HOJE NO
O que é o Estado Islâmico
Petróleo, refugiados e reféns são três fontes de
receita do Estado Islâmico. Este grupo, fundamentalista e radical, quer
construir através do terror as novas leis do Médio Oriente.
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Nunca, como agora, o Estado Islâmico
(EI), ou Daesh, esteve tão pressionado militarmente no imenso território
que foi conquistando nos últimos anos, entre o Iraque, a Síria e a
Líbia. Mas este cerco, promovido pelas tropas de Bashar al-Assad
rearmadas e apoiadas pela aviação russa, pelo Hezbollah libanês e pelos
iranianos e pelas forças curdas auxiliadas pelos norte-americanos, não
será suficiente para decapitar uma hidra que cresceu à sombra de
interesses antagónicos das potências no Médio Oriente.
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O EI nasceu como uma guerrilha, transformou-se num Estado real e
agora volta a assumir-se como uma força móvel, que ataca no Médio
Oriente e no exterior, especialmente na Europa. Enquanto abre novas vias
de conflito no Afeganistão, no Iémen e no centro de África. Olhando
também para a Ásia central, onde as zonas de influência russa e chinesa
são tentadoras.
O Estado islâmico irrompeu quando a morte de Osama bin Laden, em Maio
de 2011, fechou um ciclo iniciado com os ataques do 11 de Setembro. As
origens do EI encontram-se mais longe, na luta contra a invasão
soviética do Afeganistão e, depois, na invasão do Iraque pelos EUA em
2003. Na guerra civil que se seguiu, a luta não era apenas contra o
invasor estrangeiro, mas transformou-se numa sectária e religiosa de
sunitas contra xiitas. De blocos: saudita contra iraniano. No meio
surgiu Abu al-Zarqawi, que radicalizou este conflito.
A revolta na Síria, em 2011, abriu novas janelas de oportunidade
para militantes radicalizados, muitos deles atraídos da Europa para uma
"jihad" onde descobriam a sua identidade perdida. Foi aí que o grupo de
Al-Baghdadi se afastou do centro de decisões da Al-Qaeda. Conquistando a
cidade iraquiana de Mosul, declarou-se califa e o guia espiritual dos
muçulmanos. Os Governos ocidentais, cegos pela "Primavera árabe" e pelo
derrube de velhos ditadores, como Kadhafi ou Mubarak, acharam que o fim
de al-Assad estava próximo. E por isso deixaram que todos estes grupos,
como o EI, florescessem.
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A irresistível ascensão do Estado Islâmico fez-se através da
surpresa, da distracção do Ocidente, das tácticas militares, da
motivação religiosa, do "marketing" moderno e sofisticado e da apatia
dos exércitos clássicos da região. Em pouco tempo o EI deixou de se
circunscrever a zonas da Síria e passou a controlar partes do Iraque e a
exercer pressão sobre a zona curda iraquiana, o Líbano, a Argélia e
parte da África central. A capacidade de atracção de novos voluntários
para as suas forças (vindos de países ocidentais) serviu também para
potenciar o seu poder, mostrando que está a criar raízes para futuros
desconhecidos. Não é de admirar: o EI sempre descreveu a sua estratégia
militar como a capacidade de se mover como uma serpente entre as rochas.
Ou seja, usando as forças militares de forma flexíveis e atacando alvos
fáceis, mas nunca entrando em conflitos prolongados a que os seus
soldados ficassem amarrados a uma guerra desgastante e sujeitos a
pesadas perdas.
A ascensão do EI e os seus rápidos sucessos militares levaram a
alguma euforia inicial nos países sunitas. Que o viram como uma forma de
contrabalançar o poder xiita, sobretudo na Síria e no Iraque. O
movimento parecia convencido da sua inspiração divina para ganhar todas
as guerras contra os heréticos. A começar pelos xiitas. Só que
rapidamente a sua atitude radical virou-se contra os próprios sunitas
mais moderados. Pouco a pouco, o EI tornou-se um grupo ainda mais
poderoso e eficaz do que a Al-Qaeda de Bin Laden. Por detrás sempre teve
a motivação da versão fundamentalismo do Islão, o Wahhabismo, que tem o
seu epicentro na poderosa Arábia Saudita.
A intolerância religiosa e o autoritarismo político ajudam a explicar
a violência extrema do grupo, mas tem servido como bandeira para impor o
Wahhabismo como conceito hegemónico no universo sunita. Entre o passado
e o presente, o Estado Islâmico quer construir pelo terror as novas
leis do Médio Oriente. E elas passam pelo fim da partilha e desenho de
fronteiras que o acordo Sykes-Picot criou em 1916. Ao criar o Califado,
numa zona do tamanho da Grã-Bretanha, entre o Iraque e a Síria, ao mesmo
tempo que já ameaça as fronteiras do Líbano, o Estado Islâmico
tornou-se um sismo na velha ordem da região. Não é por acaso que uma das
primeiras medidas do seu califa, Abu Bakr al-Bagdadi, foi a destruição
dos postos fronteiriços entre a Síria e o Iraque.
Al-Bagdadi faz parte de um nova constelação: ele preconiza a
autonomia dos indivíduos, o que o torna mais perigoso. Parecendo querer
regressar à Idade Média, o EI é uma organização moderna. Há algum tempo
editou uma brochura, de "design" atraente, com as suas actividades de
2012-2013, como se fosse o relatório de uma empresa. Numa página refere o
número de atentados com bombas em estradas, o de atentados suicidas e
de assassínios. É um mundo de estatísticas, como se procurasse
accionistas. O problema é que a visão de al-Bagdadi é contemporânea. Até
agora as outras entidades, como a Irmandade Muçulmana, o Hamas ou o
Hezbollah, queriam apropriar-se das instituições e do poder e nunca
criar um novo Estado. O califado surge como um conceito de união
política e religiosa, cobrindo o império do Islão no seu auge. A
serpente circula entre rochas. E não será fácil de liquidar.
Para a guerra o EI precisa de dinheiro. E ele não falta na zona que
controla, a começar pelo petróleo das refinarias que controla e que é
vendido no mercado negro a quem dá mais. E não faltam interessados.
Depois há muitos donativos para a causa, especialmente de milionários
árabes que defendem que a guerra santa contra os xiitas e o Ocidente
deve ser mantida. Nos últimos tempos, o EI conseguiu juntar a estas
receitas duas outras formas de entrada de dólares: a circulação de
refugiados, que têm de pagar uma percentagem para rumarem à Europa, e os
raptos de sírios ricos ou de ocidentais. Os reféns são um investimento a
longo prazo: podem ser rentabilizados politicamente, como o foram os
decapitados, ou economicamente, quando os Estados estrangeiros pagam o
resgate. No fim, o EI está sempre a ganhar.
Consta que os negociadores europeus pagam entre um e seis milhões
de dólares pela libertação de cada refém. São milhões de dólares
(consta que perto de 70 milhões até agora) sem fim que entram nos cofres
do EI que, mais do que um grupo de lunáticos, gerem as suas actividades
como se fosse uma empresa.
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No caso dos refugiados que pagam para ir para a Europa as
receitas até agora do EI terão totalizado cerca de 100 milhões de euros.
No regresso os camiões que levam os refugiados voltam com contrabando
que é vendido no mercado negro das áreas que controlam. É assim que se
pagam também os "jihaddistas" europeus recrutados sobretudo através da
Internet (e da vez menos das mesquitas), que recebem salários para
combater. As receitas totais do EI em 2014 deverão ter rondado os 1,2
mil milhões de dólares. Mas os gastos são fortes, em armas e
"voluntários". Além de pagar a própria estrutura de Al-Bagdadi. As mais
recentes estimativas dizem que o EI recebe 40 milhões de dólares por mês
da venda do petróleo dos campos que controla na Síria e Iraque. Além
disso apropriou-se do dinheiro dos bancos que assaltou na sua expansão,
vendendo também muitas das obras de arte que saqueou em cidades
históricas. Romper estas fontes de financiamento revela-se fulcral para
derrotar o EI.
Funcionando como empresa, o EI, não tem uma estrutura vertical. Antes dá
liberdade, em termos de organização horizontal, aos seus apoiantes em
todo o mundo. E funciona apenas como se tivesse um CEO, Al-Bagdadi, em
funções. É a ignorância dos Estados ocidentais sobre esta nova forma
móvel de actuar do EI que continua a causar tantos erros de análise,
como se tem visto sucessivamente. Até ao dia que a hidra tiver mesmo de
ser destruída.
* Um excelente esclarecimento pelo jornalista FERNANDO SOBRAL
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