Xeque aos mágicos
Os maiores fatores de incerteza do momento
encontram-se na crise dos refugiados ou na possibilidade de o Reino
Unido sair da UE - em resumo, na necessidade de a Europa se voltar a
sentir confortável na sua pele. Para o gigantismo dos desafios atuais, o
poder da magia dos banqueiros centrais pode não ser suficiente.
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O
Banco Central Europeu (BCE) voltou a baixar taxas de juro. A taxa de
depósitos desce de -30 pontos base (pb) para -40 pb. Adicionalmente, o
programa de compras de dívida pública é aumentado de 60 mil milhões para
80 mil milhões, sendo o programa de aquisição de ativos estendido a
dívida de empresas com classificação de risco de crédito de
investimento. Em paralelo, foi lançado um novo programa de cedência de
liquidez de longo prazo com vista a promover a aceleração da concessão
de crédito à economia.
A marca de sucesso da política monetária prosseguida pelo BCE é a
manutenção do euro relativamente enfraquecido face ao dólar, permitindo
deste modo a dinamização do crescimento económico por via do estímulo
exportador. Relativamente ao impulso ao crédito, a descida de taxas de
juro não tem sido particularmente eficaz. Este resultado não será
particularmente surpreendente, na medida em que as projeções de
investimento se mantêm contidas, as perspetivas de crescimento económico
são modestas, e o endividamento das empresas permanece elevado.
Com a extensão do programa de aquisição de ativos à dívida de
empresas não-financeiras, o BCE pretende reativar o crédito às empresas,
evitando o sistema bancário. Visa reduzir a dependência do crédito
bancário. A esta tentativa subjaz o argumento de que serão os bancos que
funcionarão como travão do investimento, sendo necessário desbloquear o
acesso ao financiamento pelo setor privado mediante novos instrumentos.
A razoabilidade da decisão do BCE é inequívoca; contudo, apesar da
surpresa pela dimensão do aumento do programa de compras e pela inclusão
da dívida de empresas, a reação do mercado foi tímida. Cresce o
ceticismo relativamente à capacidade de os bancos centrais reativarem o
dinamismo económico. Chovem artigos dedicados às limitações associadas à
atuação dos bancos centrais. As ferramentas existentes estariam
esgotadas, revelando-se incapazes de produzirem efeitos reais e apelando
à inovação. Por exemplo, distribuição de cheques de compras à população
com reduzida validade. Com efeito, existe excesso de liquidez no
mercado de capitais, sem canalização para a economia real, e a indústria
financeira, confrontada com taxas de juro negativas, encontra-se
desafiada nos seus princípios básicos. O Banco de Pagamentos
Internacionais, uma organização internacional com pergaminhos na
identificação de crises, alertou recentemente para o facto de as taxas
de juro negativas porem em perigo o sistema financeiro, eliminando
eventuais benefícios de curto prazo ao nível da dinâmica económica. Como
pode um fundo de pensões alemão garantir a rendibilidade de uma
carteira de suporte ao pagamento de pensões se paga juros, em vez de
receber, em títulos até dez anos? Muitos sistemas de valorização de
ativos não previam a possibilidade de taxas de juro negativas. A
existência de um prémio negativo por poupar é uma distorção mental em
termos de incentivo ao consumo presente que a folga produtiva e o
desespero para a remediar explicam.
Nas economias avançadas, o crescimento económico é anémico, o
endividamento é elevado, a produtividade encontra-se estagnada. Os
instrumentos de política económica: taxas de juro, taxas de câmbio e
orçamentos estão relativamente exaustos. Esta decisão do BCE, ou antes
do Banco do Japão ou do Banco Nacional da Suíça, pode ser descrita como
uma medida extrema em tempos difíceis. Porém, os atores nos mercados
financeiros estão crescentemente céticos da magia dos bancos centrais.
Estas decisões são o reconhecimento público de que a crise se vai
prolongar e do esgotamento do modelo económico (e, sobretudo, dos
tradicionais instrumentos de política). No caso da Europa, além da
questão da aparente limitada capacidade de promoção de estímulos
económicos incontestáveis, desponta alguma ambiguidade de sinais: por
exemplo, política monetária e regulação financeira em contracorrente.
Porém, os maiores fatores de incerteza do momento encontram-se na crise
dos refugiados ou na possibilidade de o Reino Unido sair da UE - em
resumo, na necessidade de a Europa se voltar a sentir confortável na sua
pele. Para o gigantismo dos desafios atuais, o poder da magia dos
banqueiros centrais pode não ser suficiente.
Economista
IN " JORNAL DE NEGÓCIOS"
10/03/16
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