Os cães e os cavalos
também choram
Falar dos animais sem ter em conta as suas emoções seria leviano ou, no mínimo, impreciso. Aparentemente os animais de quase todas as espécies têm vidas emocionais complexas.
Todos os animais riem e choram, amam e sofrem. Mais, o coração dos
animais tanto se eleva em expectativa e ânimo, como pode cair em
desânimo ou mergulhar no desespero. Quem tem animais ou lida com eles
sabe que é assim mesmo. Não é preciso ser cientista nem ter grandes
estudos para verificar que os animais de estimação, que moram em casa
dos donos ou habitam no mesmo perímetro, amam os cuidadores, reconhecem o
seu cheiro, memorizam a sua voz e gravam no seu coração gestos e
hábitos.
Falar dos animais sem ter em conta as suas emoções seria
leviano ou, no mínimo, impreciso. Aparentemente os animais de quase
todas as espécies têm vidas emocionais complexas. Mesmo os mais
assustadores, indomesticáveis e repugnantes, que nos causam medos e
fobias. Estudos recentes provam que sentem curiosidade, solidão, alegria
e nostalgia. Têm saudades, mas também são tomados por raivas e
assaltados por pavores. Têm acessos de fúria e precisam de momentos de
descompressão.
Ao contrário de muitas pessoas, que sentem alguma dificuldade em
expressar emoções, os animais demonstram constantemente os seus
sentimentos. Para o bem e para o mal são reactivos e viscerais. Se
irritarmos um cão ele devolve com irritação; se enervarmos um cavalo ele
fica enervado; se enganarmos um gato ele manifesta imediatamente o seu
desagrado. A questão da consciência animal é fascinante e amplamente
discutida pela comunidade científica, mas está longe de ser pacífica. A
polémica sobre estas matérias gera discussões acesas, cheias de opiniões
controversas e dados divergentes. Faz parte da ciência, aliás. Sabemos
que toda a evolução acontece mais pela dúvida do que através de
certezas. Curiosamente, uma das razões apontadas para alguma escassez de
pesquisa e trabalho de campo nestas áreas mais emocionais dos animais,
por assim dizer, é o medo que os zoólogos, etólogos, cientistas e
estudiosos têm de ser acusados de antropomorfismo. Ou seja, de blasfémia
científica. Já aconteceu a investigadores que trabalham exclusivamente
com animais serem duramente criticados e até banidos da comunidade
científica internacional por produzirem documentos onde descrevem os
supostos estados de alma dos animais. Atribuir características humanas a
animais não humanos é, ao que parece, o pior pecado etológico: o
antropomorfismo.
Enquanto os cientistas procuram evidências e tentam obter provas
cabais das emoções dos animais de cada espécie, nós os humanos que não
dedicamos a vida a estes estudos, sabemos uma coisa e temos uma certeza
definitiva: sentimos amor pelos animais de que cuidamos e aos quais nos
afeiçoamos. Um cão que nasce ou cresce em nossa casa, com os nossos pais
ou os nossos filhos, passa a ser como família. Assim como um gato, um
cavalo, um pássaro ou uma tartaruga. Se ficam doentes damos-lhes
remédios ou vamos com eles ao médico; se têm traumas tentamos perceber o
que lhes aconteceu e fazemos tudo o que está ao nosso alcance para os
resgatar e curar essas suas feridas invisíveis; se amuam damos-lhes
tempo e espaço; se se alegram alegramos-nos com eles; se ficam mais
abatidos preocupamos-nos, e por aí adiante. Até ao dia em que realizamos
que também eles ficaram tão velhos ou tão doentes que vão morrer ou têm
que ser abatidos. E nesse dia percebemos que podemos nunca chegar a
conhecer em detalhe a neurologia animal, nem saber verdadeiramente o que
sentem os animais ou atingir o alcance da sua capacidade de se
emocionar, mas caímos na conta de que os nossos sentimentos por eles são
maiores, mais altos e mais fundos do que alguma vez julgamos possível.
Nesse mesmo dia compreendemos que os laços que tecemos com os animais
que nos são próximos só podem ter nascido de emoções muito fortes.
Mútuas. Recíprocas, quero dizer.
IN "OBSERVADOR"
20/10/15
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