A mudança do conceito
de potência
O incidente das estátuas pudicamente
cobertas, não pelo manto diáfano da fantasia mas pela dureza da
submissão revelada perante o representante político de uma potência de
área cultural diferente da ocidental, o que não deixa esquecer não é uma
leviandade protocolar, é sim a dificuldade crescente de impedir que a
Europa, não há muito considerada a "luz do mundo", seja um passado
histórico e não a voz de um novo tempo de grandezas para a casa comum
dos homens que se prometeu ser o globo. Tratou-se de um incidente entre a
nobre soma de países, a procurar que a União Europeia recupere uma
posição na hierarquia das potências, um processo que vai mostrando as
dificuldades de conciliar a memória de soberania e proeminência de cada
uma com as realidades do tempo mal sabido em que vivemos.
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Por
surpreendente que pareça, o pudico incidente das estátuas põe em
evidência que o conceito de potência, que não pode ser omitido no
desenvolver do processo histórico da União Europeia, está presente nos
procedimentos, formalmente diplomáticos, que inspiraram a cobertura não
transparente das estátuas, mas suficientemente transparente quanto à
debilidade que vai atingindo a antiga "luz do mundo". Nesta idade já
chamada, entre outras denominações, pós-bipolar, o critério
identificador de uma potência, e do seu lugar na real hierarquia do
poder na comunidade mundial, encontra muitas dificuldades de distinguir
entre um poder financeiro e económico e um poder militar, uma
circunstância muito evidente nas atitudes do governo russo depois do fim
do "homem soviético".
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O neoliberalismo
que foi adotado depois da queda do Muro, mais parecido em muitos
lugares com um neorriquismo afastado da justiça social, tornou
praticamente impossível identificar os reais centros de poder, e a
respetiva posição na conjuntura mundial a que fomos conduzidos. Ainda
para complicar mais a conjuntura, o terrorismo mostrou, especialmente
aos EUA, com a queda das Torres Gémeas, que o combate do fraco contra o
forte mudou seriamente a questão da segurança e da paz. Ao mesmo tempo
que as migrações descontroladas, além de acordarem os interesses e as
incapacidades individuais dos Estados membros, fizeram que a questão,
antes discutidíssima, da inclusão da mão-de--obra barata e favorável ao
mercado local, se tornasse desafiante, impossível para muitos, como a
Grécia, de resposta, e inspiradora para outros de verdadeiro regresso à
política de exclusão no lugar que supúnhamos pertencer ao asilo e à
proteção. Parece que a ideologia orçamentalista a que os factos
conduziram os mais beneficiados quando estabeleceram regras para os
carentes mostrou inquietante hesitação perante a política do governo
soviético, mais orientado pela dimensão dos contingentes do que pela de
cabimento orçamental, tudo porque a débil política de defesa e segurança
autónoma europeia se esqueceu de estabelecer a definição de fronteiras
amigas, e, como se vê pelas circunstâncias de risco atuais, também dos
recursos orçamentais.
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Com a
demonstração paralela de que o soft power, que os EUA foram proclamando,
mesmo sem palavras, para moderar o imponderado ardor de W. Bush, não é
hoje uma resposta suficiente para os problemas que a União enfrenta, e
que, com imprevisibilidade, crescem os perigos da falta de confiança no
projeto regional dos europeus. O regresso dos mitos raciais vai--se
enriquecendo, enquanto as esperanças postas no "caminhar juntos" com a
chamada democratização dos espaços muçulmanos não deu até agora
resultado.
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Uma política moderadora parece absolutamente necessária, em vista da debilitação do antigo poder militar, e da dimensão vasta da inidentidade dos novos poderes. Mas sobretudo retornar ao culto dos valores que fizeram da Europa a "luz do mundo", agora decidida a não impor a hegemonia, mas pelo menos decidida a destapar as estátuas.
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Uma política moderadora parece absolutamente necessária, em vista da debilitação do antigo poder militar, e da dimensão vasta da inidentidade dos novos poderes. Mas sobretudo retornar ao culto dos valores que fizeram da Europa a "luz do mundo", agora decidida a não impor a hegemonia, mas pelo menos decidida a destapar as estátuas.
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Não
parece aceitável que a inidentidade dos poderes que governam de facto a
decadência europeia não despertem as novas gerações para uma nova visão
e decisão, que reformem e reponham em ação construtiva os ideais que
levaram, no fim da guerra de 1939-1945, a fundar a ONU e as suas
agências, algumas das quais conseguiram responder com êxito setorial,
mas é evidente que o projeto fundamental do Mundo Único não conseguiu
criar raízes. Não há possibilidade de esconder as degradações em
progresso, mesmo alargando a inspiração que levou a cobrir as estátuas.
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A
variedade de atitudes dos Estados membros, em face da tempestade das
migrações que já não podem ser olhadas como vantagem para o mercado do
trabalho, é suficiente para assumir que a unidade europeia está a sofrer
um novo e sério desafio, a exigir reformar os métodos de governança e o
conceito de potência para não perder o eixo da roda.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
10/01/16
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