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Violência entre jovens sem perdão
O Ministério Público acusou cinco jovens, de ‘boas famílias’ de Cascais de tentativa de homicídio de um miúdo de 18 anos, de um grupo rival de Lisboa. Em causa está uma agressão, quase fatal, ocorrida em janeiro de 2014, após um jogo de râguebi no Dramático de Cascais. E que, na altura, desmascarou um fenómeno recente e escondido: a violência extrema e gratuita entre jovens de classe alta.
Segundo a acusação do Departamento de
Investigação e Ação Penal (DIAP) de Cascais, a que o SOL teve acesso,
os arguidos – entre os 18 e os 22 anos, alguns familiares de
magistrados – «quiseram de comum acordo» matar a vítima por uma
«ninharia».
.
O despacho do DIAP sustenta que os arguidos agiram «imbuídos de
intolerância e mesquinhez, determinados a molestar gravemente o
assistente e a tirar-lhe a vida» apenas por um amigo seu ter tido
desavenças no Algarve e na Discoteca Urban, em Lisboa, com um dos jovens
do grupo agressor.
Os cinco foram agora acusados (14 de setembro), em «co-autoria
material», de um «crime de homicídio qualificado, na forma tentada»,
podendo ser condenados a penas de prisão superiores a três anos. A
defesa dos arguidos – que estão em liberdade – pode requerer a abertura
de instrução ou optar por seguir já para julgamento.
Socos e pontapés
A rivalidade entre estes grupos de miúdos de classe alta, de Lisboa e
de Cascais, existia já há algum tempo e costumava originar cenas de
pancadaria.
Naquela tarde de 11 de janeiro de 2014 a situação foi ao limite. No
fim do jogo de râguebi entre a equipas do Grupo Dramático e Sportivo de
Cascais e a do Grupo Desportivo do Direito, a vítima, então com 17 anos,
e um amigo dirigiram-se para o parque de estacionamento. Quando se
encontravam na rampa para a saída, foram abordados por dois dos jovens
arguidos – que são primos e pertencem a uma família de magistrados,
incluindo uma procuradora da República do círculo de Cascais.
Um deles perguntou à vítima se se lembrava da sua cara e, antes de
ainda de qualquer resposta, deu-lhe um soco no ouvido direito, o que o
fez cair no chão. Enquanto isso, o seu primo batia no outro rapaz – que
conseguiu fugir para pedir ajuda.
Ficaram então os três sozinhos: a vítima deitada no chão e os dois
arguidos que, sem parar, continuaram a dar-lhe socos e pontapés no
tronco e na cabeça. Chegou entretanto um terceiro elemento do grupo de
Cascais que, ao ver que o jovem estava a ser agredido pelos amigos,
decidiu também agredi-lo com o capacete da mota. Ao mesmo tempo que se
sucediam vários socos e pontapés na cabeça e na face do adolescente,
surgiram mais dois elementos do grupo que começaram também a dar-lhe
pontapés. No chão, inconsciente, o jovem sangrava abundantemente e tinha
convulsões. O ataque só parou quando apareceram mais pessoas,
nomeadamente duas amigas da vítima, uma delas neta do fadista Carlos do
Carmo e do advogado Vieira de Almeida, que o tentaram proteger.
Mas as agressões já tinham sido tantas que as consequências foram
graves: a vítima sofreu lesões neuropsicológicas e psiquiátricas graves,
sustentadas em relatórios médicos.
Acusação ‘inédita’
Tânia Homos, psicóloga clínica do serviço de psiquiatria do Hospital
de Santa Maria, em Lisboa, que tem seguido vários jovens com traumas
resultantes de agressões físicas e psicológicas, garante que esta
acusação é importante por mostrar que os atos podem ter consequências.
«É inédito», diz, explicando que em regra, quando se trata de «filhos
de gente importante, não acontece nada». A psicóloga, e também
profissional acreditada de coaching, recorda, aliás, um caso recente que
testemunhou. Quando foi à escola de uma criança que estava a seguir e
que era vítima de bullying, a diretora do estabelecimento disse-lhe que
era preciso ter cuidado porque as famílias dos supostos agressores eram
«muito influentes».
Também João Lázaro, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
(APAV), considera que estas decisões são de extrema importância porque
«incentivam as vítimas, que sofrem caladas, a denunciar as situações».
Sem comentar este caso especifico, que não conhece com detalhe, o
responsável da APAV sublinha, no entanto, o papel que pode ter: «Em
certos contextos, os códigos de silêncio são a regra de ouro e por isso,
quando alguém leva os casos até às últimas consequências e se consegue
fazer justiça, serve de exemplo para outras vítimas».
‘Os pais têm de impor limites’
Pouco depois da agressão no dia do jogo de râguebi, o técnico de
acompanhamento Manuel Matias, amigo da família da vítima, tentou «fazer a
mediação entre os dois grupos rivais».
«Falei com os jovens envolvidos, incluindo a vítima, os agressores e
as testemunhas», contou ao SOL, admitindo ter ficado perturbado com
aquilo a que assistiu. «Quando perguntei a alguns agressores porque
tinham batido daquela maneira no jovem, disseram-me que não sabiam
porque agiram assim. Responderam-me coisas do género ‘não sei, não
pensei nisso’», conta o terapeuta, que acabou por não dar seguimento a
este trabalho de mediador por o caso ter, entretanto, seguido pelas vias
judiciais.
Para Manuel Matias não há, porém, dúvida de que a violência entre
este tipo de jovens está a registar maior agressividade, estando muitas
vezes «associado ao consumo de álcool». Além disso, nota, há falta de
projetos de vida, o que resulta muitas vezes do facto de hoje em dia se
ter experiências precoces a nível da sexualidade e da criminalidade.
Solução? «Os pais têm de estar presentes e impor limites», aconselha
Manuel Matias.
Tânia Homos concorda. «A fórmula para acabar com esta violência é os
jovens terem afetos, mas também regras, coerência e limites», diz,
considerando ser urgente acabar com uma certa atitude ultraprotetora dos
pais. «Hoje em dia, quando uma mãe é chamada à escola porque uma
professora ralhou ao filho, é costume pensar: ‘Mas quem ela para fazer
isso ao meu filho?’».
O SOL tentou contactar a vítima e a sua família, que não quiseram falar.
* Estes betinhos violentos são filhos dos "donos do dinheiro" e na maior parte das vezes gozam de impunidade quando cometem desacatos noite dentro. Uns anitos na prisão fazia-lhes bem e aos pais também.
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