ESTA SEMANA NO
"SOL"
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Crime em Braga:
empresário morto
denunciou advogados à PJ
«Tornar-se-á mais fácil, na minha opinião, ligar todas as pessoas ao
esquema montado, nomeadamente o tal Emanuel Paulino e o Pedro Bourbon.
Possuo documentos que o comprovam». Foi em outubro de 2014 que João
Fernandes fez esta declaração à Polícia Judiciária, depois de decidir
contar tudo sobre o esquema de ocultação de bens a que a sua família
tinha recorrido para evitar penhoras. Tinha perdido tudo, estava
desesperado e, por isso, decidiu entregar dois dos homens que agora são
suspeitos de o matar. Um deles, Pedro Bourbon, seu amigo de longa data.
A investigação acredita que João foi sequestrado e assassinado em março por ser uma peça-chave num esquema criminoso de apropriação indevida de património. Conhecia os intervenientes, sabia muitos dos seus segredos e carregava consigo o peso de ter arrastado o seu pai e a sua mãe para a teia que lhes tirou o pouco que sobrava de uma vida de riquezas.
SIMULAÇÃO |
A investigação acredita que João foi sequestrado e assassinado em março por ser uma peça-chave num esquema criminoso de apropriação indevida de património. Conhecia os intervenientes, sabia muitos dos seus segredos e carregava consigo o peso de ter arrastado o seu pai e a sua mãe para a teia que lhes tirou o pouco que sobrava de uma vida de riquezas.
Os problemas com a fortuna da família começaram em 2008, quando as
empresas de construção do seu pai entraram numa situação financeira que
nunca mais viria a ter retorno. Por indicação de João Fernandes,
consultaram o advogado Pedro Bourbon, que os aconselhou a «proteger» o
património pessoal dos arrestos. Fernando e Maria das Dores, os pais,
perceberam de imediato que o que lhes estava a ser sugerido não era
legal, mas confiaram no plano do advogado.
Segundo a queixa-crime que viriam a apresentar mais tarde, em 2014, a
partir do momento em que os bens passaram para uma ‘sociedade cofre’, a
MonaHome Lda, administrada por pessoas da confiança de Bourbon, os pais
de João Fernandes ficaram «nas mãos» do advogado.
Apesar do medo em embarcar nesta história, a amizade de João
Fernandes com Pedro Bourbon sustentou a confiança da sua família na
altura de transferir tudo o que tinha para uma sociedade que não lhe
pertencia.
O contrato-promessa
Para que não fossem levantadas dúvidas sobre a venda do património à
MonaHome, numa altura em que era previsível que se aproximassem arrestos
– dadas as dívidas das empresas do pai – , o advogado Pedro Bourbon
arquitetou um plano de que viria a gabar-se junto do seu círculo mais
próximo. O objetivo era ter uma sentença de tribunal a obrigar Fernando a
entregar os seus bens à MonaHome. Parece difícil? Mas não foi.
Corria o ano de 2010, quando foi acordado que a compra de todo o
património – avaliado em cerca de dois milhões de euros – seria
sinalizada no contrato-promessa de compra e venda pela sociedade
MonaHome com um milhão de euros, sendo o resto dado na escritura. Apesar
de ficar escrito que o sinal seria um milhão, só foram entregues 100
mil euros aquando do contrato (e esses 100 mil entregues a Fernando eram
do próprio Fernando), havendo a promessa de que os outros 900 seriam
pagos até à escritura. O que, apesar de acordado por escrito, nunca
aconteceu.
Como em caso de incumprimento o vendedor tem de devolver o sinal em
dobro, Bourbon deu ordens a Fernando para faltar à escritura,
colocando-o assim de forma voluntária numa situação de incumprimento,
que o viria a obrigar a pagar dois milhões à MonaHome. A decisão foi das
Varas Cíveis do Porto. Ou seja, o pai de João Fernandes foi obrigado a
entregar tudo o que tinha à MonaHome, mascarando ainda mais o plano para
esconder património.
«Esta sentença foi o culminar da estratégia para esvaziamento do
património pessoal», vieram a revelar mais tarde às autoridades Fernando
e a mulher, Maria das Dores, acrescentando que por diversas vezes
Bourbon se gabou de que «o esquema estava tão bem montado que até tinha o
aval de uma sentença judicial transitada em julgado e que, como tal,
era inabalável e indestrutível».
Quando ditou o seu fim
João acompanhou tudo. Até porque antes da solução encontrada para
proteger os mais de dois milhões do seu pai também ele já havia
recorrido aos advogados para salvaguardar créditos que tinha e aos quais
queria evitar arrestos.
Os problemas surgiram a partir do momento em que Pedro Bourbon, o seu
irmão Manuel e os restantes suspeitos agora detidos passaram a comandar
os destinos do património da família. Entre os créditos de João
Fernandes e os bens dos seus pais, estão em causa perto de quatro
milhões de euros.
Tudo parecia correr bem até 2013. «O comportamento do Sr. Dr. Pedro
Grancho Bourbon alterou-se radicalmente no último ano, tendo começado
por protelar a entrega [a Fernando e Maria das Dores] do dinheiro das
rendas dos imóveis arrendados e a venda de algum património para
realizar dinheiro», lê-se na queixa-crime apresentada pelo casal em
2014, a que o SOL teve acesso.
Na mesma participação lembram que foi aí que a situação saiu do seu
controlo: «O acordado seria precisamente que os participantes
administrariam sem reservas o património».
Insistências e o primeiro ‘não’
Após a mudança de comportamento, os pais de João Fernandes – que terá
sido sequestrado e morto em março – insistiram várias vezes, pedindo
que fosse vendido pelo menos um prédio para que pudessem fazer face a
algumas dificuldades: «Perante a insistência (...) Bourbon acabou por
dizer que [o casal] não tinha direito a rigorosamente nada».
Enquanto bloqueava o acesso aos donos, a MonaHome ia-se desfazendo de
parte do património por valores bem inferiores aos de mercado.
Quando os Fernandes souberam disso, as relações azedaram de vez. E,
receando perder tudo, acabaram por se juntar a um dos credores a quem
tinha tentado fugir com este esquema. Depois de abrirem o jogo, foi
decretado um arresto à MonaHome tendo em conta as dívidas de Fernando à
empresa desse credor a quem confessaram tudo.
Na chamada ‘empresa cofre’,a MonaHome, havia muitas incongruências: era
uma sociedade com capital social de 5 mil euros, detida por dois homens
da confiança de Bourbon, Luís Monteiro e Nuno Ferreira, e com um
património de dois milhões.
Além disso não era a única sociedade do género ligada ao advogado de
Braga, o que pode indiciar que este esquema estava a ser utilizado com
diversos clientes.
Queixa arquivada
A queixa-crime apresentada em 2014 pelos lesados pedia uma investigação
ao círculo de Pedro Bourbon, bem como às empresas MonaHome, Admirável
Légua, Mocho Elegante, Construções Teixeira e Cunha, Tolo Investments e
Construccions La Posa, por considerarem haver indícios de burla
qualificada e associação criminosa. O Departamento de Investigação e
Ação Penal de Braga concluiu, porém, não se verificarem os requisitos da
prática de qualquer um dos crimes e decidiu arquivar.
No que toca ao crime de burla, esclareceu o MP que não podia fazer
nada, uma vez que «a saída dos imóveis do domínio dos participantes foi
realizada com o acordo destes». Foi aberta instrução, mas o juiz
confirmou a decisão de arquivamento.
A ‘sentença’ de morte
Na sequência desta queixa-crime, João Fernandes decidiu abrir a boca e
apresentar, também ele, uma participação à Justiça. Um passo difícil
que só deu após uma conversa com um elemento da PJ.
«Aproveito para lhe informar que após ter estado a prestar
declarações, e de uma reflexão, decidi eu próprio dar o passo de
apresentar queixa-crime contra as mesmas pessoas, pelo que me fizeram a
mim pessoalmente», escreveu no e-mail enviado à PJ e a que o SOL teve
acesso.
As autoridades acreditam agora que foi nesse momento que esta guerra
ganhou outros contornos. Além de informações sobre os outros elementos
do gangue – entre os quais Emanuel Marques Paulino, conhecido como o
‘Bruxo da Areosa’ –, João tinha na sua posse uma prova de que a venda
dos terrenos à MonaHome não passava de uma simulação. Isto porque a dada
altura tinha conseguido que um dos sócios desta sociedade de fachada
lhe cedesse por escrito algumas quotas da mesma. Na prática o documento
não tinha grande valor, uma vez que não estava assinado pelos dois
sócios, mas em tribunal poderia ser a chave para todo o esquema.
Sobre o ‘Bruxo da Areosa’, apontava-o como o número dois de Pedro
Bourbon. «Era o mentor de burlas e esquemas que fazem, semelhantes ao
que fizeram com o meu pai», contara nessa altura à PJ.
O dia em que foi raptado
O grupo, constituído pelos dois advogados Pedro e Manuel Bourbon, o
‘Bruxo da Areosa’ e outros quatro elementos ligados a cobranças
difíceis, decidiu atacar a 11 de março. Segundo a descrição feita pela
filha de João Fernandes, de oito anos, os homens que os abordaram
estavam encapuzados e começaram de imediato a agredir com violência o
empresário. A criança contou ainda que ouviu os homens gritarem «vamos
matar-te». João, que estaria a ser seguido há já vários dias, terá
apenas tido tempo para pedir ao grupo que não fizesse mal à filha.
Durante os últimos dois meses, os investigadores colocaram os
suspeitos sob escuta e terão concluído que todos sabiam do assassínio do
empresário. Em algumas chamadas, os elementos terão mesmo brincado com a
esperança da família em reencontrar o empresário vivo.
Nas buscas realizadas esta semana, foram encontradas «várias armas de
fogo, gorros, algemas, elevadas quantias de dinheiro e viaturas, entre
outros objetos e documentos com relevância probatória».
Os arguidos continuavam ontem à noite a ser ouvidos pelo juiz de instrução.
* Que se faça justiça!
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