13/03/2016

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ESTA SEMANA NA
"SÁBADO"

Quem é a mulher que não quer ser primeira-dama?

Filme a preto e branco: anos pré-revolucionários. Marcelo Rebelo de Sousa era assistente de Direito Internacional Público, na Faculdade de Direito de Lisboa (FDL), quando pela frente lhe apareceu uma estudante chamada Rita Amaral Cabral. A jovem tinha obtido apenas 11 valores na prova escrita e queria melhorar a nota em exame oral. Alegava que a correcção da frequência estava errada, porque tinha citado a posição do regente da cadeira, o professor André Gonçalves Pereira. Como, porém, o assistente Rebelo de Sousa tinha uma opinião diferente sobre a mesma matéria, por mera teimosia manteve-lhe o 11. Mau começo. Mas havia de piorar…
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Voltaram a encontrar-se noutra prova oral, desta vez a uma cadeira de Economia. Marcelo era o examinador, com ordens expressas do professor regente para não dar mais do que 15 valores à mesma jovem, uma vez que o 16 estava reservado para o melhor aluno da turma. Para cumprir as ordens, Rebelo de Sousa, então com uns 24 anos, sacou de um truque comum: confrontou a aluna com um exame difícil, mas ela correspondeu. O juiz conselheiro Pinheiro Farinha, presidente do júri da oral (antes do 25 de Abril havia juízes a acompanhar as orais na FDL), achou que a rapariga merecia 18 valores. Aflito, Marcelo disse-lhe ter instruções para lhe dar apenas 15, portanto, mesmo desrespeitando as ordens que recebera, não iria além do 17. Assim foi. No dia seguinte, Marcelo foi repreendido pelo regente da disciplina.

Filme a cores: eleições para Presidente da República, em Janeiro de 2016. Rita Amaral Cabral não entra na campanha eleitoral de Marcelo Rebelo de Sousa para o Palácio de Belém. Ou melhor, entra. Mas sai. Vai com amigos a uma acção em Lisboa, na estação de Santa Apolónia, e vai-se embora de fugida para não falar aos jornalistas. Não faz campanha. Não será primeira­-dama. Marcelo Rebelo de Sousa e Rita Amaral Cabral não são casados. Não vivem juntos. A situação do casal configura mais uma originalidade por entre todas as da personalidade do Presidente eleito. Ele nunca deixou a casa que habita desde 1975, na Rua Conde Ferreira em Cascais. Ela vive em casa dos pais, no Estoril, hoje apenas com o pai de 90 anos. A mãe já morreu.

Oficialmente, trata-se de um namoro. Rita Amaral Cabral aparece frequentemente nas revistas sociais ao lado de Marcelo, apresentada como "a namorada", seja em casamentos de cerimónia, jogos de ténis, inaugurações, ou tão simplesmente quando surgem ambos de fato­-de­-banho a apanhar sol na praia. É a namorada de Marcelo desde 1982. Resultado: pela primeira vez desde 1974 não haverá primeira-dama, ou cônjuge do Presidente, uma figura que desde a presidência de  Jorge Sampaio passou a ter enquadramento legal. Marcelo explicou à SÁBADO porque prescindia desse resquício monárquico ou influência norte-americana: "Acho que nem é o problema jurídico da Constituição não prever [a existência da primeira-dama]. Tornou-se consensual nesta campanha e é um ponto relativamente novo na democracia portuguesa. Foi consensual achar-se que o Presidente é o Presidente e que, como a figura da primeira-dama não existe constitucionalmente, não tem de existir na prática." Apesar da insistência da SÁBADO, não quis dizer uma única palavra sobre Rita Amaral Cabral que, por sua vez, não respondeu aos nossos contactos.

Juntos mas separados por obediência religiosa
A relação entre os dois tem quase 35 anos. No início dos anos 80, depois daqueles exames orais falhados, voltariam a encontrar-se. Ele participava na comissão de restruturação do curso de Direito. Ela já era advogada e assistente na faculdade. Seriam ambos eleitos para a Assembleia de Representantes da Universidade de Lisboa. Ela mais à direita do que ele, proveniente de uma sensibilidade próxima do CDS. Aproximaram-se no Outono de 1981, depois de umas eleições para o Conselho Directivo da Faculdade, em que ficaram sozinhos a fiscalizar a urna de voto, enquanto os representantes das listas de esquerda foram jantar. Fiscalizar eleições não será um momento de sonho romântico para a maioria das pessoas, mas acabaram por cear nesse dia. E começaram a sair.
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Marcelo Rebelo de Sousa tinha-se separado definitivamente da mulher nas vésperas da morte de Sá Carneiro: a separação judicial de pessoas e bens foi declarada a 2 de Dezembro de 1980. Casara em 1972 com Cristina Motta Veiga. Tinham dois filhos. Não se divorciaram de facto por causa das convicções religiosas de Marcelo. Segundo a lei, a separação consumava-se natural e juridicamente em divórcio três anos depois, em 1983. Mesmo mantendo a relação com Rita Amaral Cabral, Rebelo de Sousa dirá ao juiz que está disposto a refazer a vida com a ex-mulher. O catolicismo de ambos é uma espécie de estoicismo. Marcelo costuma dizer que Rita esteve sempre disponível para aceitar que a prioridade dele era a família, por ser católica, desde que ele entendesse refazer a relação. Mas Cristina Motta Veiga recusou: estava à espera do papel do divórcio para se poder casar de novo e também seguir com a sua vida.

Apesar de livres, Rita e Marcelo nunca se uniram pelo sacramento do matrimónio. "Não me voltarei a casar nunca mais", disse Marcelo a Clara Ferreira Alves  numa entrevista ao Expresso em 1996, quando era líder do PSD. "A Igreja Católica não aceita o divórcio e eu concordo. E recuso-me, pelas mesmas razões de princípio a pedir a anulação do casamento." Falava também por Rita Amaral Cabral, que jamais se pronunciou publicamente sobre o assunto e nunca deu entrevistas: "Tive a sorte de encontrá-la [à Rita] porque ambos partilhamos da minha convicção católica de que o matrimónio dura até à morte. Tive a sorte de que a mulher a quem tive de pedir sacrifícios concordasse inteiramente."

Dadas as circunstâncias, a família Amaral Cabral, tradicional e conservadora, teve dificuldade em aceitá-lo. Apesar de tudo, os anos fizeram o seu trabalho e Marcelo acabou por ser adoptado e até foi um tio de Rita que o levou para a Fundação da Casa de Bragança. Do lado Rebelo de Sousa, apesar de ter apresentado a nova namorada a familiares e aos amigos mais próximos logo em 1982 –  "ela é a minha sensação espiritual", dizia ele –, Rita frequentava pouco os eventos da família. A mãe dele, Maria das Neves, chegou porém a confidenciar que gostava de ver Marcelo e Rita casados. Nunca aconteceu, apesar de Rebelo de Sousa ter feito uma declaração sentida, pública e marcante sobre o que Rita Amaral Cabral significava na sua vida, na festa de casamento do filho Nuno.

Seis anos mais nova do que Marcelo, Rita Maria Lagos do Amaral Cabral nasceu a 21 de Março de 1954. É a mais velha dos quatro filhos de Maria Elisabeth da Silva Lagos e de Joaquim Emílio do Amaral Cabral. Não admira que a família não apreciasse a originalidade da re lação com Marcelo. Os dois filhos homens, João Paulo e Manuel Gonçalo, casaram com duas filhas do empresário José Manuel de Mello (Rita pertence ao conselho de ética do Grupo Mello Saúde). Maria da Luz, a filha mais nova, casaria com um primo afastado: o empresário Miguel Pais do Amaral (conde de Anadia), de quem viria a separar-se recentemente.

Uma herdeira milionária
Lagos de um lado e Amaral Cabral do outro, Rita é riquíssima da parte Lagos e fidalga – mas apenas rica – da parte Amaral Cabral. As duas famílias são de Oliveira do Hospital, distrito de Coimbra, onde se mantêm as propriedades e a casa agrícola familiar de que Rita é uma das sócias e gerentes. Ainda há quem se lembre de a ver por lá a montar a cavalo nas férias de Verão. É um daqueles casos em que a nobreza se junta ao dinheiro novo. Entre os Cabrais há toda uma linhagem de advogados e juristas. Joaquim Emílio, o pai, formou-se em Direito em Coimbra, assim como o avô Aníbal, que chegou a ser assistente na mesma universidade. 

Um tio-avô chamado Armando Amaral Cabral ascendeu a juiz do Supremo Tribunal de Justiça durante a ditadura. Teve outras figuras curiosas na família: Alberto Madureira, tio paterno, foi um ferrenho nazi. Ofereceu-se para médico de Hitler, foi condecorado pela Alemanha nazi, e voluntariou-se para a frente russa.
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A parte maior da fortuna – de que foi herdeira parcial – foi acumulada pelo avô João Rodrigues Lagos e pelo seu irmão Manuel. Eram de Lagos da Beira, no concelho de Oliveira do Hospital, e ficaram ricos com o volfrâmio que Salazar vendia aos dois lados do conflito durante a II Guerra Mundial. A seguir, investiram na Companhia dos Algodões de Moçambique. Era um monopólio protegido. Todo o algodão produzido no território devia ser vendido à firma de que o grupo Espírito Santo também era sócio. As relações com a família Espírito Santo são antigas e prolongam-se até ao presente. Rita Amaral Cabral é uma das melhores amigas de Maria João Salgado, mulher de Ricardo Salgado. "A minha mãe já era amiga dos pais da Rita", diz à SÁBADO Mary Salgado, irmã do ex-presidente do BES.

Rita era uma jovem "séria, sisuda", recorda um amigo de infância, "sempre muito bem arranjadinha e bastante reservada". Continuou discreta pela vida fora. Na faculdade, recorda o colega de turma Ricardo Sá Fernandes, mantinha o perfil: "Muito boa aluna, muito inteligente, muito educada, acessível e discreta." E sem actividade política. Paulo Portas, parente afastado (via família Sacadura Cabral) e antigo aluno de Rita Amaral Cabral a Direito das Obrigações na Universidade Católica, recorda: "Excelente professora, inteligente, segura e didáctica." Sofia Galvão, advogada e ex-dirigente do PSD: "Foi minha professora em 1985/86 e era irrepreensível. Os alunos gostavam dela e respeitavam-na. Quando dei aulas era a pessoa que tinha como modelo. Até há quem diga que nunca entregou o doutoramento por excesso de perfeccionismo." Nuno Morais Sarmento, ex-ministro e dirigente do PSD, foi outro antigo aluno na Católica: "Era uma pessoa aberta, que interagia bem connosco, de sorriso fácil, mas ao mesmo tempo com um lado fechado e duro."

Apesar de avessa a olhares públicos, ocupou lugares com alguma relevância. Primeiro como membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, indicada pela Ordem dos Advogados (entre 2003 e 2008), quando o bastonário era José Miguel Júdice. Depois, a partir de 2012 e até ao colapso do banco em 2014, foi administradora não executiva do Banco Espírito Santo. Era íntima da família Salgado. Aliás, são vários os amigos que dizem à SÁBADO que Marcelo estreitou as relações com Ricardo Salgado exactamente através de Rita Amaral Cabral. Passaram férias várias vezes com Ricardo e Maria João no Tivoli Eco Resort que pertencia ao Grupo Espírito Santo, em Txai, na Baía. Pelo menos em 2009 e 2011 foi lá que comemoraram a passagem de ano. Alugavam barcos na Turquia, embora cada um pagasse os seus. Marcelo dirige­-se a Ricardo Salgado por tu – travaram conhecimento ainda jovens – mas trata Rita por você.

A advogada, da Amaral Cabral & Associados, tinha assento em vários órgãos do extinto BES. Pertencia ao Conselho de Administração como administradora não executiva, onde ganhava uma média anual de 42 mil euros, como em 2013, segundo o relatório e contas do banco. Fazia ainda parte da Comissão de Governo da Sociedade, onde era suposto garantir que não havia conflitos de interesses nas decisões, assim como deveria emitir opinião sobre "princípios e práticas de conduta". Também integrava a Comissão de Operações e Partes Relacionadas, ou seja, fazia parte das suas incumbências acompanhar a relação do BES com as empresas do Grupo Espírito Santo, por exemplo. No dia 13 de Julho de 2014, quando o império se desmoronou e Ricardo Salgado participou na última reunião do conselho de administração, Rita Amaral Cabral fez questão de propor um voto de louvor, que consta da acta a que a SÁBADO teve acesso: "A senhora drª Rita Amaral Cabral tomou seguidamente a palavra para realçar a honra que constituiu integrar o conselho de administração do BES", manifestando uma "honra acrescida em ter tido como presidente da comissão executiva o senhor dr. Ricardo Salgado".
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Na sequência da resolução do banco, Rita Amaral Cabral pôs um dos 19 processos contra o Banco de Portugal devido à decisão de separar o BES em banco bom e banco mau. "É uma pessoa hipercontrolada, inteligente, mas que nunca emitia uma opinião sem antes perceber como se desenvolvia a correlação de forças", diz um antigo administrador. Falava pouco. Não deixava transparecer qualquer intimidade que tivesse com Salgado. Quando começaram os problemas "não mudou a atitude". Mesmo quando toda a gente percebeu que o banco ia acabar, "ninguém fez o mínimo comentário", garante a mesma fonte. Rita Amaral Cabral incluída.

Numa entrevista de pré-campanha ao Expresso, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu-a: "O facto de a Rita ter exercido funções de gestão no BES não me cria qualquer embaraço. Em primeiro lugar, considero-a uma pessoa de honestidade, rigor e transparência a toda a prova. Em segundo, não há qualquer processo que a envolva. Terceiro, como é próprio de uma sociedade democrática e culta, as nossas vidas profissionais e patrimoniais são separadas."

Também era administradora não executiva da Semapa (grupo industrial na área dos cimentos, energia e pasta de papel), da Cimigest e da Sodim, tudo empresas do grupo liderado por Pedro Queirós Pereira, que entrou em conflito com Ricardo Salgado. Do lado da cimenteira, ficou a percepção de que Rita teria tido um papel na estratégia de Maude Queirós Pereira – que era casada com João Lagos, um dos melhores amigos de Marcelo – contra o irmão Pedro Queirós Pereira, para passar o controlo do grupo para a família Espírito Santo. "Foi uma peça fundamental por ser próxima da Maudezinha", diz uma fonte ligada a Queirós Pereira. Se ficasse maioritário na Semapa, Ricardo Salgado poderia eventualmente conseguir consolidar as contas e tapar os prejuízos da Rioforte.

Sempre dentro e sempre fora da política
Rita Amaral Cabral poderia ter iniciado uma carreira política que nunca quis ter quando Francisco Pinto Balsemão chamou Marcelo para secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, em 1981. Ele precisava de um ajudante. A primeira pessoa a ser sondada para o lugar de subsecretária de Estado foi Rita Amaral Cabral. A ex-aluna e namorada, recusou. A escolha recaiu em Luísa Antas, de 25 anos, outra jovem antiga aluna.

Em Junho de 1982, Balsemão remodelou o Governo. Marcelo tinha pedido para sair. No dia em que foi a São Bento despedir-se, pediu a Rita Amaral Cabral para o ir buscar, pois ia deixar de ter motorista. Segundo a versão de Marcelo Rebelo de Sousa, quando ele saiu da residência oficial, um funcionário chamou-o. Afinal Balsemão queria voltar a falar com ele. Nascimento Rodrigues recusara o lugar de ministro adjunto e não havia tempo para procurar outro. Tinha de ser Marcelo. Em vez de sair, ficou como ministro dos Assuntos Parlamentares. Quando entrou no carro, Rita perguntou: "Finalmente livres?" Nada disso. "Não. Agora sou ministro." Ela empertigou-se: "Está a brincar comigo?... Então combinámos que saía…" A explicação não era, de facto, muito convincente.

Embora tenha sempre preferido a sombra às luzes da ribalta, Rita Amaral Cabral seguiu de muito perto a vida política de Marcelo Rebelo de Sousa. Em 1985, no mítico congresso da Figueira da Foz, ele estava preparado para chegar a líder. Mas acabou por ser a tendência por ele liderada, a Nova Esperança, a dar a vitória a Cavaco Silva. No fim do congresso, Marcelo partilhava as suas angústias com a namorada ao auscultador de um telefone fixo: "Rita, vamos ter este homem 10 anos como primeiro-ministro e 10 como Presidente da República." Ela não estava a ver o filme: "Ó Marcelo, você está perturbado..." Não estava.

Em 1988 a jurista ganhou uma bolsa para fazer uma investigação na área do Direito em Munique. Passou lá três anos. Nesse período, Marcelo viajava para a Alemanha quase de 15 em 15 dias e aproveitava as bibliotecas alemãs – falam ambos alemão – para preparar as suas provas académicas de agregação. Ela estudava Direito Privado. Ele aprofundava os conhecimentos em Direito Público. Mas também procurava inspiração. Foi em Munique que teve notícia de que Walter Momper, o burgomestre social-democrata de Berlim, mergulhara com toda a sua equipa nas águas geladas de um rio em defesa do ambiente. Plagiou a ideia para a aplicar como candidato às eleições autárquicas para a câmara de Lisboa em 1989. Aqui nasceu o famoso mergulho no Tejo poluído. Ela achou que era uma ideia de doidos e a iniciativa eleitoral mais famosa da democracia portuguesa foi decidida com Rita a protestar pelo telefone: "Mas quem é que lhe vende essas ideias? Isso é uma loucura..."
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O regresso a Lisboa aconteceu em 1991. Mantiveram o estilo de vida: juntos, mas separados. A queda do cavaquismo teve influência na vida de ambos. Nogueira sucedeu a Cavaco e Marcelo sucedeu a Nogueira, em 1996. Tal como não apareceu agora na campanha para Belém, Rita não acompanhou Marcelo no primeiro congresso da sua liderança, em Santa Maria da Feira. Começou a dar a cara com maior frequência em 1998, no congresso de Tavira. Quando os barrosistas desertaram do núcleo duro de Marcelo por causa da Alternativa Democrática com Paulo Portas, Rita reagiu com mais emoção do que o seu racionalismo poderia sugerir.

Quando se trata de Marcelo, perde a racionalidade, diz um amigo. Num dos camarins ocupados pelo líder, ela dirigiu-se a Nuno Morais Sarmento: "Consigo não tenho problema nenhum, porque foi claro e disse o que tinha a dizer frontalmente, mas ao Zé Luís [Arnaut] não perdoo..."

Embora distante, esteve sempre presente. Foi ela que contou pelo telefone a Marcelo, que estava em Roma, o que Paulo Portas ia dizendo numa entrevista que acabaria por matar a aliança pré-eleitoral com o PSD. Foi ela que disse aos amigos que não valia a pena tentar demovê-lo, porque ele estava mesmo decidido a demitir-se da liderança do partido. Nesse dia fatídico, em que Marcelo caiu e Portas ficou, jantaram juntos no Visconde da Luz, em Cascais. Encontraram Daniel Proença de Carvalho com a mulher numa mesa e juntaram-se ao casal.

Uma influência determinante
Ninguém duvida que Marcelo só avançou para a candidatura a Presidente porque ela aceitou o sacrifício. Houve outros momentos em que foi acelerador ou travão na vida política ou de comentador do namorado.

Quando Durão Barroso deixou o Governo para ir para a Comissão Europeia, em Junho de 2004, foi freio. A reunião dos apoiantes de Marcelo realizou-se em casa da própria Rita, com Leonor Beleza, Isabel Mota, Marques Mendes e Manuela Ferreira Leite. Ela argumentou que não havia nada a fazer senão ficarem quietinhos. Santana Lopes estava há dois anos a trabalhar para o partido e os membros do Conselho Nacional esmagariam qualquer hipótese de alternativa.

Se aqui Rita foi gelo para arrefecer o entusiasmo marcelista, noutras circunstâncias combinou-se com amigos para o levar a avançar. Em Abril de 2008, quando Luís Filipe Menezes se demitiu da liderança do PSD, José Miguel Júdice, amigo de ambos, quis convencer Marcelo a regressar à sede na rua de São Caetano. Havia uma indefinição, sobretudo entre Rui Rio e Manuela Ferreira Leite. "Convidei-os para jantar para o convencer a candidatar-se à liderança do PSD e ela entrou na minha conspiração para o tentar entusiasmar", recorda o advogado e antigo dirigente do PSD à SÁBADO. "Ela ajudou-me, não porque gostasse da ideia, mas por achar que era uma coisa que o Marcelo Rebelo de Sousa devia dar ao País." Dessa vez foi  mesmo o professor que não quis.
São vários os amigos a dizer que ela preferia vê-lo arredado do palco político. Tudo o que fosse para além do comentário era demais. "Por ela, o Marcelo não fazia carreira política", garante Júdice. Até nas presidenciais terá pesado o mesmo argumento: o facto de Rita achar que a candidatura dele era importante para Portugal, apesar dos transtornos para a vida dos dois.

Na carreira de Marcelo no comentário político foi ainda mais determinante. Rebelo de Sousa chegou a ter tudo acertado com Emídio Rangel para se inaugurar a fazer comentário televisivo na SIC, onde à partida tinha audiências e influência garantida. Mas Miguel Pais do Amaral, que era casado com a irmã mais nova de Rita, Maria da Luz Amaral Cabral, e que passava férias em comum, pediu à cunhada  para o influenciar. Foi a própria Rita, durante um jantar em sua casa com Emídio Rangel e Margarida Marante, que argu mentou com o então director da SIC, explicando­-lhe, delicadamente, que o analista político devia ir para a TVI. O projecto estava a ser relançado e havia ali uma obrigação de ajudar o cunhado. Era uma questão familiar, que havia de acabar mal em 2004. Marcelo sairia da estação zangado com Pais do Amaral e com corte de relações familiares por causa das críticas ao Governo de Pedro Santana Lopes.

Nos comentários televisivos, Marcelo tinha em Rita Amaral Cabral a sua principal crítica e conselheira. Sempre que pôde, acompanhou-o nas idas aos estúdios ao longo dos anos, fosse na TVI, na RTP ou na TVI de novo. Advertia-o quando achava que os temas eram demasiados. Aconselhava-o a defender-se quando ele estava muito cansado. Sugeria temas. Por vezes discordava dele. Ajudava-o a escolher as gravatas. Achava tenebrosas as de riscas. "Ia muitas vezes com o professor à RTP", recorda a jornalista Maria Flor Pedroso, e confirma: "Percebi que ela tem uma enorme influência sobre ele, o que é normal."

O direito das pessoas à intimidade
Os amigos corroboram que essa influência acontece em todos os aspectos da vida do casal. "É uma voz muitas vezes decisiva, muito escutada. Ela tem enorme influência sobre ele", repete um grande amigo de Marcelo. Quando acha que o frenético companheiro está a passar das marcas do engraçadismo, é capaz de lhe dizer: "Você parece que é parvo!" Mas acha-lhe uma graça infinita. Outro amigo do casal: "É uma pessoa fundamental, porque tem o poder de o fazer descer à terra constantemente. É muito importante para o equilíbrio dele." Um velho conhecido é menos complacente: "Não é a pessoa mais aberta do mundo. Comporta-se como sendo fria e distante e é muito difícil tocá-la emocionalmente, mas ele tem uma grande dependência emocional dela."
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A reserva da intimidade e a discrição mediática de Rita Amaral Cabral não é apenas uma forma de vida. Em 1989, a jurista escreveu um ensaio intitulado O Direito à Intimidade da Vida Privada, que foi publicado num volume de estudos em memória do professor Paulo Cunha. Reconhecia a existência do confronto entre o "interesse público versus interesse privado". E especificava que a "extensão da reserva" da vida íntima das figuras públicas face à exposição mediática variava conforme o caso e a condição das pessoas. Dava exemplos: "Tem de aceitar-se que os eleitores devem ter a possibilidade de conhecer se um candidato educa os seus filhos em conformidade com a fé que proclama confessar." E acrescentava: "Muitas vezes o próprio estado dessas pessoas exige que elas exibam a sua vida e sobre elas concentrem a atenção popular". Embora também defenda que a vontade de uma determinada pessoa de estar afastada da vida pública aumente o espaço dessa intimidade, Rita Amaral Cabral tem a consciência de que ser mulher ou namorada – ou quase as duas coisas – de um Presidente da República a coloca no centro do espaço público sujeito ao escrutínio. 

Mesmo que não queira ser primeira-dama.

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