ESTA SEMANA NA
"DELAS"
"DELAS"
Endometriose
“Estarei doida? Serei fraca?
Serei mariquinhas?”
Sempre tive dores menstruais. Desde os 11 anos. Todos diziam que era
normal. Aos 15, comecei a tomar a pílula para regular as menstruações e
por picos anémicos devido à perda de sangue por longos períodos de
tempo. Foram várias as pílulas. Mais tarde, para além das dores
menstruais, comecei também a ter dores nas relações sexuais.
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Tinha 21 anos quando casei a 8 de março de 2008. Estava cheia de
planos para o futuro. Sonhava ter filhos… Dois meses depois começaram as
idas às urgências: dores abdominais e pélvicas muito fortes. Quando as
dores coincidiam com a menstruação, os médicos diziam-me que a solução
era engravidar; fora do período menstrual, as dores eram apendicite ou
infeção urinária – doenças nunca confirmadas por análises ou exames. Fui
encaminhada para um hospital público de referência em ginecologia. O
médico disse que o que melhor se encaixava na minha sintomatologia era a
endometriose. Fiz indução de menopausa durante seis meses.
Doença psiquiátrica?
Já em agosto de 2009 realizei uma cirurgia que viria a confirmar a
endometriose. Cinco meses de melhorias e voltou tudo novamente: dores
exuberantes, idas ao hospital, mais exames, novas terapêuticas. Como
nada resultava, seguiu-se uma segunda cirurgia, em julho de 2010. Três
meses depois dei entrada no hospital com hemorragias, imensas dores e
ninguém me conseguia explicar como era possível. Continuei com a indução
da menopausa. Nesta fase, as dores já se tinham alastrado para a coluna
e para a perna direita. Todos os médicos diziam que não existiam causas
plausíveis para estes sintomas e que não poderiam ser causados pela
endometriose.
Nesta fase surgiam-me várias perguntas: Estarei doida? Serei fraca? Serei mariquinhas? Serei hipocondríaca?
No hospital decidiram que o melhor seria fazer um tratamento de
fertilidade para engravidar. A lista de espera era muito grande e o
desespero era muito. Decidi pedir uma segunda opinião. O médico
particular que consultei achou muito estranha a minha história. Depois
do exame ginecológico e de uma ressonância à coluna disse-me que
engravidar não era o mais indicado e que achava que eu tinha
endometriose do nervo ciático. Referiu ainda que em Portugal não havia
forma de tratamento e que o único médico que operava este tipo de
situação estava na Suíça.
Falei sobre tudo isto ao médico-cirurgião do hospitalar que me tinha
operado. “A Tânia é muito nova, esta doença é muito perturbadora e às
vezes as dores que permanecem são psicossomáticas, eu tenho um amigo
psiquiatra e gostava muito que a visse” – foi a resposta dele. Será que o
médico tinha razão? Eu estava era com problemas psíquicos?! Entretanto,
a dor na perna piorou ao ponto de começar a coxear. Decidi regressar ao
médico de infertilidade do hospital privado e pedir que me ajudasse.
Como não tinha um diagnóstico certo e o meu médico-cirurgião do serviço
público não concordava que eu tivesse qualquer tipo de problema, o
estado português não financiaria o tratamento no estrangeiro.
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Desesperada, em março de 2011 decidi ir por minha conta a uma
consulta na Suíça, com o Professor Doutor Marc Possover,
neuropelveologista e ginecologista. Disse-me que tinha de ser operada,
por ter uma compressão do nervo ciático, causada pela endometriose.
Mandou-me parar com a terapêutica que estava a fazer de indução da
menopausa e tomar um medicamento que só existia na Alemanha.
De volta a Portugal e com a ajuda do médico de infertilidade do
hospital privado consegui comprovar este diagnóstico. Através de um
centro hospitalar público e com o apoio de uma médica dedicada e
especializada em endometriose, para quem fui encaminhada pelo médico
privado, consegui ser operada em junho de 2011 na Suíça. O resultado da
cirurgia foi estrangulamento do nervo ciático a nível do glúteo e da
coluna, por varicoses, devido a mal formações vasculares e fibroses pela
endometriose. Depois da cirurgia voltei a tomar pílula contínua e
fiquei sem conseguir mexer a perna direita. Estive de cadeira de rodas
durante uns meses, fiz reabilitação, recuperei parte dos movimentos da
perna. Quando estava a retomar a minha vida normal, voltaram as crises
de dores intensas. Em dezembro de 2011 dei entrada nas urgências devido a
dores exuberantes e a fortes hemorragias.
Fui procurar a médica especialista em endometriose que tratou do meu
processo para ir à Suíça. Após novos exames e terapêuticas, avançamos
para uma nova cirurgia e fui então operada – a quarta vez – em fevereiro
de 2012, onde me foram retiradas fibroses, aderências dos ligamentos
útero-sagrados e diversos focos de endometriose.
Mais uma vez fiquei bem durante pouco tempo. Voltaram as dores fortes,
as idas às urgências. No final do verão voltaram as dores na perna
direita que foram sempre piorando. Em 2013, após meses de muita agonia,
de dependência em morfina e de muita dependência física – ao ponto de
necessitar de ajuda para tomar banho, não conseguia andar, não tolerar
os lençóis, nem meias, nem sapatos, nem a água do duche –, decidi
arriscar e colocar um neuroestimulador neuromedular com o objetivo de
inibir a passagem de dor melhorando assim a mobilidade. Seguiram-se três
cirurgias para ajudar a diminuir a intensidade das minhas dores e para
eu voltar a andar, mesmo que com a ajuda de canadianas. No final de
contas, fui reformada por invalidez. Com apenas 27 anos senti, mais uma
vez, que a endometriose me estava a roubar tudo.
Além da situação extremamente dolorosa da perna, mantive sempre
quadros agudos e bastante intensos de contrações pélvicas, como se
estivesse em trabalho de parto. Foram imensas idas às urgências por dor
excruciante no abdómen e pelve. No verão de 2014, desenvolvi ainda
contrações intensas da bexiga e do intestino. O ponto crítico deu-se no
final de agosto em que já tinha de ser algaliada e em que todos os dias
perdia imenso sangue do intestino. Perante este quadro, decidimos
avançar com uma cirurgia inovadora de bloqueio do plexo hipogástrico,
que foi sem dúvida uma dádiva: consegui voltar a ter um funcionamento
normal da bexiga e do intestino.
Na passagem de ano de 2014/2015 fiz outra intervenção inovadora de
paralisação do meu útero com Toxina Botulina, o que também – finalmente e
felizmente – teve um resultado excelente e permitiu, após tantos anos, o
controlo das contrações uterinas.
Voltei foi a sentir dores intensas na perna direita. Concluiu-se que
deveria haver novas compressões do nervo ciático e que o melhor seria
regressar à Suíça. Mas após ouvir diversos médicos que acompanham o meu
caso, decidiu-se que o mais sensato seria ir a uma consulta a Santander
(norte de Espanha) a um médico especialista em tratar ciáticas de origem
não discogénica.
Novamente, por minha iniciativa, fui à consulta com Dr. Perez Carros,
em julho de 2015. Verificou-se que mais uma vez há compressão do nervo
ciático e que necessitava de fazer uma artroscopia da anca, por síndrome
do glúteo profundo, com o objetivo de melhorar em 75% a dor e em 30% a
locomoção, sendo esta cirurgia mais simples e menos invasiva do que a
que realizei na Suíça em 2011. Neste momento, se não tivesse o
neuroestimulador não teria qualquer mobilidade da perna direita.
Contudo, como o nervo estava extremamente estrangulado, o aparelho já
não era suficiente para que não sentisse dores constantes e conseguisse
movimentar-me devidamente. Era necessário recorrer a esta nova cirurgia.
Campanha solidária
Este tipo de intervenção não existe ainda em Portugal. Infelizmente, a
equipa médica que me acompanha, por diversos motivos, não conseguiu
enviar-me para Espanha, através do programa que há no SNS.
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Um grupo de amigos juntou-se e criou um movimento solidário chamado
“APOIA A TÂNIA – DE SALVATERRA A SANTANDER COM A ENDOMETRIOSE”, para
angariar o dinheiro necessário para fazer a cirurgia. Em um mês
conseguiram mais do que esse valor.
Fui operada a 30 de setembro de 2015, em Santander. Na cirurgia
descobriu-se que, afinal havia várias compressões e por isso a cirurgia
foi mais extensa e era suposto ter uma recuperação muito lenta, muito
dolorosa e prepararam-me para a possibilidade de ficar com perda total e
permanente de movimentos no pé direito. Por indicação médica, às oito
semanas, deveria iniciar a recuperação motora, mas apenas e somente em
meio aquático. Mais uma vez, pelo SNS não havia possibilidade pois não
havia nenhum centro capacitado de meios aquáticos e que me permitisse
fazer uma recuperação intensiva ao estilo de Cuba.
Devido à grande onda de solidariedade, conseguiu-se ultrapassar
significativamente o valor necessário para a cirurgia e, por isso, o
dinheiro que sobrou seria para eu usar na minha recuperação. Após
pesquisas intensivas, telefonemas e várias questões, decidi que o único
sítio que poderia conceder-me tal recuperação seria um centro termal
específico em Portugal.
Entrei nas termas de cadeira de rodas, sem qualquer tipo de movimento
no membro inferior direito, com muitas alterações de retorno venoso e
de sensibilidade. Hoje, após quatro meses, o milagre aconteceu: estou a
andar sem qualquer tipo de apoio, sem qualquer tipo de ajuda! SIM,
SOZINHA!!…
Infelizmente a endometriose é mais teimosa e chata do que eu – e
acreditem que sou bastante teimosa – e já tenho novos focos. Num futuro
próximo uma nova batalha irei travar com esta minha “amiga”.
Ainda procuro o meu final feliz e quero acreditar que um dia ele vai
chegar. É esta esperança que me mantém de pé todos os dias e não me
deixa baixar os braços na procura de respostas para o meu problema, que
até ao momento, é único no país, devido à sua complexidade.
* Testemunho de Tânia Santos, 29 anos, de Foros de Salvaterra de Magos.
Uma senhora de muita coragem!
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