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IN "VISÃO"
05/11/15
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Néones e souvenirs
O convite
apareceu simpático: escrever uma crónica quinzenal na VISÃO. Não
hesitei. Padeço de um otimismo militante que beira a inconsciência e
tenho a autoestima das infâncias felizes. Acho sempre que é coisa para
correr bem e toca de olhar em volta, como quem tem uns óculos novos.
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A
realidade está sempre lá, nós é que vamos mudando o espetro da atenção e
lá estava eu, de olhos gigantes, à procura do tema da minha primeira
crónica! Coincidiu esta excitação com a minha quinzena de férias e
passei a reparar em tudo com a frescura de uma primeira vez. Logo no
avião, na hora da aterragem, ouve-se o aplauso coletivo e dei por mim a
avaliar as reações. Os passageiros que batem palmas aliviados e
eufóricos, premiando a destreza do piloto; os que aplaudem com escárnio,
divertidos; os que não se manifestam e parecem nem reparar no que se
passa, e, finalmente, os que com snobismo desdenham à boca pequena dessa
"parolice", supostamente "tuga", que não se usa nos "países
civilizados". Já eu, que não costumo aplaudir mas gosto sempre mais da
espontaneidade do que do snobismo, passei a achar que talvez devesse
começar a fazê-lo, porque afinal, quando eu própria faço o meu trabalho,
as pessoas também costumam bater palmas...
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Outra
coisa em que reparei foi no enorme perigo, que os grandes pintores,
artistas e escritores correm, de virar nome de loja de souvenirs ou
mesmo de snack-bar de centro histórico. É que a banalização das
homenagens póstumas, no grande caldeirão do turismo cultural urbano de
massas, acaba por transformar o nome dos tais grandes génios em néones
de baixa categoria, na fachada de pensões de duas estrelas.
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De
Picasso a Lorca, tudo serve para vender patatas bravas e ímanes de
frigorífico. E sem ponta do tal snobismo, que no parágrafo anterior
repudiei, acho que não compensa andar uma vida inteira a brotar
genialidade, para ser nome de hostal na Andaluzia.
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Passadas
as férias, manteve-se a dura realidade: a repressão política em Angola
endurece e está prestes a matar Luaty Beirão, em greve de fome há mais
de um mês contra uma prisão preventiva ilegal, baseada numa acusação
fantasiosa. E foi claro que a crónica tinha de ser sobre isso e que
tinha a obrigação moral de escrever sobre a Liberdade. Eu que, tal como o
Luaty, sou rapper e faço uso quotidiano do poder do microfone,
aproveitando-o como ferramenta de mudança do mundo, na associação sempre
poderosa das palavras com a música...
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Falar
sobre a revolta que me causa ver 15 jovens presos por debater um livro,
encarcerados em solitárias, há mais de 3 meses, sob acusação de
tentativa de golpe de Estado. Como se fosse possível, num país com um
regime tão sólido e blindado como o angolano, que uma quinzena de jovens
intelectuais, desarmados, conseguisse derrubar o Presidente.
Apeteceu-me escrever em caps lock que sinto vergonha pela postura
discreta e conveniente do Estado português perante o caso. Escrever que
quem pactua com esta oligarquia milionária e corrupta que governa Angola
tem as mãos manchadas de sangue, e nem sequer é por causa da repressão
política, é mesmo pela maior taxa de mortalidade infantil do mundo
(segundo dados da Unicef) e por muitos outros números gritantes de
subdesenvolvimento!
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Ora, tinha eu a crónica mais do que alinhavada e eis
que chega Cavaco Silva, insinuando que há partidos com representação
parlamentar que são menos legítimos e que não podem fazer parte de
soluções governativas! Veio dizer que há uma parte significativa dos
eleitores portugueses que têm menos direitos de representação política,
apenas porque não gostam da sua cor favorita!?! Fiquei de mau humor.
Tinha-me desarrumado a crónica! Foi então que, com o meu melhor
sorrisinho maquiavélico, desejei com todas as minhas forças, que, daqui a
uns anos, haja uma pensão foleira no Cais do Sodré com um néon fundido a
dizer "Hostal Cavaco Silva", mesmo ao lado do "Kebab do Zédú" e dos
"Souvenirs Machete", em que se venderão uns belos ímanes do MPLA, por
entre capas para a chuva made in China e outros artigos de qualidade.
IN "VISÃO"
05/11/15
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