Desemprego e refugiados:
dois medos
Eliminados os candidatos dos dois partidos
centristas aliados no governo, a segunda volta das presidenciais
austríacas decide-se amanhã entre Norbert Hofer, da direita populista, e
Alexander Van der Bellen, um ex-líder do partido ecologista. Dadas as
credenciais do FPÖ de Hofer, partido que muitas vezes chega a ser
descrito como de extrema-direita, seria de prever uma espécie de frente
republicana à la française que travasse a sua ascensão à chefia
do Estado, mas nada de mais incerto.
É que ao longo dos anos tanto os
sociais-democratas do SPÖ como os conservadores do ÖVP fizeram alianças
ocasionais com o FPÖ, legitimando a sua presença no leque político
austríaco de uma forma, e voltando à comparação com a França, que nem
esquerda nem direita clássica gaulesas permitiram à FN.
Aliás,
os sociais-democratas do SPÖ, a que pertence o novo chanceler Christian
Kern, governam desde 2015 a província de Burgenland com o FPÖ como
parceiro minoritário. E os conservadores do ÖVP, também hoje no poder em
Viena, contam no historial com a polémica aliança de governo com a
direita populista em 2000 que levou pela primeira vez desde a fundação a
União Europeia a declarar sanções diplomáticas contra um Estado membro.
Na época liderado pelo carismático Jörg Haider, o FPÖ foi alvo de uma
reação concertada das grandes potências europeias, com figuras como
Joschka Fischer, ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, e Nicole
Fontaine, a francesa presidente do Parlamento Europeu, a destacarem-se
pelo tom ácido. A imprensa europeia falou então de um cordão sanitário
que travasse a extrema-direita, mas pouca gente notou que os
pós-fascistas italianos tinham já participado num governo de Silvio
Berlusconi nos anos 1990.
Haider
entretanto morreu e os seus sucessores no FPÖ têm procurado um tom mais
moderado. Hoje o partido é liderado por Heinz-Christian Strache e há
quem veja em Hofer apenas uma marioneta que, caso chegue à presidência,
tudo fará para encontrar um pretexto para dissolver o governo e dar uma
oportunidade ao chefe de ser chanceler. É simplista a tese, porque os
35% de Hofer dão-lhe o melhor resultado de sempre obtido pelo FPÖ e se
for mesmo eleito terá margem para pensar por si mesmo.
Engenheiro
aeronáutico, com pose agradável e um discurso de preocupação social, tem
procurado ganhar eleitores zangados com o bloco central. E a sua
admiração pela britânica Margaret Thatcher coloca-o mais no campo
liberal do que no pós-fascista.
As
teses simplistas em relação à Áustria são assim um velho problema. Por
exemplo, este sucesso da direita populista é associado à crise dos
refugiados e a um medo que é mais forte do que o próprio sucesso
económico do país, que, com 5,8% de desemprego, segundo o Eurostat,
parece evidente. Mas as estatísticas nacionais (mais exigentes nos
critérios do que as da UE) falam de 9,1% de desempregados, perto de meio
milhão de pessoas num país de nove milhões. E, em janeiro, os 10,9% de
desemprego registado foram um recorde em meio século. Ou seja, por baixo
que seja o desemprego comparado com o de países como Espanha, Grécia ou
Portugal, para os austríacos assume dimensões assustadoras e é bandeira
fácil para os críticos do sistema.
Portanto,
se Hofer for eleito, terá beneficiado da soma de três fatores:
desemprego acima do habitual, receio gerado pelos 90 mil pedidos de
asilo em 2015 sobretudo por parte de refugiados muçulmanos e um discurso
bem mais sensato do que o do FPÖ no passado. A isto, claro, pode
somar-se o descrédito evidente do SPÖ, que viu o anterior chanceler
demitir-se por falta de apoios, dando lugar a Kern, e do ÖVP. A Europa
estará amanhã de olhos na Áustria, mas atenção, esta UE a 28 não é nada
igual à de 2000, com 15 membros apenas.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
21/05/16
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