A esquerda
também aprende
Tudo leva a crer que a esquerda portuguesa
começou a entender que o ciclo político iniciado com o 25 de Abril está a
terminar e que todos juntos talvez sejam suficientes para inverter o
processo de decadência estrutural que a coligação de direita iniciou com
a ajuda da troika. No sentido que lhe atribuo, decadência significa
divergência progressiva, em vez de convergência progressiva com o
rendimento médio europeu e os indicadores sociais que lhe estão
associados. A prazo, se houvesse convergência, os jovens portugueses
teriam tanta necessidade de emigrar como os jovens alemães ou
finlandeses. Está em curso o processo oposto.
Não é ainda claro o que cada partido aprendeu. O PS começou a
aprender que quanto mais se parecer com a direita menos a direita
precisa dele e menos precisam dele os cidadãos e cidadãs que,
inconformados com as suas políticas, começam a identificar alternativas à
esquerda. Se aprender esta lição, terá igualmente que aprender que vai
ser necessário organizar alguma rebeldia a nível europeu, com sabedoria e
aliados europeus. Sem renegociação/restruturação da dívida e com o
atual Tratado Orçamental, a decadência é fatal com ou sem fantasias
macroeconómicas. Aprenderá? Não esqueçamos que a ignorância estrutural
no PS é muito alta. Só isso explica que Francisco Assis esteja à espera
que o partido lhe caia nas mãos. Se isso acontecer, terá o triste
privilégio de ser o seu coveiro.
O BE e o PCP aprenderam que os portugueses lhes deram demasiados
votos para poderem ser apenas votos de protesto. Durante a campanha
ouviram muitas vezes o apelo dramático: "Tirem esta direita do poder".
Deveriam entender-se entre si e não apenas cada um deles com o PS.
Com o Livre, a esquerda também aprendeu. O Livre foi uma presença
talvez passageira mas salutar porque introduziu duas inovações, uma
programática e outra organizativa. Foi a primeira força política, depois
do 25 de Abril, a pôr a unidade de esquerda no centro da sua agenda
política, uma unidade assente em bases programáticas credíveis. Foi a
única força política que abraçou convictamente a democracia direta e
participativa na eleição dos seus candidatos e se articulou de modo não
proprietário com movimentos sociais autónomos, como foi o caso do
Movimento de Cidadãos por Coimbra (CPC).
Em geral, e salvo situações de total descrédito das forças políticas
dominantes (como recentemente em Espanha), as grandes inovações
políticas não são bem acolhidas em processos eleitorais, dominados por
rotinas, lealdades e aparelhos. Mas o facto de não beneficiarem quem as
introduz não quer dizer que se percam. A inovação programática
introduzida pelo Livre foi decisiva para a mudança estratégica (e não
apenas tática, ao que parece) do BE no sentido de, já na campanha
eleitoral, se abrir a uma aliança com o PS, que no passado parecia ser o
seu inimigo principal.
O Livre conseguiu impor parte da sua agenda, mas poderá aprender com a
sua vitória? Para isso, deveria equacionar dissolver-se em nome da
unidade de esquerda por que lutou desde que se realizassem as seguintes
condições: o BE mostra que a unidade de esquerda é, para os tempos que
se aproximam, a melhor decisão estratégica; adota a inovação
organizacional do Livre, a democracia direta no interior do partido,
acabando de vez com vanguardismos, leninistas ou não; mostra-se
disponível para acolher os ativistas do Livre, a grande maioria deles
ex-militantes ou ex-simpatizantes do BE, se estes assim o entenderem; a
direção do Livre põe à discussão nas suas bases, votantes e
simpatizantes, a hipótese da dissolução nas condições referidas, e o
voto é pela dissolução.
Qualquer que seja o resultado, será um momento alto de pedagogia
política de esquerda. Se a decisão for a não dissolução, o Livre terá um
mandato mais forte para continuar. Se o Livre se dissolver, os
movimentos sociais que se articularam com ele nada têm a perder. O CPC,
por exemplo, continuará a sua luta por resgatar Coimbra das oligarquias
políticas medíocres e corruptas que a têm destruído. Em próximas
eleições serão os partidos a necessitar do CPC, e não o contrário.
IN "VISÃO"
17/10/15
.
Sem comentários:
Enviar um comentário