ESTA SEMANA NA
"SÁBADO"
"SÁBADO"
Quem é a mulher que não quer ser primeira-dama?
Filme a preto e branco: anos pré-revolucionários.
Marcelo Rebelo de Sousa era assistente de Direito Internacional Público,
na Faculdade de Direito de Lisboa (FDL), quando pela frente lhe
apareceu uma estudante chamada Rita Amaral Cabral. A jovem tinha obtido
apenas 11 valores na prova escrita e queria melhorar a nota em exame
oral. Alegava que a correcção da frequência estava errada, porque tinha
citado a posição do regente da cadeira, o professor André Gonçalves
Pereira. Como, porém, o assistente Rebelo de Sousa tinha uma opinião
diferente sobre a mesma matéria, por mera teimosia manteve-lhe o 11. Mau
começo. Mas havia de piorar…
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Voltaram a encontrar-se noutra prova oral, desta vez a uma
cadeira de Economia. Marcelo era o examinador, com ordens expressas do
professor regente para não dar mais do que 15 valores à mesma jovem, uma
vez que o 16 estava reservado para o melhor aluno da turma. Para
cumprir as ordens, Rebelo de Sousa, então com uns 24 anos, sacou de um
truque comum: confrontou a aluna com um exame difícil, mas ela
correspondeu. O juiz conselheiro Pinheiro Farinha, presidente do júri da
oral (antes do 25 de Abril havia juízes a acompanhar as orais na FDL),
achou que a rapariga merecia 18 valores. Aflito, Marcelo disse-lhe ter
instruções para lhe dar apenas 15, portanto, mesmo desrespeitando as
ordens que recebera, não iria além do 17. Assim foi. No dia seguinte,
Marcelo foi repreendido pelo regente da disciplina.
Filme a cores: eleições para Presidente da República, em
Janeiro de 2016. Rita Amaral Cabral não entra na campanha eleitoral de
Marcelo Rebelo de Sousa para o Palácio de Belém. Ou melhor, entra. Mas
sai. Vai com amigos a uma acção em Lisboa, na estação de Santa Apolónia,
e vai-se embora de fugida para não falar aos jornalistas. Não faz
campanha. Não será primeira-dama. Marcelo Rebelo de Sousa e Rita Amaral
Cabral não são casados. Não vivem juntos. A situação do casal configura
mais uma originalidade por entre todas as da personalidade do
Presidente eleito. Ele nunca deixou a casa que habita desde 1975, na Rua
Conde Ferreira em Cascais. Ela vive em casa dos pais, no Estoril, hoje
apenas com o pai de 90 anos. A mãe já morreu.
Oficialmente, trata-se de um namoro. Rita Amaral Cabral aparece
frequentemente nas revistas sociais ao lado de Marcelo, apresentada
como "a namorada", seja em casamentos de cerimónia, jogos de ténis,
inaugurações, ou tão simplesmente quando surgem ambos de fato-de-banho
a apanhar sol na praia. É a namorada de Marcelo desde 1982. Resultado:
pela primeira vez desde 1974 não haverá primeira-dama, ou cônjuge do
Presidente, uma figura que desde a presidência de Jorge Sampaio passou a
ter enquadramento legal. Marcelo explicou à SÁBADO
porque prescindia desse resquício monárquico ou influência
norte-americana: "Acho que nem é o problema jurídico da Constituição não
prever [a existência da primeira-dama]. Tornou-se consensual nesta
campanha e é um ponto relativamente novo na democracia portuguesa. Foi
consensual achar-se que o Presidente é o Presidente e que, como a figura
da primeira-dama não existe constitucionalmente, não tem de existir na
prática." Apesar da insistência da SÁBADO, não quis dizer uma única palavra sobre Rita Amaral Cabral que, por sua vez, não respondeu aos nossos contactos.
Juntos mas separados por obediência religiosa
A relação entre os dois tem quase 35 anos. No início dos anos
80, depois daqueles exames orais falhados, voltariam a encontrar-se. Ele
participava na comissão de restruturação do curso de Direito. Ela já
era advogada e assistente na faculdade. Seriam ambos eleitos para a
Assembleia de Representantes da Universidade de Lisboa. Ela mais à
direita do que ele, proveniente de uma sensibilidade próxima do CDS.
Aproximaram-se no Outono de 1981, depois de umas eleições para o
Conselho Directivo da Faculdade, em que ficaram sozinhos a fiscalizar a
urna de voto, enquanto os representantes das listas de esquerda foram
jantar. Fiscalizar eleições não será um momento de sonho romântico para a
maioria das pessoas, mas acabaram por cear nesse dia. E começaram a
sair.
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Marcelo Rebelo de Sousa tinha-se separado definitivamente da
mulher nas vésperas da morte de Sá Carneiro: a separação judicial de
pessoas e bens foi declarada a 2 de Dezembro de 1980. Casara em 1972 com
Cristina Motta Veiga. Tinham dois filhos. Não se divorciaram de facto
por causa das convicções religiosas de Marcelo. Segundo a lei, a
separação consumava-se natural e juridicamente em divórcio três anos
depois, em 1983. Mesmo mantendo a relação com Rita Amaral Cabral, Rebelo
de Sousa dirá ao juiz que está disposto a refazer a vida com a
ex-mulher. O catolicismo de ambos é uma espécie de estoicismo. Marcelo
costuma dizer que Rita esteve sempre disponível para aceitar que a
prioridade dele era a família, por ser católica, desde que ele
entendesse refazer a relação. Mas Cristina Motta Veiga recusou: estava à
espera do papel do divórcio para se poder casar de novo e também seguir
com a sua vida.
Apesar de livres, Rita e Marcelo nunca se uniram pelo
sacramento do matrimónio. "Não me voltarei a casar nunca mais", disse
Marcelo a Clara Ferreira Alves numa entrevista ao Expresso
em 1996, quando era líder do PSD. "A Igreja Católica não aceita o
divórcio e eu concordo. E recuso-me, pelas mesmas razões de princípio a
pedir a anulação do casamento." Falava também por Rita Amaral Cabral,
que jamais se pronunciou publicamente sobre o assunto e nunca deu
entrevistas: "Tive a sorte de encontrá-la [à Rita] porque ambos
partilhamos da minha convicção católica de que o matrimónio dura até à
morte. Tive a sorte de que a mulher a quem tive de pedir sacrifícios
concordasse inteiramente."
Dadas as circunstâncias, a família Amaral Cabral, tradicional e
conservadora, teve dificuldade em aceitá-lo. Apesar de tudo, os anos
fizeram o seu trabalho e Marcelo acabou por ser adoptado e até foi um
tio de Rita que o levou para a Fundação da Casa de Bragança. Do lado
Rebelo de Sousa, apesar de ter apresentado a nova namorada a familiares e
aos amigos mais próximos logo em 1982 – "ela é a minha sensação
espiritual", dizia ele –, Rita frequentava pouco os eventos da família. A
mãe dele, Maria das Neves, chegou porém a confidenciar que gostava de
ver Marcelo e Rita casados. Nunca aconteceu, apesar de Rebelo de Sousa
ter feito uma declaração sentida, pública e marcante sobre o que Rita
Amaral Cabral significava na sua vida, na festa de casamento do filho
Nuno.
Seis anos mais nova do que Marcelo, Rita Maria Lagos do Amaral
Cabral nasceu a 21 de Março de 1954. É a mais velha dos quatro filhos de
Maria Elisabeth da Silva Lagos e de Joaquim Emílio do Amaral Cabral.
Não admira que a família não apreciasse a originalidade da re lação com
Marcelo. Os dois filhos homens, João Paulo e Manuel Gonçalo, casaram com
duas filhas do empresário José Manuel de Mello (Rita pertence ao
conselho de ética do Grupo Mello Saúde). Maria da Luz, a filha mais
nova, casaria com um primo afastado: o empresário Miguel Pais do Amaral
(conde de Anadia), de quem viria a separar-se recentemente.
Uma herdeira milionária
Lagos de um lado e Amaral Cabral do outro, Rita é riquíssima da
parte Lagos e fidalga – mas apenas rica – da parte Amaral Cabral. As
duas famílias são de Oliveira do Hospital, distrito de Coimbra, onde se
mantêm as propriedades e a casa agrícola familiar de que Rita é uma das
sócias e gerentes. Ainda há quem se lembre de a ver por lá a montar a
cavalo nas férias de Verão. É um daqueles casos em que a nobreza se
junta ao dinheiro novo. Entre os Cabrais há toda uma linhagem de
advogados e juristas. Joaquim Emílio, o pai, formou-se em Direito em
Coimbra, assim como o avô Aníbal, que chegou a ser assistente na mesma
universidade.
Um tio-avô chamado Armando Amaral Cabral ascendeu a juiz do Supremo Tribunal de Justiça durante a ditadura. Teve outras figuras curiosas na família: Alberto Madureira, tio paterno, foi um ferrenho nazi. Ofereceu-se para médico de Hitler, foi condecorado pela Alemanha nazi, e voluntariou-se para a frente russa.
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A parte maior da fortuna – de que foi herdeira parcial – foi
acumulada pelo avô João Rodrigues Lagos e pelo seu irmão Manuel. Eram de
Lagos da Beira, no concelho de Oliveira do Hospital, e ficaram ricos
com o volfrâmio que Salazar vendia aos dois lados do conflito durante a
II Guerra Mundial. A seguir, investiram na Companhia dos Algodões de
Moçambique. Era um monopólio protegido. Todo o algodão produzido no
território devia ser vendido à firma de que o grupo Espírito Santo
também era sócio. As relações com a família Espírito Santo são antigas e
prolongam-se até ao presente. Rita Amaral Cabral é uma das melhores
amigas de Maria João Salgado, mulher de Ricardo Salgado. "A minha mãe já
era amiga dos pais da Rita", diz à SÁBADO Mary Salgado, irmã do ex-presidente do BES.
Rita era uma jovem "séria, sisuda", recorda um amigo de
infância, "sempre muito bem arranjadinha e bastante reservada".
Continuou discreta pela vida fora. Na faculdade, recorda o colega de
turma Ricardo Sá Fernandes, mantinha o perfil: "Muito boa aluna, muito
inteligente, muito educada, acessível e discreta." E sem actividade
política. Paulo Portas, parente afastado (via família Sacadura Cabral) e
antigo aluno de Rita Amaral Cabral a Direito das Obrigações na
Universidade Católica, recorda: "Excelente professora, inteligente,
segura e didáctica." Sofia Galvão, advogada e ex-dirigente do PSD: "Foi
minha professora em 1985/86 e era irrepreensível. Os alunos gostavam
dela e respeitavam-na. Quando dei aulas era a pessoa que tinha como
modelo. Até há quem diga que nunca entregou o doutoramento por excesso
de perfeccionismo." Nuno Morais Sarmento, ex-ministro e dirigente do
PSD, foi outro antigo aluno na Católica: "Era uma pessoa aberta, que
interagia bem connosco, de sorriso fácil, mas ao mesmo tempo com um lado
fechado e duro."
Apesar de avessa a olhares públicos, ocupou lugares com alguma
relevância. Primeiro como membro do Conselho Nacional de Ética para as
Ciências da Vida, indicada pela Ordem dos Advogados (entre 2003 e 2008),
quando o bastonário era José Miguel Júdice. Depois, a partir de 2012 e
até ao colapso do banco em 2014, foi administradora não executiva do
Banco Espírito Santo. Era íntima da família Salgado. Aliás, são vários
os amigos que dizem à SÁBADO que Marcelo
estreitou as relações com Ricardo Salgado exactamente através de Rita
Amaral Cabral. Passaram férias várias vezes com Ricardo e Maria João no
Tivoli Eco Resort que pertencia ao Grupo Espírito Santo, em Txai, na
Baía. Pelo menos em 2009 e 2011 foi lá que comemoraram a passagem de
ano. Alugavam barcos na Turquia, embora cada um pagasse os seus. Marcelo
dirige-se a Ricardo Salgado por tu – travaram conhecimento ainda
jovens – mas trata Rita por você.
A advogada, da Amaral Cabral & Associados, tinha assento em
vários órgãos do extinto BES. Pertencia ao Conselho de Administração
como administradora não executiva, onde ganhava uma média anual de 42
mil euros, como em 2013, segundo o relatório e contas do banco. Fazia
ainda parte da Comissão de Governo da Sociedade, onde era suposto
garantir que não havia conflitos de interesses nas decisões, assim como
deveria emitir opinião sobre "princípios e práticas de conduta". Também
integrava a Comissão de Operações e Partes Relacionadas, ou seja, fazia
parte das suas incumbências acompanhar a relação do BES com as empresas
do Grupo Espírito Santo, por exemplo. No dia 13 de Julho de 2014, quando
o império se desmoronou e Ricardo Salgado participou na última reunião
do conselho de administração, Rita Amaral Cabral fez questão de propor
um voto de louvor, que consta da acta a que a SÁBADO
teve acesso: "A senhora drª Rita Amaral Cabral tomou seguidamente a
palavra para realçar a honra que constituiu integrar o conselho de
administração do BES", manifestando uma "honra acrescida em ter tido
como presidente da comissão executiva o senhor dr. Ricardo Salgado".
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Na sequência da resolução do banco, Rita Amaral Cabral pôs um
dos 19 processos contra o Banco de Portugal devido à decisão de separar o
BES em banco bom e banco mau. "É uma pessoa hipercontrolada,
inteligente, mas que nunca emitia uma opinião sem antes perceber como se
desenvolvia a correlação de forças", diz um antigo administrador.
Falava pouco. Não deixava transparecer qualquer intimidade que tivesse
com Salgado. Quando começaram os problemas "não mudou a atitude". Mesmo
quando toda a gente percebeu que o banco ia acabar, "ninguém fez o
mínimo comentário", garante a mesma fonte. Rita Amaral Cabral incluída.
Numa entrevista de pré-campanha ao Expresso,
Marcelo Rebelo de Sousa defendeu-a: "O facto de a Rita ter exercido
funções de gestão no BES não me cria qualquer embaraço. Em primeiro
lugar, considero-a uma pessoa de honestidade, rigor e transparência a
toda a prova. Em segundo, não há qualquer processo que a envolva.
Terceiro, como é próprio de uma sociedade democrática e culta, as nossas
vidas profissionais e patrimoniais são separadas."
Também era administradora não executiva da Semapa (grupo
industrial na área dos cimentos, energia e pasta de papel), da Cimigest e
da Sodim, tudo empresas do grupo liderado por Pedro Queirós Pereira,
que entrou em conflito com Ricardo Salgado. Do lado da cimenteira, ficou
a percepção de que Rita teria tido um papel na estratégia de Maude
Queirós Pereira – que era casada com João Lagos, um dos melhores amigos
de Marcelo – contra o irmão Pedro Queirós Pereira, para passar o
controlo do grupo para a família Espírito Santo. "Foi uma peça
fundamental por ser próxima da Maudezinha", diz uma fonte ligada a
Queirós Pereira. Se ficasse maioritário na Semapa, Ricardo Salgado
poderia eventualmente conseguir consolidar as contas e tapar os
prejuízos da Rioforte.
Sempre dentro e sempre fora da política
Rita Amaral Cabral poderia ter iniciado uma carreira política
que nunca quis ter quando Francisco Pinto Balsemão chamou Marcelo para
secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, em 1981.
Ele precisava de um ajudante. A primeira pessoa a ser sondada para o
lugar de subsecretária de Estado foi Rita Amaral Cabral. A ex-aluna e
namorada, recusou. A escolha recaiu em Luísa Antas, de 25 anos, outra
jovem antiga aluna.
Em Junho de 1982, Balsemão remodelou o Governo. Marcelo tinha
pedido para sair. No dia em que foi a São Bento despedir-se, pediu a
Rita Amaral Cabral para o ir buscar, pois ia deixar de ter motorista.
Segundo a versão de Marcelo Rebelo de Sousa, quando ele saiu da
residência oficial, um funcionário chamou-o. Afinal Balsemão queria
voltar a falar com ele. Nascimento Rodrigues recusara o lugar de
ministro adjunto e não havia tempo para procurar outro. Tinha de ser
Marcelo. Em vez de sair, ficou como ministro dos Assuntos Parlamentares.
Quando entrou no carro, Rita perguntou: "Finalmente livres?" Nada
disso. "Não. Agora sou ministro." Ela empertigou-se: "Está a brincar
comigo?... Então combinámos que saía…" A explicação não era, de facto,
muito convincente.
Embora tenha sempre preferido a sombra às luzes da ribalta,
Rita Amaral Cabral seguiu de muito perto a vida política de Marcelo
Rebelo de Sousa. Em 1985, no mítico congresso da Figueira da Foz, ele
estava preparado para chegar a líder. Mas acabou por ser a tendência por
ele liderada, a Nova Esperança, a dar a vitória a Cavaco Silva. No fim
do congresso, Marcelo partilhava as suas angústias com a namorada ao
auscultador de um telefone fixo: "Rita, vamos ter este homem 10 anos
como primeiro-ministro e 10 como Presidente da República." Ela não
estava a ver o filme: "Ó Marcelo, você está perturbado..." Não estava.
Em 1988 a jurista ganhou uma bolsa para fazer uma investigação
na área do Direito em Munique. Passou lá três anos. Nesse período,
Marcelo viajava para a Alemanha quase de 15 em 15 dias e aproveitava as
bibliotecas alemãs – falam ambos alemão – para preparar as suas provas
académicas de agregação. Ela estudava Direito Privado. Ele aprofundava
os conhecimentos em Direito Público. Mas também procurava inspiração.
Foi em Munique que teve notícia de que Walter Momper, o burgomestre
social-democrata de Berlim, mergulhara com toda a sua equipa nas águas
geladas de um rio em defesa do ambiente. Plagiou a ideia para a aplicar
como candidato às eleições autárquicas para a câmara de Lisboa em 1989.
Aqui nasceu o famoso mergulho no Tejo poluído. Ela achou que era uma
ideia de doidos e a iniciativa eleitoral mais famosa da democracia
portuguesa foi decidida com Rita a protestar pelo telefone: "Mas quem é
que lhe vende essas ideias? Isso é uma loucura..."
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O regresso a Lisboa aconteceu em 1991. Mantiveram o estilo de
vida: juntos, mas separados. A queda do cavaquismo teve influência na
vida de ambos. Nogueira sucedeu a Cavaco e Marcelo sucedeu a Nogueira,
em 1996. Tal como não apareceu agora na campanha para Belém, Rita não
acompanhou Marcelo no primeiro congresso da sua liderança, em Santa
Maria da Feira. Começou a dar a cara com maior frequência em 1998, no
congresso de Tavira. Quando os barrosistas desertaram do núcleo duro de
Marcelo por causa da Alternativa Democrática com Paulo Portas, Rita
reagiu com mais emoção do que o seu racionalismo poderia sugerir.
Quando se trata de Marcelo, perde a racionalidade, diz um amigo. Num dos camarins ocupados pelo líder, ela dirigiu-se a Nuno Morais Sarmento: "Consigo não tenho problema nenhum, porque foi claro e disse o que tinha a dizer frontalmente, mas ao Zé Luís [Arnaut] não perdoo..."
Quando se trata de Marcelo, perde a racionalidade, diz um amigo. Num dos camarins ocupados pelo líder, ela dirigiu-se a Nuno Morais Sarmento: "Consigo não tenho problema nenhum, porque foi claro e disse o que tinha a dizer frontalmente, mas ao Zé Luís [Arnaut] não perdoo..."
Embora distante, esteve sempre presente. Foi ela que contou
pelo telefone a Marcelo, que estava em Roma, o que Paulo Portas ia
dizendo numa entrevista que acabaria por matar a aliança pré-eleitoral
com o PSD. Foi ela que disse aos amigos que não valia a pena tentar
demovê-lo, porque ele estava mesmo decidido a demitir-se da liderança do
partido. Nesse dia fatídico, em que Marcelo caiu e Portas ficou,
jantaram juntos no Visconde da Luz, em Cascais. Encontraram Daniel
Proença de Carvalho com a mulher numa mesa e juntaram-se ao casal.
Uma influência determinante
Ninguém duvida que Marcelo só avançou para a candidatura a
Presidente porque ela aceitou o sacrifício. Houve outros momentos em que
foi acelerador ou travão na vida política ou de comentador do namorado.
Quando Durão Barroso deixou o Governo para ir para a Comissão
Europeia, em Junho de 2004, foi freio. A reunião dos apoiantes de
Marcelo realizou-se em casa da própria Rita, com Leonor Beleza, Isabel
Mota, Marques Mendes e Manuela Ferreira Leite. Ela argumentou que não
havia nada a fazer senão ficarem quietinhos. Santana Lopes estava há
dois anos a trabalhar para o partido e os membros do Conselho Nacional
esmagariam qualquer hipótese de alternativa.
Se aqui Rita foi gelo para arrefecer o entusiasmo marcelista,
noutras circunstâncias combinou-se com amigos para o levar a avançar. Em
Abril de 2008, quando Luís Filipe Menezes se demitiu da liderança do
PSD, José Miguel Júdice, amigo de ambos, quis convencer Marcelo a
regressar à sede na rua de São Caetano. Havia uma indefinição, sobretudo
entre Rui Rio e Manuela Ferreira Leite. "Convidei-os para jantar para o
convencer a candidatar-se à liderança do PSD e ela entrou na minha
conspiração para o tentar entusiasmar", recorda o advogado e antigo
dirigente do PSD à SÁBADO. "Ela ajudou-me, não
porque gostasse da ideia, mas por achar que era uma coisa que o Marcelo
Rebelo de Sousa devia dar ao País." Dessa vez foi mesmo o professor
que não quis.
São vários os amigos a dizer que ela preferia vê-lo arredado do
palco político. Tudo o que fosse para além do comentário era demais.
"Por ela, o Marcelo não fazia carreira política", garante Júdice. Até
nas presidenciais terá pesado o mesmo argumento: o facto de Rita achar
que a candidatura dele era importante para Portugal, apesar dos
transtornos para a vida dos dois.
Na carreira de Marcelo no comentário político foi ainda mais
determinante. Rebelo de Sousa chegou a ter tudo acertado com Emídio
Rangel para se inaugurar a fazer comentário televisivo na SIC, onde à
partida tinha audiências e influência garantida. Mas Miguel Pais do
Amaral, que era casado com a irmã mais nova de Rita, Maria da Luz Amaral
Cabral, e que passava férias em comum, pediu à cunhada para o
influenciar. Foi a própria Rita, durante um jantar em sua casa com
Emídio Rangel e Margarida Marante, que argu mentou com o então director
da SIC, explicando-lhe, delicadamente, que o analista político devia ir
para a TVI. O projecto estava a ser relançado e havia ali uma obrigação
de ajudar o cunhado. Era uma questão familiar, que havia de acabar mal
em 2004. Marcelo sairia da estação zangado com Pais do Amaral e com
corte de relações familiares por causa das críticas ao Governo de Pedro
Santana Lopes.
Nos comentários televisivos, Marcelo tinha em Rita Amaral
Cabral a sua principal crítica e conselheira. Sempre que pôde,
acompanhou-o nas idas aos estúdios ao longo dos anos, fosse na TVI, na
RTP ou na TVI de novo. Advertia-o quando achava que os temas eram
demasiados. Aconselhava-o a defender-se quando ele estava muito cansado.
Sugeria temas. Por vezes discordava dele. Ajudava-o a escolher as
gravatas. Achava tenebrosas as de riscas. "Ia muitas vezes com o
professor à RTP", recorda a jornalista Maria Flor Pedroso, e confirma:
"Percebi que ela tem uma enorme influência sobre ele, o que é normal."
O direito das pessoas à intimidade
Os amigos corroboram que essa influência acontece em todos os
aspectos da vida do casal. "É uma voz muitas vezes decisiva, muito
escutada. Ela tem enorme influência sobre ele", repete um grande amigo
de Marcelo. Quando acha que o frenético companheiro está a passar das
marcas do engraçadismo, é capaz de lhe dizer: "Você parece que é parvo!"
Mas acha-lhe uma graça infinita. Outro amigo do casal: "É uma pessoa
fundamental, porque tem o poder de o fazer descer à terra
constantemente. É muito importante para o equilíbrio dele." Um velho
conhecido é menos complacente: "Não é a pessoa mais aberta do mundo.
Comporta-se como sendo fria e distante e é muito difícil tocá-la
emocionalmente, mas ele tem uma grande dependência emocional dela."
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A reserva da intimidade e a discrição mediática de Rita Amaral
Cabral não é apenas uma forma de vida. Em 1989, a jurista escreveu um
ensaio intitulado O Direito à Intimidade da Vida Privada,
que foi publicado num volume de estudos em memória do professor Paulo
Cunha. Reconhecia a existência do confronto entre o "interesse público versus
interesse privado". E especificava que a "extensão da reserva" da vida
íntima das figuras públicas face à exposição mediática variava conforme o
caso e a condição das pessoas. Dava exemplos: "Tem de aceitar-se que os
eleitores devem ter a possibilidade de conhecer se um candidato educa
os seus filhos em conformidade com a fé que proclama confessar." E
acrescentava: "Muitas vezes o próprio estado dessas pessoas exige que
elas exibam a sua vida e sobre elas concentrem a atenção popular".
Embora também defenda que a vontade de uma determinada pessoa de estar
afastada da vida pública aumente o espaço dessa intimidade, Rita Amaral
Cabral tem a consciência de que ser mulher ou namorada – ou quase as
duas coisas – de um Presidente da República a coloca no centro do espaço
público sujeito ao escrutínio.
Mesmo que não queira ser primeira-dama.
* Sem comentários.
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