ESTA SEMANA NA
"VISÃO"
Morreu Paulo Varela Gomes, escritor,
. historiador, cronista, homem vertical
Vítima de um cancro, o autor e historiador perdeu este sábado a sua luta de quatro anos com a doença. Deixa um legado de livros e de opiniões que marcaram gerações
“Tenho um cancro de grau IV. De cada vez que abro o teclado do
computador na intenção de escrever, ocorre-me a frase, já mil vezes
repetida, “Quando estiverem a ler estas linhas, é provável que o autor
já não esteja vivo”.
.
Era assim que Paulo Varela Gomes começava Morrer é
mais difícil do que parece, impressionante texto escrito para o quinto
volume da revista Granta, em 2015, em que assumia as lutas com a doença
de que padecia, e que começara, como tantas outras, com a descoberta de
“um inchaço do tamanho de uma amêndoa no lado esquerdo do pescoço.”
O
testemunho segue com a catadupa de eventos que alteraram a vida até
então conhecida: a “obrigatória TAC cervical”, o médico com a “expressão
macambúzia” a comunicar o impensável, a confirmação de que não havia
nada a fazer. Depois, os mais de mil dias em que a vida mudou, a
alimentação mudou, a homeopatia ajudou, o desespero chegou, o suicídio
quase o tentou, uma espécie de redenção jubilatória o salvou. Meia dúzia
de páginas escritas com uma rara lucidez e desassombro.
Os leitores já
tinham igualmente os romances que escreveu nos últimos anos, numa
corrida que demonstrou que, ali, estava guardado um escritor refinado,
acutilante, capaz de páginas memoráveis, ao lado do cronista brilhante e
do historiador que levou à redescoberta do património e história
portugueses pelo mundo.
Nascido em 1952, filho do coronel Varela
Gomes, figura destacada na luta contra o regime, Paulo Varela Gomes
estudou História na Faculdade de Letras de Lisboa. Antes de se reformar,
por causa da doença, era investigador no CES-Centro de Estudos Sociais e
docente do programa de doutoramento Patrimónios da Influência
Portuguesa. Foi militante da UEC - União dos Estudantes comunistas e do
PCP, antes de integrar o grupo fundador do Movimento Política XXI, uma
das correntes que deu origem ao Bloco de Esquerda.
Sobre Goa, onde viveu
durante os anos em que foi representante da Fundação Oriente, escreveu
crónicas que davam conta dos rastos portugueses e da diferença do outro.
O seu rosto também foi presença familiar no pequeno ecrã: protagonizou
os documentários O Mundo de Cá (2002) e Malta Portuguesa (2002). Era
casado, tinha dois filhos e um neto. Linhas curtas onde não cabem tudo o
que era.
Vencedor do Prémio PEN Narrativa 2015 atribuído ao
romance Hotel, o escritor publicou (sempre na editora Tinta da China), o
volume de crónicas Ouro e Cinza (2014), e os livros O Verão de 2012
(2014), Era Uma Vez em Goa (2015), Passos Perdidos (2016). Hoje, leia-se
este extrato de Morrer é mais difícil do que parece, recuperado pela
Granta:
«A vida é muito menos cheia de prosápia do que a morte. É
uma espécie de maré pacífica, um grande e largo rio. Na vida é sempre
manhã e está um tempo esplêndido. Ao contrário da morte, o amor, que é o
outro nome da vida, não me deixa morrer às primeiras: obriga‑me a
pensar nas pessoas, nos animais e nas plantas de quem gosto e que vou
abandonar. Quando a vida manda mais em mim do que a morte, amo os que me
amam, e cresce de repente no meu coração a maré da vida.»
* Partiu um HOMEM!
.
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