ESTA SEMANA NA
"VISÃO"
"VISÃO"
Será que o Google respeita a privacidade
. das nossas pesquisas e e-mail?
Stephan Micklitz, diretor da Google na Europa, fala à VISÃO sobre privacidade digital, numa entrevista cheia de silêncios
Stephan Micklitz é o diretor de engenharia da equipa de Identidade,
Privacidade e Segurança da Google Europa, com sede em Munique.
Engenheiro de ciência computacional, quer melhorar a imagem do gigante
tecnológico no que toca ao respeito pela intimidade dos utilizadores dos
serviços da empresa.
O que fez, neste cargo, pelo aumento da privacidade e segurança ?
O
que fizemos já foi reunir, num só lugar, todas as controlos relativos à
privacidade e segurança de uma conta Google, para que seja mais fácil
para o utilizador. Foi a primeira vez que fizemos isto, e acho que foi
um grande passo.
.
Pusemos mais texto explicativo e tentamos
simplificá-lo. Criamos uma página chamada privacy.gooogle.com onde
tentamos responder às perguntas mais frequentes [FAQ]. Temos a certeza
que hoje os utilizadores perceberem os controlos. Verificámos e testámos
isso. Também passámos a distinguir entre estar dentro e fora da nossa
conta Google, no que respeita à informação que recolhemos.
Antes
de falarmos em privacidade, deveríamos definir o que é, hoje, a
individualidade? É o seu próprio nome? O seu IP? O meu Gmail tem o meu
nome... Como é que a Google pode dizer que não está a reunir dados
pessoais?
Vou tentar responder. O que constitui a sua
identidade Google é a sua conta Google. Pode ser o seu Gmail, o seu
telefone, o seu identificador único. Isto é necessário, com a sua
palavra-chave, para que possa ser autenticado. Nós permitimos às pessoas
que usem pseudónimo. Pedimos alguns dados, mas não o seu nome
verdadeiro. Nem controlamos isso a não ser que o nome do próprio Gmail
seja ofensivo ou muito curto...
Acha que o conceito de metadados ainda é um conceito cientificamente válido? Ou devíamos falar só de dados?
Qual é a sua definição de metadados?
Dados sobre dados. Grandes quantidades de dados anonimizados.
Acho que é um conceito muito válido. Porque é que você acharia o contrário?
Porque
uma equipa do MIT pegou nos metadados de uma operadora móvel,
comparou-os com bases públicas e identificou 80% dos utentes com base em
apenas dois pontos de geolocalização.
Há ai vários
aspetos. Há muita pesquisa a ser feita nessa área, nomeadamente a de
saber quando é que podemos mesmo provar essa ligação. Há muitas bases de
dados agregadas [agregated data sets] num estado em que nenhuma ligação
pode ser feita entre os metadados e os indivíduos.
Isso tornaria a informação quase inútil...
Não necessariamente. Essas bases podem ser usadas para gerir o tráfego automóvel sem se saber quem são as pessoas.
Talvez.
Não sei se se lembra dos ataques da maratona de Boston. Eles foram
feitos com recurso a mochilas, panela de pressão e explosivos. Passadas
umas horas, um determinado IP, em que o pai tinha comprado uma mochila, a
mãe uma panela de pressão e o filho lido notícias sobre os ataques, foi
visitada pelas autoridades... Com recurso a metadados desanonimizados: a
dados.
Penso que esses são exemplos nos quais temos de
pensar muito bem. Que relações podemos e não podemos fazer? O que nós
estamos a tentar fazer ao usar e armazenar bases de dados anonimizadas é
encontrar o melhor equilíbrio possível. Por exemplo você tem controlo
total sobre o que escreve nas suas contas Google...
Tem a
certeza? Eu apago meus emails? Ou apenas os escondo de mim? A Google
tem que ter múltiplos "backups" (memórias de armazenamento).
São
apagados, tenho a certeza. Mas o primeiro passo é que não apareçam ao
vivo. Existem backups, são necessários. Mas os emails serão destruídos.
Como sabe, há muita gente que afirma que nada na internet é apagável.
Não. O apagamento é possível. Mas, dado o número de backups, demora alguns dias.
Dias?
Dias. Não é instantâneo. A informação não está num único disco. Mas temos uma equipa para garantir o apagamento.
O
general Keith Alexander (ex-director da NSA), Sergey Brin (cofundador
da Google) e Eric Schimdt (ex-CEO da Google) reuniam com regularidade.
Esta cooperação continua?
Não tenho conhecimento disso, nem sou sou a pessoa certa para responder a essa pergunta. Não sei como responder.
Ok. Cito uma frase de Keith Alexander ao Congresso no ano passado: «Já matámos gente com base em metadados».
Certamente,
os metadados, podem ser usados de forma errada. Há sempre bons usos e
maus usos. O que estamos é a tentar garantir é que apenas o utilizador
tenha acesso aos seus dados que os possa apagar, mudar, usar como
quiser...
Ainda bem. Mas não teve a Google portas secretas (backdoors) propositadamente abertas à NSA?
Nunca tivemos nada disso. Já desmentimos. Só damos informação se houver uma ordem judicial.
A
Google armazena informação que, segundo a lei europeia e portuguesa, é
pessoal e sensível. Sob que legislação está? Quem pode aceder a essa
informação sem a autorização de um tribunal português?
Bem, eu não sou um perito legal, nem há nenhum nesta sala [de chat].
O
Portal de Saúde português estava 'tecnicamente acessível à Google',
através da vossa ferramenta de Analytics, que está protegida por
propriedade intelectual: não se sabe o que faz... [silêncio]
Não me percebeu?
Percebi,
sim. Quanto ao Analytics temos tido longas conversas com a Comissão de
Proteção de Dados alemã, e com outras. Na Alemanha, o operador da página
está obrigado a revelar ao utilizador que usa essa ferramenta. Mas ele
também pode ler sobre as nossas práticas no que respeita a esse programa
[que gere o tráfego do site, informando o dono dos IP's de quem o
visita, pelo menos] isso transformou-se num acordo que o utilizador pode
ler. Eu posso enviar-lho.
Abriram o software às autoridades alemãs?
Não se limita a um país, são soluções para todo o mundo.
Mas deram conhecimento dos vossos códigos às autoridades alemãs?
Não
tenho a certeza do que me está a perguntar. Descrevemos em documentos
escritos como é que estas ferramentas trabalham e chegamos a acordos
sobre quais são os níveis certos de proteção.
A pergunta é: os vossos código-fonte estão acessíveis às autoridades?
Não
vou responder a essa pergunta diretamente, porque ela não é a
pergunta-chave. A pergunta chave é: como é que a ferramenta funciona e o
que faz...
Sim, mas isso deve ser verificado.
Pode verificar-se isso através de vários mecanismos. O código-fonte é só um deles.
A Google têm alguma autorização da Comissão Nacional de Dados portuguesa?
Está a fazer uma pergunta jurídica a um engenheiro...
Pode alguém da Google ter acesso ao meu Gmail sem eu saber? Não está assim escrito nos termos de serviço.
A
pergunta é como é que nós armazenamos a informação, como é que temos a
certeza de que ela só é acedida de uma forma legal? Temos múltiplas
formas. A informação guarda-se encriptada. Isso garante que ninguém além
das pessoas que tenham acesso a uma chave possa ter acesso. Claro que o
utilizador tem essa chave, que usa para se autenticar e ter acesso à
sua informação, que é sua. Podemos receber pedidos judiciais e, se
verificarmos que são legítimos, então damos acesso. Mas publicitamo-lo
no nosso relatório de transparência.
Quantos gigabytes de informação tem a Google armazenados sobre mim?
Essa é uma pergunta que não pode ser respondida assim. Cada conta é uma conta. Algumas não têm nada, outras muito...
Então diga-me um valor médio.
Mesmo que lhe desse um número, não teria significado. Há um enorme leque de contas.
Acha que bisbilhotar de forma eletrónica é diferente de bisbilhotar?
Defina-me bisbilhotar (snooping).
Quero que me diga se acha a espionagem eletrónica a busca automática de palavras, diferente da humana.
São
diferentes. Hoje sem a deteção inteligente de spam [lixo digital], os
emails não funcionariam: teríamos de pensar num sistema diferente. É o
spam, aliás, uma das principais razões para usarmos algoritmos
inteligentes. É claro que existem coisas que um utilizador poderia fazer
mas que uma máquina faz muito melhor. Temos um algoritmo claro que se
vai aplicar a toda a gente, sem que estejamos a olhar para as pessoas.
Não estamos a olhar para as pessoas, quando muito talvez para o
remetente. Mas isso é a máquina que faz. Bem diferente de um humano com
técnicas específicas.
Então porque é que o mesmo não se passa com o algoritmo do motor de busca ? Ele não dá os mesmos resultados a toda a gente.
Sim
e não. Faça uma busca em modo incógnito e compare. Pode haver
diferenças, mas são mínimas. Outras verificam-se num tempo muito curto
que tem a ver com as buscas que fez imediatamente antes. A palavra Golf é
o nome de um desporto e também de um carro. Ora se a máquina já
percebeu que procura um carro, mostra-lhe primeiro o carro. E isso é
valioso para as pessoas. E o resultado de uma busca, se for bom para a
maioria, normalmente também é bom para si. Por isso é que as mudanças
com base na personalização são relativamente menores.
Está
a falar-me de produtos. E se eu lhe falar de política? Se eu tiver
feito uma pesquisa sobre Bernie Sanders e uma amiga minha a fizer por
Donald Trump? E se a seguir ambos perguntarmos ao próprio motor de
pesquisa: «Em quem é que eu vou votar?» Teremos os mesmos resultados?
Compreendo
completamente porque é que me faz essa pergunta. Por isso é que há
dados que não analisamos: Saúde, dados sensíveis, não analisamos, nem
personalizamos.
E a posição política de cada um é uma delas?
Desafio-o a tentar. Penso que sim.
Pensa?
Tenho quase a certeza. Não sou eu quem trabalha essa área.
* Entrevista muito bem conduzida por JOÃO DIAS MIGUEL, os silêncios de Micklitz também são respostas, o GOOGLE é uma boa ferramenta mas todo o cuidado é pouco.
Há seis semanas que estamos a editar a história do GOOGLE, segundas-feiras pelas 23H40.
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