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IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
07/01/16
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A Europa,
da Hungria à Polónia
Entre a Hungria e a Polónia, inscreve-se o
perigoso caminho que a construção europeia vem trilhando ao longo da
última década. Uma deriva encetada com a recusa da ratificação da
"Constituição para a Europa", no referendo francês de maio de 2005, e
que culmina com a fracassada tentativa de expulsão da Grécia da União
Monetária, em 2015. A Polónia, agora governada por forças políticas da
extrema-direita nacionalista e xenófoba, decidiu seguir o exemplo da
Hungria. O Parlamento Europeu tinha aprovado há cerca de dois anos um
relatório alarmante de Rui Tavares que denunciava as graves violações de
direitos fundamentais e restrições à democracia praticadas pelo Governo
húngaro. Porém, nenhuma medida séria foi tomada pelas instituições
europeias e criou-se uma expectativa de impunidade que não só estimulou
as autoridades húngaras a persistir e a alargar tais práticas - de que é
marco simbólico a construção de uma muralha para barrar o caminho aos
refugiados! - como inspirou outros governos a adotar idênticas condutas,
tal como agora ocorre com os polacos.
Os governantes franceses,
por seu lado, parecem menos preocupados em apressar o fim do "estado de
exceção" - decretado em consequência dos atentados terroristas de 13 de
novembro, em Paris - do que na discussão das alterações legislativas
propostas para retirar a cidadania francesa, como medida punitiva, a
titulares de dupla nacionalidade. Até na fronteira entre a Suécia e a
Dinamarca, a crise dos refugiados serve para justificar a multiplicação
de limitações à liberdade de circulação entre os estados da União. O
antigo Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António
Guterres, declara numa entrevista ontem concedida ao jornal "Público",
que "vivemos num Mundo caótico" e já prevê, para "depois do inverno", a
possibilidade de "colapso do regime europeu de asilo".
Com mágoa,
dou-me conta da surpreendente atualidade de numerosos trechos de uma
intervenção que fiz na Gulbenkian, no verão de 2007, numa conferência
dedicada à ratificação do Tratado de Lisboa, essa máscara fúnebre de uma
Constituição falhada... Continua por fazer quase tudo o que então ali
recomendava: "permanece no quadro das reformas políticas da União o
objetivo estratégico de melhorar as garantias dos direitos dos cidadãos
europeus de forma adequada (1) a uma dimensão territorial expansiva, (2)
a um pluralismo cultural acentuado pelos fluxos migratórios permanentes
e (3) aos poderes reforçados das instituições comuns". E concluía que
só assim, "a Europa promoverá a afirmação dos Direitos Humanos num Mundo
globalizado que exige das democracias uma resposta cabal à hegemonia da
globalização económica e financeira, à ameaça do terrorismo, às
tentações da guerra preventiva e à degradação que impende sobre valores
inscritos na nossa matriz identitária de que são hoje exemplo alarmante
as concessões inadmissíveis em sede de garantias do processo penal e
recurso à tortura".
Eram já bem patentes as consequências
perversas da guerra "contra o horror" lançada por George W. Bush, ao que
se iria somar a crise financeira internacional que rebentou nos Estados
Unidos da América ainda nesse ano. Os anos seguintes iriam
encarregar-se de demonstrar "a importância crucial da construção
política europeia no processo de reestruturação da comunidade mundial"
e, sobretudo, a necessidade de assegurar que a Europa continue a ser
"uma experiência exemplar para o estímulo e desenvolvimento dos espaços
de integração supranacionais emergentes". Torna-se por isso ainda mais
premente, nos dias que correm, "reconduzir os valores da dignidade
humana ao centro do projeto político europeu, subordinar os progressos
nas políticas de defesa e segurança às garantias dos cidadãos e reforçar
a coerência entre as políticas de direitos humanos no interior da União
e nas relações entre a Europa e o Mundo".
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
07/01/16
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