se é verdade que o primeiro choque
foi nessa época, ainda há três anos, Viseu viu nascer algo semelhante.
Um blogue no qual mulheres denunciavam os homens que iam às casas
suspeitas de prostituição dos seus bairros. Autodenominaram-se esposas
de Viseu e divulgavam fotografias e matrículas dos carros. "Um gesto de
solidariedade para com as esposas traídas. Mas certamente que a sua
maior preocupação era a defesa da reputação moral dos seus bairros",
descreve José Machado Pais.
Sem excluir
a hipótese de novos movimentos da defesa da moralidade, o investigador
limita-se a concluir: "Os mundos sociais são caixinhas de surpresas."
* Ficamos contentes por as mães de Bragança se afirmarem e confrontarem o machismo, só que em nome da moral é curto. Quando os maridos destas senhoras lhes punham os cornos com prostitutas recém-chegadas à cidade estavam a ser cúmplices de atitude vergonhosa e criminalizada que é o tráfico de pessoas. A bravata das mães de Bragança não libertou as mulheres da imoral escravatura do sexo, as senhoras nada fizeram para reabilitar mulheres como elas, ainda mais exploradas, nem um dedinho solidário se ergueu. As mãezinhas de Bragança estavam preocupadas com os pirilaus conjugais. em nome da moral claro, não fosse a moral apanhar uma doença venérea.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário