Cisnes cinzentos
Um cisne negro consiste naquele fenómeno que
raramente acontece e que, (por isso), dificilmente se consegue prever.
Trata-se de um acontecimento que se situa nos extremos da distribuição
padrão que, curiosamente, apenas em raras exceções é um modelo fidedigno
da realidade.
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A conotação de cisne negro remonta aos tempos em que se julgava
que todos os cisnes eram brancos e a sua importância advém do impacto
na sociedade de conclusões precipitadas sobre o desconhecido. Esta
questão assume outra preponderância para economistas, analistas
financeiros, entre outros, cujas previsões são baseadas em não tão
extrapoláveis modelos estatísticos. A questão em que me quero focar, no
entanto, são os cisnes cinzentos.
O meu primeiro cisne diz diretamente respeito à volatilidade
característica do sistema financeiro mundial. Recentemente, à abertura
da sessão de trading do S&P 500, e muito devido à atual crise na
China, o índice desceu para mínimos de 2008 enquanto minutos depois já
recuperava sensivelmente. De facto, os mercados financeiros são uma
espécie de organização irracional: sofrem infinitas oscilações em
proporções variadas, mas, ocasionalmente, quer seja por um dia ou por
meses a fio, ficam fixos num equilíbrio inexplicável, num consenso
infundado.
Ora, o S&P 500 encontra-se à data em níveis expressivamente
superiores aos máximos que antecederam a crise de 2008 sem que haja
alguma razão fundamental para que tal aconteça. Não se registaram
avanços tecnológicos ou melhorias de produtividade significativas que
pudessem estar na origem de tal crescimento. Na verdade, o que se passa
nos Estados Unidos é, arrisco-me a dizer, em grande parte fruto da
política monetária que o governo americano tem levado a cabo desde 2008.
Refiro-me ao tão abordado alívio quantitativo que tem vindo a injetar
milhares de milhões na economia americana e assim fomentando o consumo
da sua população.
Tal como nos Estados Unidos, também na China se têm vindo a
verificar contínuos cortes nas taxas de juro e, mais uma vez, a injeção
de liquidez. Pois bem, no espaço de um ano, o seu índice representativo
mais do que duplicou; este verão no entanto as quedas têm sido
sistemáticas. Num mundo global, já não será tão óbvio que os Estados
Unidos subam as taxas de juro ainda este ano ou que a recuperação
económica na Europa seja mais notória ou que de uma vez nos despeçamos
globalmente da crise a que estamos apegados há já sete longos anos.
Já num outro registo, as mais recentes vagas migratórias de
pessoas vindas do Médio Oriente e do Norte de África têm aterrorizado os
líderes europeus que agora se entreolham impotentemente à procura de
soluções que não chegam para um problema que não antecipavam. Cisne
negro? A política externa levada a cabo pelos países desenvolvidos para
esta região preocupou-se apenas em defender ideais ocidentais sem que
nenhum esforço tenha sido feito para desenvolver estas economias. Com
guerras, problemas económicos, medo e sem esperança, estas pessoas iriam
procurar algo melhor, tal como todos já o fizemos.
Lamento. Não era assim tão difícil de prever que os níveis
americano e chinês não eram sustentáveis e que teriam, e têm, de se
reajustar. Não podíamos achar que os agora migrantes iriam assistir
impávidos ao seu infortúnio. E não, não podemos assumir que as recentes
melhorias da economia portuguesa se deveram necessariamente ao esforço
dos últimos anos (note-se, alívio quantitativo!).
Estes eventos não eram cisnes negros, eram bem mais claros,
eram cinzentos! Por mais que profissionais das diferentes áreas não os
tenham conseguido prever, se tivéssemos observado o que tinha vindo a
acontecer e tomado uma posição diferente quanto a isso, talvez estas
questões não se teriam perpetuado ou até efectivado. Como tal, por vezes
temos de dar um passo atrás e ver o que está à frente dos nossos olhos.
Deixar a nossa teimosa inocência e assumir de vez que há cisnes que não
são francamente imprevisíveis.
Membro do Nova Investment Club
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
06/09/15
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