ONTEM NO
"OBSERVADOR"
"OBSERVADOR"
Fraternidade Missionária
de Cristo-Jovem.
Que convento é este
investigado por abusos?
Na quarta-feira, uma operação levada a cabo pela Polícia Judiciária
(PJ) do Porto deixou surpresos os habitantes de Requião. Buscas
realizadas à Fraternidade Missionária de Cristo-Jovem, uma associação de
fiéis ali fundada, resultaram na apreensão de vários objetos, que
seriam usados para castigar noviças. Foram ainda constituídos
quatro arguidos, três freiras e o padre responsável pela instituição. Em
causa estão alegados crimes de maus-tratos, rapto e escravidão.
Apesar
de a fraternidade ser conhecida como um convento, e de até sido
construída numa rua com esse nome, as freiras que a integram estão longe
de serem freiras e as noviças de serem noviças. Fundada no final dos
anos 70 pelo padre Joaquim Milheiro, a fraternidade tem a forma jurídica
de uma associação de fiéis — ou seja, as “irmãs” que a integram são
apenas leigas consagradas e não pertencem a nenhuma congregação
religiosa.
A organização, com estatutos aprovados pela arquidiocese de
Braga em 1978, é a representante em Portugal das chamadas “Testemunhas
da Cruz”, um movimento cristão originário do norte de França. Este
surgiu no início da década de 80, na sequência de uma série de 49
revelações que teriam sido feitas por Cristo a Madeleine Aumont, uma vidente da localidade de Dozulé, na Normandia.
A
primeira aparição terá acontecido na madrugada de 28 de março de 1972.
Às 4h40 da manhã, Madeleine terá visto surgir à sua janela uma cruz
“enorme, maravilhosamente bela e mais brilhante do que o dia”. Do Céu,
uma voz terá exclamado: “Ecce crucem domini“, “eis, a
cruz do Senhor”. Nas revelações seguintes, que se terão
prolongado durante vários anos, Cristo terá pedido à vidente que
transmitisse à Igreja o desejo de ver erguida uma cruz com 738 metros de
altura.
Em 1982, Albert Delbauche, um professor de ioga, criou as
“Testemunhas da Cruz”, depois de também ter alegadamente recebido
várias revelações e mensagens de Jesus. O movimento é atualmente
liderado por uma outra vidente, que se identifica pelas iniciais
J.N.S.R., ou seja “je ne suis rien“. Foi a J.N.S.R. que
Cristo terá pedido que difundisse as “cruzes do amor”, com 7,38 metros,
em substituição da “cruz gloriosa” de Madeleine Aumont, cuja construção
não recebeu o apoio desejado.
A polémica das “cruzes do amor”
As “cruzes do amor” chegaram a Portugal em finais dos anos 90,
trazidas pela Fraternidade Missionária de Cristo-Jovem. Em pouco mais de
três anos, a organização distribuiu quase 1.600 cruzes, que foram
erguidas em paróquias, casas particulares e até prisões, refere uma notícia do jornal Público de fevereiro de 1999. Hoje em dia, ainda é possível encontrar algumas destas cruzes que, à noite, lançam uma intensa luz azul.
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As
“cruzes do amor” eram, de acordo com a fraternidade, um projeto de
redenção e a “única tábua de salvação que nos levará de regresso a
Deus”. Para além disso, as cruzes iluminadas pretendiam ser também ser
“um elemento purificador” da própria Igreja Católica, que “deixou de ser
alternativa ou diretriz para os tristes males” dos tempos modernos,
explicou na altura ao Público uma das três mulheres que então viviam com o padre Milheiros na sede da fraternidade em Requião.
A
associação de fiéis acreditava que o fim dos tempos estava próximo, e
que haveria de chegar “antes do fim do século” XX. Panfletos
distribuídos na altura referiam mesmo a presença de videntes no interior
na casa, que podiam ser visitadas no segundo domingo de cada mês,
altura em que esta abria (e ainda abre) ao público. “A hora é grave”,
frisava um dos textos divulgados, “serão os espíritos seduzidos por Satanás” que conduzirão a humanidade “a uma catástrofe como jamais houve desde o Dilúvio.”
Apesar da popularidade das “cruzes do amor” em Portugal, a
Igreja não se mostrou nada satisfeita com a mensagem apocalíptica da
Fraternidade Missionária de Cristo-Jovem. Em declarações ao Público,
D. Manuel Falcão, bispo de Beja, admitiu que a Igreja foi apanhada de
surpresa com proliferação de cruzes e mensagens “ávidas de revelações
extraordinárias”.
Em Braga, D. Jorge Ortiga mostrou-se também incomodado
com a colocação de cruzes na sua diocese. Em 1999, chegou mesmo a pedir
explicações à associação sobre a forma como trabalhava. Em relação às
cruzes, porém, não pode fazer nada, uma vez que tinham sido colocadas em
terrenos privados.
Bofetadas, penitências e trabalhos forçados
As notícias divulgadas nos últimos dias dão conta do ambiente que se
vivia dentro do convento. Para além dos castigos corporais, que
incluíam bofetadas, espancamentos ou largas horas de penitência de
joelhos, as jovens que ali ingressavam não podiam abandonar as
instalações. Estavam proibidas de visitar a família e não tinham acesso a
cuidados médicos. De acordo com o Jornal de Notícias (JN), havia até “privações de comida ou de bebida”. Qualquer desobediência era severamente castigada.
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O
caso já havia sido denunciado à arquidiocese de Braga por três noviças
que, em 2014, conseguiram fugir do convento. Fonte da PJ confirmou ao
Observador que a denúncia foi apresentada no ano passado, e que as três
jovens foram vítimas de maus-tratos durante “vários anos”. Porém, só
agora é que a arquidiocese fez chegar o caso às autoridades, garantindo,
contudo, que irá continuar “de forma independente” o trabalho iniciado há cerca de um ano, disse ao JN uma fonte que não foi identificada.
Num
comunicado emitido na quarta-feira, a arquidiocese de Braga esclareceu
que “foi informada por ex-membros” em “finais do ano passado, de
presumíveis anomalias na vida quotidiana da comunidade”. Na altura, terá
iniciado “uma investigação interna” e contactado “com as pessoas
residentes”. “Foi indicado, ao mesmo tempo, um sacerdote para acompanhar
mais de perto a vida da Fraternidade Cristo Jovem”, que “iniciou a
elaboração de um relatório contendo as informações necessárias em ordem a
uma oportuna decisão”.
Na pequena freguesia de Vila Nova de
Famalicão, porém, ninguém parecia desconfiar de nada. Os moradores
dizem-se apanhados de surpresa e até o presidente da junta diz não saber
de nada. “Nada dava indícios do que quer que seja. Se de facto existe,
não faço ideia”, disse João Ferreira, em declarações à TVI. O que se
passou durante quase 40 anos do outro lado dos muros da fraternidade
parece ser um segredo bem guardado.
Pode ter havido “um estalozito”
Em entrevista à TVI,
Isabel Silva, uma das fundadoras da Fraternidade Missionária de
Cristo-Jovem, admitiu que “uma vez ou outra se pode ter dado um
estalozito”, mas negou as acusações de escravatura e trabalhos forçados.
“Sobre a escravidão, eu queria apenas dizer uma coisa: o amor supera
tudo. É porque não estavam por amor”, disse ao canal de televisão.
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Sobre
os castigos que eram aplicados às noviças, a irmã Isabel frisou que não
era ela que fazia “isso”, até porque tem “estado muito doente” e de
cama. “Eu até trabalho mais no computador e essas coisas”, frisou.
Apesar disso, garantiu que “às vezes pode ter acontecido”. Aliás,
“aconteceu de certeza”.
Na entrevista, a fundadora explicou ainda
o uso de uma corda, com uns “nozinhos”, para açoitar as noviças nas
pernas. Porém, garantiu que “não é coisa para deixar uma pessoa
negra”. “Quando uma pessoa se porta mal é chamada à atenção. Quando
chamamos à atenção uma vez é uma coisa, quando chamamos a segunda vez
já é outra. Quando chamamos a terceira, então vamos a vias de facto.”
O Observador tentou por diversas vezes contactar Isabel Silva, mas sem sucesso.
A história de Maria Amélia
A queixa apresentada pelas três noviças levantou novas dúvidas sobre a
morte súbita da irmã Maria Amélia, que foi encontrada morta dentro de
um tanque da propriedade pertencente à Fraternidade Missionária de
Cristo-Jovem, em 2004. Na altura, pensou tratar-se de suicídio. Porém,
“com tudo isto, há dúvidas sobre se ela terá sido pressionada coagida ou
humilhada”, disse ao JN um familiar da irmã.
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Maria Amélia de
Matos Serra entrou para a fraternidade em 1979, um ano depois da sua
fundação. Durante 25 anos, viveu no interior da instituição, na
companhia de outras freiras e do padre Joaquim Milheiro, o seu fundador.
Raramente era vista do lado de lá do muro da fraternidade, a não ser
quando visitava “pontualmente” a terra natal, acompanhada por outras
irmãs.
Nos últimos anos de vida, sofreria de uma depressão, que
terá levado ao seu suicídio. A sustentar esta teoria existiriam alguns
bilhetes, que terão sido encontrados pela polícia. A falta de indícios
de crime acabou por levar o Ministério Público a arquivar o processo
que, de acordo com o JN, poderá vir a ser reaberto, uma vez que foi
referido na denúncia apresentada em 2014 à arquidiocese de Braga.
* A igreja católica foi sempre pródiga em carinhos, a diferença entre esta "fraternidade" e os taliban é zero. As outras religiões são a mesmíssima coisa.
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